
Frederico Rosa nasceu e cresceu na Rua Stara Zagora, no Barreiro, e jogou basquetebol desde os 5 anos no Futebol Clube Barreirense. Socialista, casado e com um filho, conseguiu roubar o bastião comunista à CDU em 2017 —só em 2001 o PS conseguira ficar à frente, por meros 384 votos, tornando a perder a Câmara logo nas autárquicas seguintes — e chegar à maioria absoluta quatro anos mais tarde, quando quase 20 mil barreirenses votaram nele (56,68%). A meio ano de partir para novas autárquicas, em que se assume recandidato (veja o vídeo aqui), fala do impacto que o novo aeroporto e concretamente a Terceira Travessia do Tejo terá no Barreiro, explica os seu projetos para a cidade e assume a vontade de melhorar as condições de vida no concelho e voltar a atrair a classe média-alta ao Barreiro.
Com a decisão sobre o novo aeroporto tomada, voltou também acima da mesa a Terceira Travessia do Tejo. A nova ponte será rodo e ferroviária e vai ligar Chelas ao Barreiro. Que desafios e oportunidades encontra aqui?
É um tema importantíssimo para nós. Já vivemos, em 2009, esta situação , a ponte esteve quase a avançar e depois não avançou, e criou-se ali um estigma muito grande. Não é que as pessoas não queiram a ponte, mas temem que possa voltar a não acontecer. Eu estou convencido, deste processo que vem a reboque do aeroporto, que agora é que vai ser. Mas isto coloca muitos desafios, desde logo desafios que passam muito por uma escala micro. A inserção de uma travessia que vai ter ligação rodoviária e ferroviária, como estava planeado e conforme indicação da IP há uma semana, que foi acolhida pelo senhor ministro, deixa-nos muito satisfeitos. Nos grupos de trabalho que a Câmara teve, essa foi sempre a via estudada porque estamos a falar de uma ligação que vai trazer não só a rodovia, mas acima de tudo, a ligação de ferroviária.
E vai trazer muita gente para o Barreiro.
Muita gente. A ligação ferroviária vai ter aqui dois polos que são estratégicos para o Barreiro, mas acima de tudo para a região da Península de Setúbal e a Grande Área Metropolitana. Primeiro, a parte do comboio que vai ligar depois a Évora-Badajoz-Madrid, que vai ser uma ligação fundamental para o interesse nacional.; mas a região vai ter uma ligação muito importante, porque finalmente vamos ter uma espécie de extensão do metro, uma ligação por carril para a margem Sul, que possa depois interligar com o metro na margem Norte.
Nós pensamos no aeroporto, no tráfego de turistas, mas há também aqui uma evolução da ligação entre as margens com uma qualidade completamente diferente.
Sim e a palavra-chave é mesmo essa. Nós fazemos um grande apelo e o Barreiro, que tem transportes públicos há quase 70 anos faz muito essa apologia do transporte público. Mas o melhor transporte público que podemos ter a servir as pessoas é um transporte de comodidade, ou seja, a pessoa quer sair da sua casa e ter com alguma frequência transportes disponíveis para chegar ao seu emprego, para ir levar ou buscar os filhos à escola, etc. E isto tem de ser feito em várias vertentes. Temos através da Carris Metropolitana, de que os transportes coletivos do Barreiro também fazem parte, um grande alargamento da rede rodoviária, temos a ligação fluvial para Lisboa, que é muito importante, mas há duas linhas estratégicas na mobilidade que têm de ser seguidas: a interligação do comboio, pela ponte, com a linha de metro da margem Norte e depois o alargamento do Metro Sul do Tejo, que é algo muito importante na parte estratégica da Península de Setúbal. Hoje temos ali um grande entrave que é vencer o braço de rio Seixal-Barreiro. E é fundamental para garantir esta panóplia de opções de transporte rodoviário, fluvial e metro — do Tejo até ao Seixal, depois até ao Barreiro-Moita e consequentemente até Montijo-Alcochete e ao novo aeroporto — porque a ligação para Lisboa vai finalmente garantir comodidade às pessoas. E isso, não tenho dúvidas, vai pôr toda a gente a aderir ainda mais ao transporte público. A Carris Metropolitano já fez notar muito esta subida, mas estas vertentes que estavam eternamente em falta vão finalmente resolver-se. Vamos tudo fazer para ajudar à solução, que vai ser boa para o Barreiro e para a região, colocando obviamente desafios novos a que também temos de nos adaptar.
