Aprender a brincar. Ou mais especificamente, usar jogos e brincadeiras para ajudar as crianças a desenvolver competências transversais, como a criatividade, a colaboração e a resolução de problemas.
"O nosso objetivo é mudar o sistema educativo para trazer as competências do futuro: comunicação, capacidade de resolver problemas e criatividade. Queremos criar uma rede de escolas que promovam esta nova maneira de aprender e ensinar, acreditando que, em conjunto, podemos trabalhar para solucionar este desafio." É Inês Oom de Sousa, presidente da Fundação Santander Portugal, que assume a ambição. Em entrevista ao SAPO, admite um trabalho que ainda só está a começar e que precisa do empenho de todos: escolas, autarquias, associações, empresas e academia. Uma espécie de mega-PPP em que todos juntam esforços para permitir não só a melhoria do sistema educativo, mas também o fortalecimento das comunidades e o desenvolvimento do país como um todo. O prémio Quem Brinca É Quem É é apenas o começo.
"Através da brincadeira e dos jogos, em especial se estas forem feitas em grupo, as crianças têm a oportunidade de partilhar ideias e trocar impressões, ver as coisas sob perspetivas diferentes, negociar e chegar a um compromisso; de testar diferentes modelos e analisar os resultados; de explorar e desafiarem-se a si próprias; de desenvolver o raciocínio lógico e a concentração, para não falar da motricidade e da coordenação motora; de comunicar com os outros e de se conhecerem melhor a elas mesmas."
A explicação é dada ao SAPO por Inês Oom de Sousa, presidente da Fundação Santander, que em entrevista ao SAPO explica o que levou a instituição a dar um empurrão rumo à mudança. As escolas portuguesas aderiram em massa ao Quem Brinca É Quem É e os premiados já estão escolhidos, mas no processo, que contou com mais de 400 candidaturas de todo o país, Regiões Autónomas incluídas, todos saíram a ganhar.
"O mundo em que as nossas crianças vão crescer e viver é hoje profundamente diferente do que era há 20, 30 ou 50 anos, mas o modo como as crianças aprendem virtualmente não mudou", lembra Inês Oom de Sousa, realçando ainda as inovações tecnológicas com potencial para alterar profundamente a nossa vida que surgem diariamente e a grande incógnita sobre o futuro do trabalho. Mas responder a esses desafios talvez só requeira um pouco de criatividade, vinca a responsável. "Se olharmos para aquele que é o interesse mais natural das crianças, brincar, conseguimos encontrar os ingredientes perfeitos para lhes proporcionar uma aprendizagem mais significativa e com muito melhores resultados."
Sendo facto comprovado que assim os miúdos aprendem muito mais depressa, a Fundação Santander decidiu dar então um empurrão às escolas portuguesas e criar este prémio para distinguir e reconhecer projetos inovadores a nível das metodologias de ensino focadas no brincar, criando uma rede de escolas comprometidas com este método com vista à partilha de boas práticas.
A ideia surgiu com uma viagem de Inês à Lego Foundation, na Dinamarca, há um par de anos. "Ao conhecer o trabalho da Lego Foundation e de algumas escolas que aplicam o método Learning Through Play, percebi que o ensino em Portugal precisa de ser transformado, de introduzir novas e diferentes metodologias e que aprender através do brincar era um passo importante nesse caminho", conta ao SAPO. "Informalmente, fomos descobrindo algumas escolas portuguesas que têm projetos já implementados com resultados comprovados e ficámos com vontade de conhecer mais. No fundo, com este prémio quisemos mapear os projetos já existentes, premiando esta metodologia nas escolas, mas também dar a conhecer os benefícios do método", explica ainda a presidente da Fundação Santander.
A fórmula foi o ponto de partida para uma iniciativa inovadora a que 316 escolas portuguesas, sobretudo públicas (75%), e outras instituições (nomeadamente autarquias, associações de pais, etc.) aderiram com entusiasmo, respondendo em massa ao repto de aplicar com sucesso metodologias inovadoras no âmbito do “Learning Through Play”, ou “Aprender Através do Brincar". Os projetos vencedores, de dez escolas e um município, foram agora anunciados (veja aqui) e além de um prémio de 5.000 euros vão receber uma viagem à LEGO House, na Dinamarca, formação na metodologia promovida pela LEGO Foundation em Portugal e um kit ou mesa de reuniões LEGO.
"Tendo o brincar como pano de fundo, a aprendizagem é mais natural, mais significativa, mais envolvente e sobretudo mais alegre. Ao brincarem as crianças envolvem-se e empenham-se de forma muito intensa no que estão a fazer. Por vezes entram num mundo de fantasia, mas as competências que estão a exercitar são bem reais: comunicação, criatividade, capacidade de resolver problemas, trabalho em equipa... estão a aplicar os seus conhecimentos a diferentes situações e a desencadear novas ideias. A alegria e o prazer nas tarefas que se está a desempenhar e a sensação de progresso que temos ao testar novas ideias até chegarmos a um objetivo são duas enormes motivações para continuar a aprender e são conceitos que queremos pôr em prática para ajudar as crianças e jovens portugueses a terem um gosto por aprender ao longo de toda a vida", conta Inês Oom de Sousa ao SAPO.
