"Isto aqui é uma guerra. As pessoas aproveitaram para fazer saques, roubar, entrar em casas", diz à Lusa Amparo Garcia, 63 anos, caminhando pela rua central de Massanassa, em que um lodo escorregadio cobre ainda os pés de quem caminha, continua a haver por todo o lado carros empilhados uns nos outros à mistura com ramos, móveis e eletrodomésticos e todos os comércios estão destruídos e vazios.

São 12:15 e cruza a rua um camião da Unidade Militar de Emergências (UME) das Forças Armadas espanholas, o primeiro que os habitantes de Massanassa e do bairro vizinho da Orca, já no município de Alfafar, dizem ver chegar quase três dias após a tragédia.

"Já era tempo de chegar alguém", grita uma mulher à passagem do camião da UME pelas duas localidades, ambas situadas a menos de 10 quilómetros da cidade de Valência, no leste de Espanha.

Todos garantem que os poucos trabalhos de limpeza e remoção de escombros que houve até agora foram feitos pelos habitantes e voluntários, com a ajuda de tratores e outras máquinas. O mesmo aconteceu com o pouco acesso que houve nos últimos dias a comida e água potável e não foram vistas equipas de resgate nestas ruas, onde, segundo os vizinhos, há pessoas desaparecidas. Boa parte das casas continua também com falhas na eletricidade.

"Estamos abandonados. Não vemos um camião de bombeiros há dias, nem a UME, nem a Guarda Civil, e há pessoas a conviver com os seus cadáveres em casa. É muito triste. Faço um apelo a todas as administrações", disse na quinta-feira o autarca de Alfafar, Juan Ramón Adsuara, ao jornal El Mundo.

Além do camião da UME, uma unidade militar especializada em catástrofes, havia hoje nas ruas de Massanassa e da Orca carros da Guarda Civil, algumas ambulâncias e veículos da proteção civil, incluindo de outras regiões autónomas, que enviaram meios para ajudar a Comunidade Valenciana.

Mas o apelo do autarca de Alfafar -- que é semelhante aos de outros na província de Valência -- parece ter sido ouvido, sobretudo, pela população e ruas de bairros e localidades encheram-se hoje, feriado, de milhares de voluntários para tarefas de limpeza, assistência médica e distribuição de água e comida.

Os acessos a locais especialmente afetados pelo temporal e de onde ecoaram queixas de falta de assistência ficaram logo de manhã bloqueados por centenas de carros, levando as autoridades a pedir para não haver deslocações em viaturas, porque estavam a impedir o trabalho da proteção civil, das forças de segurança e dos militares.

Os carros foram encostados nas bermas e colunas com milhares de pessoas que carregavam pás, vassouras, garrafas de água e sacos de comida caminharam quilómetros a pé e encheram os caminhos para prestar ajuda.

Num edifício municipal do bairro da Orca de Alfafar (também conhecido como Parque Alcozar), colado a Massanassa, instalaram-se grupos de voluntários para receber os donativos e distribuir bebidas e comida à população. Um outro, de profissionais de saúde, improvisou consultas ao ar livre e distribuiu medicamentos a doentes que há mais de dois dias não tomavam os remédios que deviam.

"Se não nos apoiássemos uns aos outros, era um desastre", diz à Lusa Pedro Gallardo, de 68 anos, que acaba de recolher garrafas de água e um saco com alguma comida para levar para casa.

A mulher, Gracia Aguilera, de 64 anos e funcionária num hospital, diz que nos últimos dias viveram sobretudo com o que tinham em casa e lembra um jantar em que dividiram uma sandes e uma banana.

O pão dessa refeição foi fornecido por um amigo que vive noutra localidade e andou a pé quilómetros por ruas enlameadas para lhes levar alguma comida e água, que ainda partilharam com os vizinhos.

"Mas parece que por fim está a chegar ajuda", diz Gracia, com um sorriso.

O Governo espanhol somou hoje 500 militares aos 1.200 que desde terça-feira estão nas áreas devastadas pelo mau tempo na Comunidade Valenciana para tarefas de limpeza, resgate e abastecimento.

Segundo a ministra da Defesa, Margarita Robles, nos próximos dias serão incorporados ainda mais elementos das Forças Armadas, "todos os necessários".

A ministra disse que os militares no terreno têm "muitíssimas missões", desde tentar encontrar pessoas ainda vivas após o temporal de terça-feira à noite a resgatar corpos, desimpedir estradas ou abastecer populações que estão sem água potável, alimentos ou medicamentos. As Forças Armadas vão também hoje instalar duas morgues na região de Valência, onde estão confirmadas mais de 200 mortes.

As autoridades espanholas reconheceram na quinta-feira à noite, pela primeira vez, que ainda permanecem "dezenas e dezenas" de pessoas desaparecidas nas áreas afetadas pelo mau tempo.

A ministra da Defesa confirmou hoje que "infelizmente se está a perceber que há muitos" casos de pessoas que ficaram submersas em garagens inundadas e que existe a possibilidade de haver corpos dentro dos milhares de carros arrastados pelas águas e que continuam empilhados em ruas e estradas.

"É uma tragédia de proporções absolutamente incríveis", assumiu a ministra.

*** Margarida Pinto, da agência Lusa ***

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