E que são grandes... Para já, porque vai levar uma década a estar concluído e vai implicar muito investimento. Depois, porque vai trazer muita pressão à região, nomeadamente pressão imobiliária. Já estão a antecipar esses riscos?
Nós estamos a uma década, mas não serão dez anos de braços cruzados. Esta década é a nossa oportunidade de planear e de traçar uma estratégia que tem muitos vetores. Esse do imobiliário é um grande problema, porque vamos ter mais gente naquela margem, mas também por isso temos de olhar o acesso a cuidados de saúde, as escolas... ou seja, vamos ter mais gente e precisamos de mais resposta. E esta é uma oportunidade única de podermos não só acolher uma grande infraestrutura do país, mas também planear para a região a forma como podemos adaptar-nos aos novos desafios. E muitas dessas pressões nós já sentimos. A imobiliária é uma delas e vai acentuar-se se não tivermos a capacidade de planear e encontrar respostas a tempo, mesmo porque a habitação não é algo que esteja disponível de um dia para o outro. Precisamos de infraestruturas novas, mas precisamos também de atacar um grande problema que são os imóveis devolutos, privados e do Estado. E quando digo do Estado falo também do Setor Empresarial do Estado, que tem muitos imóveis devolutos. No Barreiro sabemo-lo bem. Este é o tempo de delinear uma estratégia coerente e que não esteja dependente de ninguém, porque os governantes chegam e vão. Nós estamos sempre prazo, por isso o importante é que as cidades e as populações, os territórios, não vivam com estas ondas mas tenham estabilidade. A responsabilidade de planear é nossa e nós temos de assumi-la.
Esta década é a nossa oportunidade de planear e de traçar uma estratégia que tem muitos vetores. Esse do imobiliário é um grande problema, porque vamos ter mais gente naquela margem, mas também por isso temos de olhar o acesso a cuidados de saúde, as escolas... ou seja, vamos ter mais gente e precisamos de mais resposta.
E já estão a fazer alguma coisa, a fazer levantamentos, nomeadamente dos imóveis devolutos?
Sim, nós temos um levantamento feito, quer dos privados quer do Estado.
E quantos são?
Estamos a falar de alguns milhares de fogos. O Barreiro foi uma cidade que felizmente tem estado a reinventar-se e a crescer, mas tem muitos imóveis velhos e esses imóveis têm sempre aqueles problemas de heranças que é preciso resolver. E resolvendo muitas vezes também ajudamos as pessoas que não sabem como sair deste nó. Mas isto vai muito além do Barreiro, tem de ser uma estratégia certamente nacional, mas regional, porque a implicação de uma infraestrutura destas na região é brutal. Nos turistas, nos visitantes, claro, mas também nas pessoas que vêm morar para os nossos territórios e que vão começar a fazer cada vez mais a transição entre estes e Lisboa.
E daí a Comunidade Intermunicipal fazer mais sentido?
Sim, nós no Barreiro fomos os primeiros a aprovar, mas tentando sempre consensualizar com todas as câmaras. São nove municípios, com várias cores políticas, mas os desafios são os mesmos para quem está naquele território.
Estamos a falar de Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Setúbal, Sesimbra e Seixal.