O objetivo final vai, naturalmente, muito além do próprio prémio Quem Brinca É Quem É. "Pretende-se que os miúdos cheguem ao maior nível possível de educação e que desenvolvam as competências do futuro, essenciais para o sucesso no mundo do trabalho: serem criativos, colaborativos, terem capacidade de resolver problemas, terem uma grande capacidade de comunicação."
A grande adesão dos estabelecimentos (ensino dos 6 aos 12 anos, associações de pais, autarquias, etc.) é, para a presidente da Fundação Santander Portugal, reveladora de que já "há muito boas práticas a serem utilizadas em escolas e associações portuguesas, com resultados comprovados e impacto mensurável" a nível da autonomia dos alunos, da taxa de sucesso escolar, dos níveis de concentração, do desenvolvimento emocional e social e mesmo do bem-estar das crianças. "O prémio permitiu-nos não só ficar a conhecer melhor estas iniciativas e começar a criar uma rede de escolas comprometidas com este método de ensino, mas também reconhecer e premiar o sucesso de inúmeros projetos."
E o facto de a maioria das escolas concorrentes ter sido do universo público também quer dizer qualquer coisa, ainda que o critério do júri na seleção dos projetos vencedores não tenha sido a ponderação da necessidade, mas o impacto real e a escalabilidade dos projetos — a título de exemplo, 10% das escolas candidatas provinham de TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), mas apenas uma escola com esta característica foi premiada. Ainda assim, a Fundação Santander Portugal admite empunhar a "bandeira a redução das desigualdades através da educação". "Queremos focar-nos em eliminar as barreiras sociais que impedem algumas crianças e jovens de atingir o seu máximo potencial, e ações como esta são uma excelente maneira de o fazer", conclui Inês Oom de Sousa.
E o que mais surpreendeu nas ideias dos concorrentes? Além do elevado número de candidaturas, a responsável realça a diversidade e a criatividade dos diferentes projetos. "Ficou evidente que é possível misturar brincadeira e conceitos mais sérios e obter ótimos resultados. Conhecemos projetos incríveis nos domínios da literacia financeira, democracia e política, estilo de vida saudável, saúde mental e emocional, e cuidado com o ambiente."
Não serão temas demasiado sérios para miúdos de 6 a 12 anos? "Quando abordados de forma lúdica, conseguem chamar a atenção das crianças e criar nelas a consciência da sua importância, funcionando como uma espécie de treino para a vida real", responde Inês, destacando a capacidade da mente das crianças quando lhes são dadas as oportunidades certas. "Aprender através da resolução de problemas da vida real beneficia não só as crianças e jovens, mas também as suas famílias, escolas, comunidades e o mundo", diz ainda.
Outro ponto surpreendente que a presidente da Fundação Santander Portugal sublinha é a variedade de temas, a criatividade dos professores e o entusiasmo demonstrado ao candidatarem mais do que um projeto. "Notámos também que muitas candidaturas foram feitas em parceria, incluindo empresas, autarquias e associações de pais. Inicialmente, as candidaturas estavam abertas apenas para escolas, mas devido à grande procura, tivemos que abrir espaço para outras organizações. É muito gratificante perceber que há tantos projetos bem estruturados e parece-nos prioritário que sejam partilhados e alavancados."
E considerando a adesão e o sucesso, uma nova edição do prémio Quem Brinca É Quem É já está a ser pensada? "Só o futuro dirá, mas o sucesso desta edição deixou claro que existem ainda muitos projetos neste domínio por conhecer e por premiar. Este prémio pode incentivar mais escolas e associações a tirarem do papel as suas ideias", reconhece a responsável, exemplificando com uma sugestão recebida de alargar o escopo das candidaturas a projetos focados na educação pré-escolar. "Brincar é o verdadeiro superpoder das crianças. Observando-as a brincar, até mesmo nós, os adultos, podemos aprender bastante."
Mas para já, mais do que focar-se numa nova edição, a instituição tem uma ambição maior: promover uma mudança sistémica no panorama do ensino português. "É essencial trabalharmos de forma próxima com os decisores políticos, garantindo que as nossas propostas sejam implementadas de maneira eficaz e sustentável. Por outro lado, contamos com o apoio das escolas e dos professores, que estão no terreno e vivem a realidade do ensino diariamente. A cocriação com estes profissionais é fundamental para desenharmos um projeto de mudança realista e eficaz, para desenvolver um plano conjunto de transformação educacional. E a colaboração com a academia é crucial para estudar a nossa realidade e desenvolver soluções ágeis e adequadas que possam escalar os projetos identificados ou desenvolver outros", conclui Inês Oom de Sousa.