O bastonário da Ordem dos Médicos considerou este sábado que o Governo tem de encontrar “muito rapidamente” um novo diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que a escolha terá de ser técnica e não político-partidária.
“A nomeação tem que ser fundamentalmente técnica e não, como muitas vezes vemos, nomeações politico-partidárias, que é a última coisa que deve ser feita neste setor e, sobretudo, à frente da direção executiva do Serviço Nacional de Saúde”, disse Carlos Cortes, em declarações à Lusa.
Para o responsável, a escolha de um novo diretor-executivo, após o pedido de demissão de António Gandra D'Almeida na sexta-feira, já aceite pela ministra da Saúde, tem de ser feita “muito rapidamente”, considerando que o lugar “não pode ficar vazio durante muito tempo”.
“Eu julgo que no início da próxima semana, agora já na segunda-feira, tem que haver um nome a ser apresentado pelo Governo, porque nós não estamos propriamente numa situação tranquila. Há enormes preocupações sobre o Serviço Nacional de Saúde, e nós precisamos, efetivamente, de uma liderança forte, para resolver os problemas do SNS”, sustentou.
Carlos Cortes acrescentou que o pedido de demissão de Gandra D’Almeida “é compreensível”, considerando que “até reflete uma grande dignidade tendo em conta as suspeitas que foram levantadas num programa de televisão e que ainda têm de ser confirmadas”.
O bastonário dos médicos salientou também que o caso coloca, não só, “uma nuvem negra sobre a intervenção do diretor-executivo do SNS”, mas também dá uma oportunidade ao Governo de escolher um perfil de diretor executivo com características muito diferentes daquelas que tinha o anterior”, salientando não estar a referir-se à pessoa em si.
Carlos Cortes considera que um diretor-executivo tem de ser alguém “que conheça muito bem o sistema de saúde, em primeiro lugar, mas, sobretudo, necessariamente, o Serviço Nacional de Saúde” e que seja uma pessoa que “possa atravessar as mudanças de governos e estar sempre focado, dedicado à direção executiva do Serviço Nacional de Saúde, sem interferências politico -partidárias”.
Além disso, o Bastonário defende também o diretor-executivo deverá ter capacidade de liderança operacional, o que não tem acontecido.
“A criação da direção executiva foi muito importante, mas tem que ser uma organização de chapéu, do ponto de vista técnico, que implementa aquelas que são as diretrizes do governo, do Ministério da Saúde, mas que tem uma grande capacidade de gestão, uma capacidade operacional, junto das ULS (Unidades de Saúde Local), junto dos hospitais, junto dos centros de saúde”, defendeu.
A ministra da Saúde aceitou o pedido de demissão apresentado na sexta-feira à noite pelo diretor-executivo do SNS, António Gandra D'Almeida, surgido na sequência de uma investigação da estação SIC, que denunciou que o responsável acumulou, durante mais de dois anos, as funções de diretor do INEM do Norte, com sede no Porto, com as de médico tarefeiro nas Urgências de Faro e Portimão, referindo que a lei diz que é incompatível.
Segundo a reportagem da SIC divulgada na sexta-feira à noite, a lei diz que é a acumulação de cargos é incompatível, mas António Gandra D'Almeida conseguiu que o INEM lhe desse uma autorização com a garantia de que não ia receber vencimento.
No entanto, através de uma empresa que criou com a mulher e da qual era gerente, terá recebido “mais de 200 mil euros por esses turnos”, adiantou a SIC.
Na nota enviada à comunicação social, Gandra D´Almeida considerou que a reportagem incide sobre a sua atuação profissional nos anos que precederam o exercício de funções como diretor executivo do SNS - 2021, 2022 e 2023 – e que contém “imprecisões e falsidades que lesam" o seu nome.
Em 22 de maio de 2024, o Ministério da Saúde anunciou que tinha escolhido o médico militar António Gandra D´Almeida para substituir Fernando Araújo como diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e, no mês seguinte, o Conselho de Ministros aprovou a sua designação para o cargo.
Gandra D´Almeida, especialista em cirurgia geral, foi diretor da delegação do Norte do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) a partir de novembro de 2021 e, nas Forças Armadas, acumulou funções de chefia e de coordenação.