Isso mesmo. Ou seja, é todo o Arco Ribeirinho e depois com Setúbal, Sesimbra e Palmela, que é um território que acaba por ser muito permeável, que não tem fronteiras físicas. As pessoas habituaram-se muito a conviver e é preciso crescer com uma estratégia conjunta. Por isso a Comunidade Intermunicipal é fundamental, desde logo porque podemos ver refletido nos fundos comunitários aquilo que é a nossa realidade — nós estamos inseridos na área metropolitana de Lisboa e não queremos sair, mas no que respeita aos níveis de coesão, a margem Norte é diferente da margem Sul. Não nos enganemos: eu quero estar no nível da margem Norte, quero chegar aí, mas hoje, não estou. Não podemos ter medo das palavras: esta é uma região mais empobrecida do que a margem Norte. Nós não queremos que eles desçam, queremos é lá chegar, ter as ferramentas para poder também lá chegar, para produzir mais riqueza. Por exemplo, atualmente, no quadro comunitário do PT2030, nós temos a comparticipação europeia de 40%, mas se calhar devíamos ter 80%/85%.
Acabam por ser prejudicados.
Somos prejudicados. É aquela velha história de nós termos dois frangos por isso em média cada um tem um; mas na verdade tu tens dois e eu zero. Ter estas ferramentas para melhorar é fundamental. E a Comunidade Intermunicipal desde logo possibilita que se defina uma estratégia para a região, que tem necessariamente de integrar na área metropolitana. Daí que este projeto seja um exemplo perfeito de como nós podemos, através da Terceira Travessia e do projeto do aeroporto, olhar para toda a região já com esta ferramenta. Mas depois temos de ter os meios próprios que nos possibilitem atuar num território que é carente e que tem muito menos capacidade de investimento do que as autarquias da margem Norte.
A Comunidade Intermunicipal é fundamental, desde logo porque podemos ver refletido nos fundos comunitários aquilo que é a nossa realidade — nós estamos inseridos na área metropolitana de Lisboa e não queremos sair, mas no que respeita aos níveis de coesão, a margem Norte é diferente da margem Sul.
Quais é que são os principais problemas da margem Sul?
As questões da acessibilidade, que falámos há pouco, são muito importantes, as questões da requalificação urbana, muito ligada aos devolutos, e depois há uma questão que muitas vezes não se olha porque não é visível, que tem que ver com tudo o que são infraestruturas críticas de subsolo. Ainda há uns tempos vinha nas notícias que o Barreiro é dos que mais dinheiro gastam em renovação de condutas, e é dinheiro que fica debaixo do chão, que ninguém vê, mas são infraestruturas críticas para a continuidade territorial. Tem de haver água em abundância e tem de haver esta interligação, da mesma forma que há com as vias de comunicação, para capacitar zonas ribeirinhas quer de vocação de lazer e turística quer industrial, como temos na Baía do Tejo, no Seixal, com a antiga siderurgia em Setúbal, com o porto... são zonas com vocação industrial que têm de estar ao serviço do país e têm de ser renovadas. Tudo isto vai possibilitar fazer aquilo que eu acho que é importante, que é ter este investimento público via fundos comunitários com maior capacitação dos fundos ao serviço dos territórios, mas também destas empresas e indústrias. A região de Setúbal sempre foi conhecida como uma grande região industrial. E é necessária esta simbiose de investimento público e privado para criar valor. Definir estes eixos estratégicos de atuação concertada, saber como é que se inserem na Península e depois também dentro desta grande área metropolitana, que é o grande motor do país, é um desafio mais do que suficiente para podermos ter as nossas ferramentas para fazer este caminho.
E porque é que a Comunidade Intermunicipal está a demorar tanto para avançar?
Eu quero fazer este processo de consensualizar... e cada Câmara tem o seu ritmo. Há câmaras que já aprovaram em Câmara e Assembleia. Há municípios que ainda não o fizeram.
Quais?
São Setúbal, Palmela, Sesimbra e Seixal.
Portanto, as da CDU.
Já sabia que ia chegar aí... mas é justo dizer que ainda há pouco tempo estive a falar no Conselho Metropolitano e sei que eles estão a trabalhar nisso. Até porque estamos em ano de eleições autárquicas e este processo não pode viver de uma bandeira de eleitoral. Porque é demasiado importante para a região. Há duas eleições, o grande tema do círculo de Setúbal, que é um círculo importante a nível nacional, era a Comunidade Intermunicipal; e que uniu todos os partidos que concorreram às eleições, a Academia, a indústria, toda a gente.
