
Na obra-prima do Padre Alves Vieira, Vieira do Minho – Notícia Histórica e Descritiva (1923-1925), na celebração do 1.º centenário da sua publicação (III).
Um projeto CAVA, com fotografias atuais de Miguel Proença. Apoios: Instituto Português do Desporto e Juventude, O Jornal de Vieira e Rádio Alto Ave.
Capítulo III (I Parte) – Vieira agrícola.
Neste capítulo, o imortal biógrafo de Vieira do Minho faz um artístico retrato de uma variável fundamental da sobrevivência económica da sociedade vieirense, de há cem anos: a atividade agropecuária. Afirmava, então, – o que hoje é problemático e motivo de reflexão – que «Vieira é uma terra essencialmente agrícola e pastoril» (p 81). Trata-se de uma descrição – que, para o vieirense de hoje talvez seja saudosa e romântica – das lides ou dos «trabalhos e dos dias» do velho lavrador vieirense («estrume», «rês», «centeio», «batata», «poda», «vessadas» e outras «operações»). Estamos em crer que os nossos leitores se deliciarão com este extrato (pp. 81-84) ou com a leitura integral do capítulo (pp. 81-97).
Com voz de Filipe de Oliveira…
“Já tivemos ocasião de acenar que Vieira é uma terra essencialmente agrícola e pastoril. Agora vamos estudar, escudados em informações seguras, como cá se trabalham as terras.
[…]
Estudemos, pois, em pequenos artigos, o que faz o nosso lavrador.
Estrumes.
O primeiro cuidado do nosso lavrador é preparar estrume para os campos. Este estrume é todo vegetal, tirado das bouças, onde o mato abunda entremeado de fetos, e dos baldios, onde os matos e os fetos têm a amiga companhia da carrasca e da erva brava. A carrasca é de preferência escolhida para as cortes ou estábulos do gado miúdo, as ovelhas e as cabras.
[…]
Este mato é deitado nos eidos ou quinteiros, e nas cortes do gado. Alguns também fazem grandes estrumeiras nos caminhos, rindo-se das proibições da Guarda Republicana e das respetivas multas.
O estrume, depois de convenientemente curtido, é levado para os campos. E aí uns ainda fazem grandes serras de estrume, que depois espalham em montículos pelo campo; outros espalham-no logo, sem fazer serra, nas vésperas de lavrar o campo, pouco mais ao menos.
Rês ou gado miúdo.
[…] Há lugares – não dizemos freguesias – com milhares de cabeças de gado miúdo. Zebral, um lugar de Ruivães, conta para cima de 2000 cabeças; Agra, lugar de Rossas, deve ter para cima de 3 ou 4000 ovelhas e cabras.
Uma das cenas mais particularmente interessantes da nossa terra é-nos oferecida pelos pegureiros da rês. O povo de Vieira, que em geral é avesso a concordatas, quando elas não tenham por objetivo um interesse seguro e palpável, perfilhou de há muito o mais severo comunismo em matéria de repartição de águas; na guarda e apascentação das reses está também vinculado por amigáveis acordos.
Cada lavrador tem os seus dias de rês, mais ou menos conforme a quantidade de cabras e ovelhas. À hora aprazada, o lavrador que está de plantão toca a buzina e logo se movimentam todas as casas.
– Eh! rapaz! Não ouviste tocar a buzina? Toca a deitar fora a rês!
E então por aqueles caminhos tudo são chocalhos de ovelhas, tudo é correr e saltar de cabras, balir de cordeiros.
Os diversos caseiros trazem as suas reses a uma portela ou largo convencionado. Ali o pegureiro do dia toma conta dos diversos rebanhos, e lá abala caminho da serra, munido da sua sacola com magra merenda, o infalível cão ao lado. E passa um dia enfadonho, longo, muito longo, endiabrado, porque a cabra é travessa, e a ovelha é manhosa…
À tarde renova-se a cena. Os diversos donos da fazenda acodem à mesma portela. Riem, folgam, saltam, falam de tudo o que se passa na freguesia… Mal porém despontam ao fundo da portela os primeiros chifres, todos se levantam, e vão ao encontro do rebanho geral. E para que a ovelha ou o cabrito se não tresmalhem, cada um vai dizendo por sua conta e risco:
-Extrema! extrema!
É o sinal para que cada cabra siga para o seu redil. E a boa rês já conhece aquelas vozes e entende aquela linguagem…
O conjunto de pequenos rebanhos constitui o que se chama uma vezeira. Estas vezeiras são enormes em Vilar Chão, Agra, Espindo, Zebral, onde há lavradores com mais de cem cabras. Em geral, quem tem 10 cabras tem obrigação de dar um dia de rês, isto é, de a ir guardar um dia”.
Fotografias: Carlos Oliveira, Rossas / Nozes a secar, Ruivães.