A presidente eleita da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) admitiu que o atraso no funcionamento do organismo "tem um impacto enorme" por não haver tramitação de queixas, admitindo que se perdeu tempo útil de atuação.

Em entrevista à agência Lusa, a dias da tomada de posse da CICDR, em 03 de dezembro, Isabel Rodrigues recusou que a mudança de Governo tenha tido alguma influência no atraso da tomada de posse da nova composição da comissão, salientando que foi eleita presidente em 19 de junho, muito depois das eleições legislativas.

No entanto, a demora na eleição de um presidente para a CICDR deixou a comissão parada por mais de seis meses, ao qual se soma agora o tempo passado até à tomada de posse, momento a partir do qual a comissão pode oficialmente começar a funcionar. No total, esta comissão está parada há quase um ano.

"Este atraso tem um impacto enorme, desde logo no facto de não haver tramitação de queixas e de eventuais contraordenações daí advenientes", considerou, admitindo desconhecer quantas serão as queixas à espera de seguimento.

Isabel Rodrigues apontou que "ao longo deste último ano e picos [as queixas] não tiveram qualquer seguimento" e considerou, por isso, que esta seja a consequência com "mais impacto nas pessoas", uma vez que é uma "dimensão fundamental do combate ao racismo e à discriminação".

"Poderíamos dizer que as pessoas apresentaram as queixas em vão e isso não está de acordo com aquilo que é, desde logo, imposto pela lei portuguesa onde foram produzidas alterações precisamente para reforçar este combate ao racismo e à discriminação", defendeu a deputada do partido socialista.

A responsável recusou que as queixas que estão à espera de seguimento estejam perdidas, mas admitiu que "em alguns dos casos se tenha perdido o tempo útil de intervenção".

"Não tenho dificuldade em aceitar que as pessoas acabem com um sentimento de frustração por a sua queixa não ter sido atendida", considerou Isabel Rodrigues.

Assumiu, por isso, o compromisso "de dar a maior celeridade possível ao processo de instalação da CICDR" para que, com "a maior rapidez possível", a comissão consiga retomar as suas funções, nomeadamente de recebimento de queixas e o respetivo seguimento, do qual pode resultar a aplicação de uma contraordenação ou coima.

"Tudo faremos para que seja possível, no mais curto espaço de tempo, a CICDR estar a funcionar na normalidade", apontou, salientando que "esta é uma nova CICDR, que vai começar do zero".

A deputada socialista referiu que isso vai fazer com que muita da despesa que seria feita em 2024 tenha que transitar para 2025, mas a verba disponível não, sendo cativada.

Paragem será "objeto de reparo" das entidades europeias

A presidente eleita da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial afirmou que a paragem de quase um ano do organismo "não deixará de ser objeto de reparo" das entidades europeias.

Isabel Rodrigues referiu que o facto de a comissão estar sem funcionar há quase um ano põe em causa obrigações de Portugal em matéria legislativa, tanto nacional como internacional.

Segundo a deputada socialista, estão em causa "instrumentos internacionais a que Portugal se vinculou" e cujas obrigações estão incluídas no plano nacional contra o racismo (2021-2025), que "não está, obviamente, a ser cumprido".

Deu como exemplo, em matéria de compromissos internacionais, a declaração e plano de ação de Durban, o plano de ação da União Europeia, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial ou o protocolo 12.º à Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Referiu saber que "está a decorrer um processo de avaliação pela ECRI, que é a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância, entidade que faz a monitorização, o reporte e a emissão de recomendações aos estados-membros".

"Tenho a certeza de que este hiato de mais de um ano de existência da CICDR não deixará de ser objeto de reparo, por exemplo, pelo processo de monitorização e avaliação que a ECRI está a levar a cabo neste momento", apontou.

Isabel Rodrigues disse não saber quando é que esse processo estará concluído, salientando apenas que o anterior relatório sobre Portugal data de 2021, mas afirmando ter a expectativa de que seja conhecido no início de 2025.

A CICDR era um organismo que inicialmente funcionava na dependência do Alto-Comissariado para as Migrações (ACM), que se extinguiu com a criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), na sequência da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

A opção do então Governo socialista foi de autonomização da CICDR, ficando este organismo a funcionar na dependência da Assembleia da República, a qual fica responsável por eleger o presidente do organismo, decisão aprovada em novembro de 2023.