Foi escolhido pelo Governo na sequência da demissão apresentada por Fernando Araújo no final de abril de 2024, depois de liderar a Direção Executiva do SNS durante cerca de 15 meses, alegando que não queria ser um obstáculo ao Governo nas políticas e nas medidas que considerasse necessário implementar.
"Desnorte" da Ministra da Saúde
Já a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) considera que a demissão do diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS) demonstra o “desnorte” em que está o Ministério da Saúde, liderado por Ana Paula Martins.
“Este tipo de situações são lamentáveis e demonstram bem o desnorte em que está, no fundo, todo o Ministério da Saúde, liderado por Ana Paula Martins”, disse a presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, em declarações à Lusa.
De acordo com a presidente da FNAM, um elemento que integra um cargo daquela natureza tem de ter, acima de tudo, competência técnica e um currículo “que seja exímio” e que não seja dado a “conflitos de interesse”.
“Aqui, um dos responsáveis por tudo isto, não é o único, mas será o principal porque foi quem escolheu é, mais uma vez, o Ministério da Saúde, de Ana Paula Martins, que optou por esta escolha”, afirmou, considerando a necessidade de saber como as escolhas são feitas e sublinhando que estas devem ter “uma participação ativa dos profissionais”.
Para a responsável, todos os processos de escolhas para os cargos de chefia que há nas diferentes instituições devem ser baseados “em processos transparentes, democráticos e com participação dos profissionais”.
A dirigente sindical lamentou que por vezes se trate de “puras nomeações e escolhas politicas” nas quais não se consegue prevenir que as pessoas “não tenham este conflito de interesses”.
“As duas grandes questões aqui são, mais uma vez, que o Ministério da Saúde, Ana Paula Martins, não mostrou competência neste assunto. Não só não mostrou competência no dia-a-dia para conseguir garantir mais médicos no SNS, mas, acima de tudo, também está a falhar redondamente na gestão do próprio SNS”, salientou.
Joana Bordalo de Sá lembrou, igualmente, que a ministra não tem ainda um ano de governação e já vai na segunda demissão do diretor-executivo.
“Isto demonstra uma incapacidade, uma incompetência total a liderar. Já questionamos o seu próprio papel [da ministra da Saúde] no passado e mais uma vez voltamos a questionar. Neste momento precisávamos de um Ministério da Saúde que fosse liderado por alguém que percebesse de saúde, incluindo a própria ministra”, frisou.
Sindicato Independente dos Médicos pede substituto com "créditos firmados"
Também o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) lamentou a instabilidade na direção-executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), apontado a necessidade de ser substituído “rapidamente” para continuar a reforma em curso.
“O SIM lamenta, antes de mais, a instabilidade na direção e espera que a ministra [da Saúde] arranje um substituto ou uma substituta muito rapidamente, que seja alguém com créditos firmados e que permita que os profissionais se revejam na sua competência e liderança”, disse o secretário-geral do SIM, Nuno Rodrigues, em declarações à Lusa.
Para o responsável, é importante que o caminho que estava a ser feito, “a reforma do SNS, iniciada pelo professor Fernando Araújo, continuada pelo doutor Gandra d’Almeida e agora por quem vier a seguir, que realmente se concretize”.
Nuno Rodrigues reconheceu que o SNS precisa, neste momento, de “estabilidade e de objetivos” e de que a reorganização em curso aconteça de facto.
“E por isso, precisamos de estabilidade na direção-executiva do SNS, que foi criada até com esse propósito, mas que infelizmente, por outras [razões], de natureza distinta, as duas substituições [aconteceram]”, considerou.
O secretário-geral do SIM lembrou também os acordos já firmados entre o Governo com os técnicos do INEM, com os farmacêuticos e com os médicos, salientando que “pela parte salarial está a ter a evolução no sentido correto”, faltando a parte “da organização do SNS e da competitividade que todos queremos que o SNS tenha”, falta essa concretização, assumiu.
“Para isso esperamos que a ministra encontre a pessoa certa para que esta reforma vá adiante”, afirmou.