
De acordo com a Organização das Nações Unidas para os Refugiados, nos últimos dez anos, pelo menos 34 mil migrantes morreram ou desapareceram no mar, em travessias motivadas pela esperança de chegarem à Europa. É um número impressionante e inaceitável.
Há dez anos, uma das maiores tragédias aconteceu no Mediterrâneo Central, numa das rotas mais mortais do mundo. Cerca de mil migrantes morreram ou desapareceram no mar numa travessia da Líbia para Lampedusa. Há dois anos, o Adriana afundou-se ao largo da costa grega de Pylos, provocando a morte de mais de 600 pessoas. A mesma situação dramática existe na costa espanhola e no Canal da Mancha, que, apesar do reforço das medidas de policiamento, nem por isso deixaram de aumentar os fluxos migratórios e também as mortes por afogamento.
A verdade é que os barcos muito precários continuam a atravessar os mares todos os dias apinhados de migrantes e o Mediterrâneo transformou-se num imenso cemitério. Paradoxalmente, esta realidade parece ter-se tornado inexistente, apesar de continuar a ser uma tragédia que se repete vezes sem fim, talvez por a comunicação social ter perdido o interesse em noticiar um fenómeno aparentemente sem solução.
É preciso reconhecer, por isso, que a Europa falhou rotundamente em parar este vergonhoso massacre de pessoas desesperadas que sabem muito bem que, quando começam as suas jornadas migratórias, a probabilidade de morrer é muito grande. Mas mesmo assim, aceitam correr o risco na esperança de uma vida melhor. Homens, mulheres, crianças, todos igualmente vulneráveis, embora uns mais que outros.
E como reage a Europa? A Europa e alguns Estados-membros reagem tentando criar a ilusão que os migrantes não estão a chegar e que as tragédias não acontecem, externalizando a gestão dos fluxos migratórios o que, para muitos, é uma sentença de morte. Especialmente se caírem nas mãos das milícias e das máfias que beneficiam de fundos europeus e, ao mesmo tempo, fazem muito dinheiro com o tráfico humano, como acontece em países como a Líbia e a Tunísia, onde os migrantes são vítimas de assassinatos, escravidão, violência sexual, tortura, tráfico de seres humanos e outras formas de tratamento desumano. O que deixa poucas margens para dúvidas da cumplicidade da União Europeia neste horror.
E é por estas razões que a cooperação com aqueles dois países é inaceitável e deveria ser suspensa e reavaliada à luz do respeito pelos direitos humanos.
Isto significa também que a abordagem dos fluxos migratórios deveria ser radicalmente diferente em todas as suas fases. Mas não da forma que pretendem os partidos de extrema-direita e os movimentos populistas, porque moram num lugar muito escuro onde não existe empatia, nem humanidade, nem solidariedade. A abordagem deveria ser moral e politicamente honesta, levando em consideração o respeito pelos direitos humanos, a escassez de mão-de-obra, o declínio demográfico e a sustentabilidade dos sistemas de segurança social.
Os migrantes são precisos e dão um contributo muito relevante para dinamizar e regenerar as nossas sociedades. Só é necessário fazer uma gestão humanamente correta e encontrar os devidos canais seguros e regulares, mesmo que não sejam a solução do problema. Mas já seria uma ajuda preciosa.Se apenas toda a estrutura do direito internacional fosse respeitada, muito particularmente a lei do mar expressa em diversos instrumentos legais, milhares de vidas seriam poupadas. Milhares de seres humanos não cairiam nas mãos de contrabandistas e criminosos e não sofreriam tanta violência e tratamento desumanos.
Seria também importante que alguns países, como é o caso de Itália, parassem de criar todo o tipo de dificuldades administrativas absurdas às atividades das Organizações Não Governamentais especializadas em operações de busca e salvamento, aplicando regas insustentáveis para o desembarque de migrantes, fazendo inspeções com o único propósito de aplicar sanções ou apreender os seus barcos, como acontece com o Geo Barents, o Sea-Watch-5 ou o Humanity 1. Por isso, a assistência humanitária deveria ser reconhecida e nunca criminalizada.
Infelizmente, a União Europeia e os Estados-membros deixaram de investir nas capacidades de busca e salvamento para reforçar o patrulhamento das fronteiras e os repatriamentos. Operações como o Mare Nostrum, Triton, ou Sophia salvaram milhares de vidas. Infelizmente, nos nossos dias, salvar vidas deixou de ser prioridade, mas deveria voltar a ser.
A verdade é que, se houver vontade política, sem cedências à extrema-direita, é bem possível uma abordagem muito mais humana à gestão dos fluxos migratórios. E é também claramente possível proteger as fronteiras e defender a segurança interna sem violar o direito internacional. Acima de tudo, não se deve fechar os olhos à tragédia quotidiana que temos à nossa porta.
* Autor do relatório do Conselho da Europa “Salvar vidas de migrantes no mar e proteger os seus direitos humanos”