O governo de António Costa foi "fundamental" para David Sánchez, irmão do primeiro-ministro espanhol que está a ser investigado por fuga ao fisco e tráfico de influências, se candidatar a fundos do programa europeu para projetos culturais transfronteiriços de 300 milhões, o POCTEP 2021-2027, para financiar um programa de ópera itinerante. O contacto foi feito diretamente com o gabinete do primeiro-ministro português, resultando na assinatura de um memorando de entendimento entre os países, revela a imprensa espanhola, num momento em que David Sánchez presta declarações no âmbito do caso.

Em causa está um plano orçado em 3,3 milhões para criar um festival e um "laboratório" de ópera entre Badajoz e Elvas, no âmbito do Operegrina, com 49 iniciativas a realizar na raia e cujo valor total ascendia a 6 milhões. O projeto motivou a assinatura de um memorando de entendimento entre os ministros da Cultura dos dois países, numa cerimónia que contou com a presença dos respetivos chefes de governo, António Costa e Pedro Sánchez, em março de 2023.

A imprensa espanhola cita as comunicações intercetadas pela Unidad Central Operativa de la Guardia Civil (UCO), conhecidas no âmbito do processo que aponta ainda ao irmão do chefe do governo espanhol os crimes de peculato, prevaricação e enriquecimento ilícito.

Foi Vítor Escária, chefe de gabinete e braço direito de António Costa (constituído arguido no âmbito da Operação Influencer), o ponto de contacto de David Sánchez, ativado uma semana após o encontro entre os chefes de governo de Portugal e Espanha em Viana do Castelo, na Cimeira Luso-Espanhola de 4 de novembro de 2022, revelam aqueles jornais.

"Caro Vítor. Obrigada pela tua amável ajuda. Junto ficha do nosso projeto porque, para podermos apresentar a candidatura, precisamos de um sócio português de peso com recursos e competência na gestão de atividades culturais invulgares", lê-se no e-mail revelado pelo OK Diario. E Sánchez concretiza: "Poderíamos realizar (o projeto) com os meios próprios, mas sendo a ópera um projeto muito transversal, solicitamos ajuda na busca de parcerias", aventando que "a Fundação Gulbenkian poderia estar interessada em participar", mas mostrando-se "aberto a sugestões". Em resposta, Escária apontou antes a OPART, entidade pública que gere o Teatro Nacional e a Companhia Nacional de Bailado, como "o melhor" encaixe para a parceria, adiantando ainda que a secretária de Estado do Desenvolvimento Regional estaria em campo para "procurar possíveis parceiros".

O projeto de Sánchez, então designado Porta Ibérica e que se materializava em redor de um festival de música transfronteiriço de ópera jovem e criação de um Open Lab Rural de ópera jovem, era apontado como resposta ao "desafio demográfico" e potenciador da coesão social, permitindo "aumentar a capacidade de atração" das áreas transfronteiriças a novos moradores e "melhorar a qualidade de vida das pessoas mais velhas" com nova oferta cultural. A ideia era levar a ópera em itinerância por cenários improváveis, nas imediações de Badajoz e Elvas.

projeto
projeto

O mesmo jornal, que teve acesso ao processo e às mensagens trocadas por longas semanas entre o irmão de Sánchez e o gabinete de Costa, aponta que a ajuda do governo português foi fundamental para dar força ao projeto de David Sánchez, que, enquanto chefe do Gabinete de Artes Cénicas do Conselho Provincial de Badajoz, andava há meses a tentar chegar aos fundos europeus, tendo várias vezes alterado o projeto.

A parceria acabaria por ganhar força com a assinatura do memorando de entendimento pelos ministros da Cultura de Portugal, Pedro Adão e Silva, e de Espanha, Miquel Iceta. Inserido no projeto Cultura de Fronteira, no âmbito da Cimeira Luso-Espanhola de março de 2023, em Lanzarote, o "mais ambicioso programa da carreira de David Sánchez, com um orçamento de mais de 6 milhões, superando "em 20 vezes" as suas últimas programações, conforme descreve a imprensa espanhola, previa a realização de 49 momentos culturais na raia. Tudo financiado por fundos do Next Gen EU e dos PRR de Portugal e Espanha, enquanto projetos culturais potenciadores da coesão territorial.

David Sánchez está há um ano sob investigação por suspeitas de corrupção, nomeadamente por suspeita de desviar e branquear capitais em Portugal, onde fixou residência fiscal, deixando de pagar impostos em Espanha, conforme foi noticiado no ano passado. Apesar de ter a morada em Elvas, o irmão de Pedro Sánchez é chefe do Gabinete de Artes Cénicas do Conselho Provincial de Badajoz, presidido pelo PSOE.