Mas depois foi aprovado e está há dois anos à espera de acontecer.
Isso é o que me custa, termos lutado tanto por uma coisa e agora que está nas nossas mãos não avançar.
E porque é que não se avança?
Eu dei o tiro de partida porque senti que era necessário. Reunimos todos e não houve oposição de ninguém. Agora é preciso concretizar; neste momento o que estamos à espera é que estes municípios aprovem em Câmara e Assembleia para podermos fazer a escritura e o resto do espaço administrativo para poder concretizar-se. Porque o primeiro desafio que vamos ter logo é construir o plano estratégico — e o plano estratégico não se constrói em 15 dias.
Sobretudo porque aí surgirão certamente interesses ou prioridades muito distintas entre os diversos municípios.
Eu, acredito que vamos conseguir ter um consenso entre coisas básicas. Da experiência que temos tido, dos contactos que temos tido... Aliás, mesmo no seio da área metropolitana a questão dos transportes foi exemplar. Conseguiu-se colocar a uma série de sensibilidades diferentes, de partidos diferentes, de ideologias diferentes, de personalidades também diferentes de acordo. E aí são 18 a olhar para o passe único e depois a Carris Metropolitana. Nós aqui temos isso consensualizado no pilar estratégico essencial, que tem que ver com estes grandes temas. Acredito que haja sensibilidades diferentes e prioridades diferentes para os temas, mas todos nós temos noção da importância que isto tem para a península. O que não pode acontecer é exatamente andarmos tanto tempo a lutar e agora que temos a decisão nas mãos deixarmos cair. As pessoas não percebem isso. É difícil fazer chegar às pessoas questões que não tenham a ver muito que ver com o seu dia-a-dia, e bem porque as pessoas têm 1001 problemas que querem ver resolvidos e essas questões são de mais longo prazo, mas não podemos andar a pregar a importância disto e agora que está nas nossas mãos fazer, não avançamos. Do lado da Câmara Municipal do Barreiro e de todo executivo, foi sempre aprovado praticamente por unanimidade. Agora temos de concretizar.
Uma grande parte, principalmente de uma geração mais jovem, está a mudar-se para a margem Sul; então é lá que vai estar o talento. É normal que empresas e serviços então se querem implementar também na margem Sul.
E podemos acreditar que aconteça ainda antes das autárquicas de setembro/outubro.
Sim, eu acho que sim. Era desejável, até porque é um papel que temos de ter, o de levar isto aos próximos executivos municipais; os executivos não são feitos só por quem ganha, é toda a gente que é eleita e que se apresenta à votação de forma multipartidária. E devemos deixar aos próximos executivos pelo menos a base do trabalho feita e consolidada, para poderem pegar e começar a avançar de forma muito concreta, desde logo com o plano estratégico.
E permitiria resolver questões como as que se resolveram nos transportes, de que falávamos há pouco...
É um caso muito paradigmático. No Barreiro e Moita, por exemplo, um estudante que andasse na FCT na Costa de Caparica, tinha de apanhar o barco para o Terreiro do Paço, ir a pé até ao Cais do Sodré, apanhar outra vez o barco para a margem Sul para lá chegar. Hoje já temos a resposta de uma Carris Metropolitana. Mas é preciso mais respostas, até porque nós também temos uma noção muito alicerçada de que, pela pressão imobiliária que se vive em Lisboa, muitos serviços e empresas se deslocam para a margem Sul, porque os terrenos em Lisboa são valiosíssimos, vendem-nos e conseguem fazer com um investimento e ter melhores condições do lado Sul. Vemos também que as pessoas querem estar onde está o talento e uma grande parte, principalmente de uma geração mais jovem, está a mudar-se para a margem Sul; então é lá que vai estar o talento. É normal que empresas e serviços então se querem implementar também na margem Sul.
"Quero recuperar a classe média para o Barreiro." Veja aqui a segunda parte da entrevista