Cardeal pela primeira vez num conclave para escolher um Papa e já depois de ter participado numas congregações gerais, reuniões de cardeais, António Marto tem notado em Roma "um clima de muito interesse em ordem a preparar o futuro, com esperança", que "não tem pessimismo ainda algum".

"Esperamos que o legado que ele nos deixou seja levado para a frente", porque Francisco "abriu caminhos novos, quer para a Igreja, quer para a humanidade, dilacerada pelas suas feridas e pela violência", afirmou o cardeal, antigo bispo de Leiria-Fátima.

Naquela que foi a sua última entrevista antes do conclave, António Marto afastou-se de qualquer lista de 'papabili'.

"Eu não tenho ilusões, eu não venho para aqui com ilusões, nunca me passou pela cabeça ser bispo" sequer, gracejou António Marto, 77 anos, considerando que o cargo deve passar para outras gerações.

"Já não é para mim, será para uma pessoa, que tenha uma idade mais nova que a minha", afirmou, salientando que é necessário alguém com um "carisma próprio para este tempo" que exige atenção ao mundo digital e a temas como a "crescente inteligência artificial"

Os próximos dias servirão para os cardeais se conhecerem, até porque o colégio é hoje muito diferente do passado, com muitas nomeações pouco habituais.

O próprio António Marto foi uma novidade, tendo sido nomeado depois da visita papal por ocasião dos cem anos das Aparições marianas de Fátima.

Hoje, "basta só observar a geografia eclesial de onde estes [cardeais] provêm. Antigamente a maioria era da Europa e a Igreja hoje deixou de ser eurocêntrica, é policêntrica", com outras zonas onde o catolicismo é mais florescente, salientou.

Contudo, "mesmo que não nos conheçamos a todos, há figuras que sobressaem de entre as quais imagino eu que deve sair um Papa que siga esta linha do Papa Francisco, embora com o seu carisma próprio" e não uma "simples imitação".

Sobre quais os nomes que se destacam, António Marto sorriu e limitou-se a dizer: "são segredos".

Mas Marto também disse ter a certeza de que "não há clones e cada um tem o seu estilo".

Francisco "veio no tempo próprio para a Igreja, para a renovação da Igreja, para a sua reforma mais evangélica e para a humanidade também" e "era um ponto de referência global para toda a gente, crentes e não crentes, católicos não católicos".

Marto destacou algumas características pessoais de Francisco como a compaixão, "proximidade de todos e a todos, sem discriminação, ternura, não com o mero sentimentalismo mas no sentido da atenção e do acolhimento do outro", como é exemplo a atenção aos migrantes, doentes e idosos.

Apesar disso, os ventos de abertura de Francisco irão continuar, como é o caso do processo sinodal, um programa de auscultação das bases da Igreja para discutir caminhos de modernização na relação com o mundo.

Nesses debates estão temas como a organização da cúria, questões fraturantes como o papel da mulher ou celibato dos padres, o papel dos divorciados recasados, entre outras.

"Tanto quanto me é dado a perceber, o caminho sinodal é para continuar", mas "leva tempo", afirmou Marto.

"Não vamos pensar que é como uma varinha mágica que se resolve os problemas da noite para o dia" após a eleição do sucessor de Francisco, afirmou o cardeal eleitor.

PJA // SB

Lusa/Fim