
É o elefante na Salah. Autenticamente. Na perspetiva dos adversários, é isso que Viktor Gyokeres parece cada vez que entra no espaço que para alguns é uma grande área e que para os goleadores de elite tem as medidas de uma cabine telefónica. Mohamed Salah, o único avançado que supera “Vik” na corrida pela Bota de Ouro (graças ao coeficiente superior da Premier League), está tão habituado quanto o nórdico a partir a loiça toda mas vai ter de se contentar com a virtual conquista da Premiership no fim de uma temporada que há seis meses validava sonhos ilimitados aos adeptos do Liverpool.
No caso do artilheiro do Sporting, a Taça de Portugal ainda traduz um segundo objetivo... se o Rio Ave logo à noite for incapaz de anular a desvantagem consentida em Alvalade. De braço dado com o favoritismo, Rui Borges confessou ontem que não dorme tranquilo com o 2-0 e alertou para o grau de perigosidade do resultado da primeira mão, indiciando escassa rotatividade no onze.
Levando em linha de conta esse discurso, será uma inevitabilidade que Gyokeres surja entre os titulares no relvado emprestado de Paços de Ferreira ou, no máximo, inicie o duelo sentadinho no banco de suplentes. Caso este último cenário denuncie a opção final e sempre na eventualidade de o confronto correr de feição aos visitantes, aí, sim, será de admitir a plena poupança do camisola 9 para a deslocação ao Bessa, onde mora um Boavista que trocou de técnico e de enfiada aproveitou para “trocar” a derrota caseira com o Nacional por um importantíssimo triunfo em Faro.
Apesar de muitos na Segunda Circular fazerem contas ao putativo dérbi que pode encerrar as festividades a 25 de maio, na perspetiva dos presidentes (Rui Costa incluído), a reta final da Liga espelha a prioridade das prioridades. Se Frederico Varandas fosse obrigado a escolher entre a renovação do título e a Taça, de certeza que abdicaria da prova rainha do futebol português em favor da coroa que garante acesso imediato à Champions.
Em condições normais, os quatro encontros que restam no campeonato permitirão a Gyokeres completar 100 jogos ao serviço do Sporting e sejam quais forem os finalistas no Jamor, tudo indica que a sua despedida apoteótica acontecerá na receção aos antigos pupilos de Rui Borges. Em Guimarães, na primeira volta, Viktor desfeiteou Bruno Varela por três vezes, como que antecipando o que se verificou na Sexta-feira Santa diante de um Moreirense que o míster leonino também conhece como a palma das mãos e que acabou por validar nova proeza associada à sucessão de João Pereira.
Um vinte em vinte
O hat trick do escandinavo na Páscoa faz de Rui Borges o treinador mais capaz de rentabilizar o craque recrutado ao Coventry. Com 20 concretizações em 20 duelos cumpridos sob a orientação do transmontano, o artilheiro dos artilheiros evidencia a inacreditável média de um golo por jogo, superando, assim, a relação
estupenda entre o número de partidas e o número de tentos festejados quando Amorim traçava as coordenadas.
Debaixo das ordens do atual responsável do Manchester United, Gyokeres, em 68 compromissos, conseguiu marcar por 66 vezes, estatística que ajuda a explicar o facto de produzir o dobro do benfiquista Pavlidis na Liga Betclic (34 contra 17 remates certeiros do segundo classificado).
Apurados todos os tiros bem-sucedidos do homem da máscara desde que chegou a Lisboa, constata-se que em 96 encontros conseguiu 90 golos e assinou 26 assistências, preparando-se para ganhar pelo segundo ano consecutivo a corrida pelo troféu de melhor marcador. Como isso é mais certo do que o Liverpool suceder ao Manchester City no trono inglês, Gyokeres arrisca-se, se o Benfica estiver pelos ajustes, a subir outra escadaria imponente na história do Sporting, uma vez que os leões nunca se sagraram bicampeões tendo nessas épocas o líder dos pistoleiros.
Nem mesmo os lendários Peyroteo ou Yazalde conseguiram juntar os louros individuais aos louros da equipa, ou seja, nunca houve um Sporting bicampeão e um sportinguista (nesses) dois anos seguidos aclamado atirador-mor. Quando o emblema de Alvalade comemorou no século anterior o primeiro bicampeonato (em 1947/48), o portista António Araújo, com 35 golos, sucedeu a Fernando Peyroteo (43 em 1946/47), enquanto em 1951/52 o benfiquista José Águas (28) agarrou o testemunho de Manuel Vasques (29 em 1950/51).
João Martins (31 em 1953/54) não deu hipóteses à concorrência, com mais dois golos que os anotados pelo belenense Matateu em 1952/53, cabendo ao referido Hector Yazalde o “bis” leonino em 1973/74 (título verde e branco) e em 1974/75 (título encarnado). O popular “Chirola”, na época que coincidiu com a Revolução de abril, patenteou o recorde de 46 tentos (contra 30 no segundo ano), marca que ainda resiste.
O fenomenal Viktor, com 46... desafios cumpridos em 2024/25, já não deve ter tempo nem oportunidades para furar o registo do argentino, mas isso também não precisa de ficar gravado na estátua que o Sporting deve ao sueco e que pelas regras da elementar justiça deveria estar há muito encomendada.
Uma máscara bem esculpida esconderá, no meio de tantas virtudes, um ou outro detalhe que não mereceu uma finalização à altura. Esse elefante na Salah de pedra, honra seja feita a Gyokeres, terá sempre de ficar enfiado numa cabine telefónica.