
O povo cigano chegou à Península Ibérica em 1425 e, após 600 anos, luta ainda pela "igualdade real" e contra a discriminação, defende a maior organização europeia de promoção das comunidades ciganas, a espanhola Fundação Secretariado Cigano.
Os "grandes desafios pendentes" são "a luta por uma igualdade real e a luta contra o 'anticiganismo'", disse a diretora da Fundação Secretariado Cigano, Sara Giménez, em Madrid, num encontro com meios de comunicação social estrangeiros, incluindo a agência Lusa, a propósito dos 600 anos da presença documentada do povo cigano na Península Ibérica e do Dia Internacional do Povo Cigano, na terça-feira (08 de abril).
Sara Giménez lembrou que os ciganos são a minoria mais discriminada na Europa, segundo estudos europeus, e também em Espanha, onde se mantêm "desigualdades muito grandes", apesar de ser o país com melhores resultados em políticas de integração da comunidade, estimada entre 1 a 1,3 milhões de pessoas.
A Fundação Secretariado Cigano, uma organização não-governamental (ONG) com uma história de mais de 40 anos e um quadro de cerca de 1.370 trabalhadores (40% pessoas ciganas), faz parte dos órgãos consultivos da Comissão Europeia e coordena a Rede Europeia para a Igualdade da População Cigana (Rede EURoma, ligada ao Fundo Social Europeu).
Sara Giménez, ex-deputada no parlamento espanhol pelo extinto partido Cidadãos (liberais), defendeu que as estratégias europeias destinadas à inclusão, promoção e defesa dos direitos humanos da população cigana tiveram "boa tradução" em Espanha por terem sido incluídas, há 20 anos, como um "objetivo específico" das verbas e programas do Fundo Social Europeu no país.
Espanha "fez muito essa aposta", mas "na dimensão europeia há diferenças, desigualdades atrozes", sublinhou, considerando que na generalidade dos países não houve "políticas de inclusão ativas", por exemplo, na área da habitação.
Segundo dados da Fundação Secretariado Cigano, em 2022 havia 24 mil pessoas em Espanha a viver em bairros de barracas ou outro tipo de habitações degradadas e precárias. Dessas, 18 mil eram ciganos. No entanto, na maioria dos países europeus, "a norma é a população cigana viver em barracas", disse no mesmo encontro com jornalistas a diretora para a área internacional da Fundação, Belén Sánchez-Rubio.
Em países como Portugal, os indicadores sobre a inclusão e a discriminação dos ciganos "são muito piores do que os de Espanha", afirmou Belén Sánchez-Rubio, que atribuiu os melhores resultados em Espanha também à dimensão da comunidade cigana (uma das maiores da União Europeia) e a um investimento constante das administrações locais, regionais e nacionais, "independentemente da cor política".
"Em Espanha há muito poucos casos de políticos com discurso público contra a população cigana, ao contrário de outros países em que há dirigentes e partidos com um discurso claramente anticiganos", em mensagens "desumanizantes e xenófobas", destacou.
Sara Giménez acrescentou o papel da "sociedade civil e um terceiro setor espanhóis robustos", com tradição de mobilização cidadã em defesa de grupos discriminados ou desfavorecidos.
A isto soma-se o trabalho de uma organização como a Fundação Secretariado Cigano, "grande e articulada", com "uma trajetória de 40 anos": "Uma organização como esta não existe noutro país".
"São precisos muitos anos. Realidades estruturais não se mudam com um programinha de um ano", afirmou Sara Giménez, que insistiu repetidamente em que o caso de Espanha é de "êxito relativo", porque permanecem desigualdades "muito duras" e há "deveres por fazer", como acontece na área da educação ou dos direitos das meninas e mulheres ciganas, alvo de "múltipla discriminação", a de género e a da etnia.
Segundo dados fornecidos pela Fundação, só 17% dos ciganos e ciganas com mais de 16 anos completou a escolaridades obrigatória em Espanha (contra 80% na população total); 14% das mulheres ciganas são analfabetas (1,81% no caso de todas as espanholas), o "fracasso escolar" nas meninas e adolescentes ciganas atinge quase 70%.
Mudar estes números passa por trabalho com a própria comunidade (onde existe "medo de perda de identidade") e também com instituições contaminadas por preconceitos e que se demitem do "rigor jurídico" e da obrigação de proteção dos direitos das meninas ciganas, como aconteceu com uma sentença famosa em Espanha que considerou como atenuante a "cultura cigana" num caso de agressão sexual a uma menor.
"Não é tradição cigana casar aos 14 anos e ter relações sexuais aos 14 anos", afirmou Sara Giménez.
Entre os bons resultados conseguidos nos últimos 20 anos em Espanha, a Fundação destaca a promoção do trabalho por conta de outrem dentro da comunidade, "uma transformação relevante" introduzida "no olhar" das pessoas ciganas, que não pensavam nessa possibilidade há duas décadas e mantinham como opção prioritária e maioritária a venda ambulante.
Ao abrigo de um programa da Fundação foram assinados já 90 mil contratos de trabalho com 15 mil empresas de todo o país, sendo este o programa com a comunidade financiado que obteve maiores resultados e "maior transformação", segundo Sara Giménez.
Ao mercado de trabalho têm-se incorporado muitas mulheres ciganas, numa demonstração, perante a comunidade e o resto da sociedade, de que "se podem manter valores identitários e ter progresso social".
"As mulheres estão a provocar das maiores mudanças sociais no povo cigano", assegurou Sara Giménez, ela própria uma mulher cigana.