A carreira de um futebolista nunca é algo linear. Os caminhos de cada um vão-se moldando à oportunidade e sorte - fator por vezes desvalorizado no desporto rei - e faz com que a carreira de certo e determinado jogador vá, em menos de um bufo, do oito ao oitenta.
Tomás Araújo sempre foi tido em conta como uma das joias da coroa do clube da Luz no que à formação diz respeito. No Seixal desde os 14 anos, foi subindo etapas e saltando patamares sucessivamente. Ainda júnior, foi indiscutível na equipa B dos encarnados, depois, conquistou a Youth League e estreou-se na equipa principal: um caminho talhado para o sucesso, que não apareceu tão rápido quanto se previa.
Aos 22 anos, e depois de uma temporada em que por poucas vezes foi opção, o central está a ser uma das figuras principais do Benfica em 2024/25, desde que Bruno Lage assumiu as águias. Curiosamente, o irmão de Bruno Lage - Luís Nascimento, também adjunto do Benfica - foi o primeiro treinador de Tomás na formação da equipa da Luz.
O zerozero foi conhecer as raízes de Tomás Araújo, à boleia do irmão mais velho, Luís Araújo, e de Luís Castro, antigo treinador na formação do Benfica, com quem venceu a Youth League.
Do futebol com os primos à ida para o Seixal
Como tantos outros espalhados por esse mundo fora, o jovem Tomás começou a dar os primeiros passos no desporto rei num clube modesto: o Operário Futebol Clube, em Famalicão. Perto de casa e acompanhado pelo irmão, quatro anos mais velho, que jogava no mesmo clube.
«Era uma vida um bocado difícil. Os meus pais tinham um trabalho normal, das 8:00h às 17:00h, e depois iam buscar-nos à escola e levar ao treino. Chegávamos a casa tarde, muitas vezes às 22:00/23:00h, ainda a ter que fazer o jantar. Ainda por cima, às vezes os treinos não coincidiam, ou seja, eles tinham uma semana praticamente toda preenchida com conosco», começou por dizer Luís, em entrevista ao zerozero.
No meio de um «excelente ambiente familiar», a habilidade de Tomás Araújo com a bola foi sendo reconhecida. Primeiro, pelo irmão, depois pelo SC Braga: «Passávamos os fins de semana a jogar à bola. Tanto o meu pai como a minha mãe têm muito muitos irmãos e muitos primos, havia muita gente para jogar (risos). Ele sempre teve muita qualidade.»
«Ele fez um ano no Palmeiras, e depois foi para para a Geração Benfica de Famalicão, que queria que ele fosse para o Benfica (Lisboa), mas que continuasse nas escolinhas aqui em cima. Um ano depois deu salto para o Seixal», revelou Luís.
«Ele passou muitas fases más e nós não estivemos tão presentes»
A ida para o Lisboa marcou uma mudança na família Araújo. Luís passou a ser filho único em casa e as dinâmicas familiares foram modificadas, principalmente ao fim de semana.
«Foi muito complicado, eu partilhava o meu dia a dia com ele. Ele já não já não estava muito tempo comigo quando estava em Braga, mas depois, quando foi para Lisboa senti muito a falta dele. No fim de semana foi quando eu notei mais diferença, porque eu passava o fim de semana todo com ele e passei a não não estar com ele de todo. Foram momentos que perdemos, mas que acho que agora está a dar fruto», disse Luís, recordando a saída do irmão mais novo de casa.
Perante a ausência do mais novo, Luís e os pais passaram a deslocar-se semana sim, semana não até Lisboa - algo que continua a ser tradição nos dias de hoje -, sempre que a equipa de Tomás jogava em casa. A dinâmica era simples: «Saíamos à sexta-feira e passávamos o fim de semana com ele. O Tomás obviamente passava a maior parte do tempo na preparação do jogo, mas depois do jogo vinha ter conosco e ao domingo à Tarde, principalmente, passávamos a tarde com ele.»
A falta da família - em fases importantes da vida de um adolescente - deixam qualquer jovem com fases mais difíceis no seu crescimento. O irmão, sempre próximo, recordou algo emocionado, alguns momentos mais difíceis da vida de Tomás no Seixal. «A distância custou muito a todos. Sei que se nós estivéssemos mais perto dele, conseguíamos ajudar nos momentos menos bons que passou. Passou muitas fases más e nós não estivemos tão presentes.»
Empréstimo ao Gil Vicente deu para «recuperar o tempo perdido»
Já depois de se estrear na equipa principal do Benfica, o central voltou ao norte por uma temporada. Em Barcelos, bem mais perto de casa, protagonizou uma temporada de gala e conseguiu rentabilizar da melhor forma o tempo ao serviço do Gil Vicente. Segundo o irmão, o empréstimo foi excelente para «recuperar o tempo perdido.»
«Quando esteve no Gil Vicente, ele dormia todos os dias em nossa casa. Passávamos o tempo todo juntos e dava para para ter um acompanhamento mais próximo daquilo que era o dia a dia dele. Quando ele tinha 13 anos, deixou de ter a educação dos meus pais. Tinha as bases, mas o dia a dia não era dado por eles, que nem sabiam muito bem o que ele andava a fazer. A partir do momento que ele veio para cá, foi uma mais-valia também para recuperar o tempo perdido com a família», revelou Luís, agora engenheiro mecânico, tal como pai.
Desportivamente falando, o impacto também foi notório. Porquê? Luís Castro, antigo treinador do jovem central, explica: «Na formação do Benfica, o Tomás passava mais tempo com bola do que a defender. No Gil Vicente, como passou mais tempo a defender, evoluiu defensivamente. Ajudou-o a ser mais concentrado no processo defensivo, que é importante agora no Benfica, porque, apesar de não passar muito tempo no processo defensivo, não pode cometer erros.»
A afirmação aos olhos de quem o treinou: «É um caminho natural»
Tal como já havia assumido ao zerozero em 2022, Luís Castro é um grande admirador de Tomás Araújo e considera o seu caminho como «natural», classificando-o como um jogador de muita qualidade - agora ainda melhor - pela evolução na maturidade.
«Para posição de central, tem características muito importantes. O Tomás é rápido, alto e tem muita qualidade técnica que, logo à partida, são três das mais características importantes para a posição. Depois, as outras coisas vêm com trabalho», confessou o técnico ao nosso portal.
Na brilhante campanha do Benfica na Youth League, com Luís Castro ao leme, Tomás ostentou a braçadeira no braço esquerdo, apesar de não ser um jogador «muito expressivo», segundo o treinador. O segredo? Liderança pelo exemplo.
«Era capitão porque era dos jogadores mais velhos. Nessa altura, já estava a treinar com a equipa A. Não é um jogador que fale muito, que seja muito expressivo, mas era um exemplo. É um jogador que trabalha muito e que faz tudo aquilo que o treinador pede», explica-nos.
Ao lado de Otamendi, o central famalicense tem sido quase indiscutível para Bruno Lage, ultrapassando António Silva na hierarquia da defesa benfiquista. Para o atual treinador do USL Dunkerque os dois jovens made in Seixal são complementares.
«Eles complementam-se muito e penso que poderia ser uma excelente dupla de centrais. O Tomás é mais técnico, mas o António também é muito eficiente no processo ofensivo. O António é é mais forte no jogo aéreo. São dois centrais de equipa grande. Felizmente para o Benfica e para o futuro do futebol português, que temos jogadores deste nível», conclui.