
Durante quase duas décadas, Tom Friede, um norte-americano residente no estado do Wisconsin, nos EUA, dedicou-se a um projeto invulgar: injetar-se regularmente com doses reduzidas de veneno de cobra para desenvolver imunidade, de forma a proteger-se das consequências fatais de uma eventual picada.
A experiência começou a revelar resultados em 2001, quando Friede foi picado por duas cobras venenosas — uma cobra egípcia e, uma hora depois, uma monocled, tendo ficado quatro dias em coma. Recuperado, continuou a sua rotina, injetando pequenas quantidades de veneno de 16 espécies diferentes de serpentes, como taipans, mambas, cobras de água e cascavéis.
Ao longo de 18 anos, Friede foi picado 202 vezes e conta com mais de 650 injeções de veneno, que extraia dos seus répteis de estimação. A teoria por trás da prática era simples: expor o sistema imunitário a toxinas de forma controlada para o obrigar a produzir anticorpos.
A sua história chegou ao conhecimento de Jacob Glanville, um investigador que procurava criar uma vacina universal contra o veneno de cobra — substância que mata mais de 140 mil pessoas por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde. Friede passou então a colaborar com a equipa científica da empresa Centivax, na Califórnia.
Com base nos anticorpos isolados do sangue de Friede, os investigadores desenvolveram um "cocktail" com três componentes: dois anticorpos humanos (LNX-D09 e SNX-B03) e o varespladib, uma molécula que inibe uma enzima presente na maioria das mordeduras de cobra. Em testes laboratoriais, os anticorpos protegeram ratos contra o veneno de até 19 espécies de serpentes, com uma taxa de sucesso de 100% em 13 delas, de acordo com a investigação publicada na revista Cell.
Embora o antídoto ainda não tenha sido testado em humanos, os investigadores acreditam que, por ser baseado em anticorpos humanos, poderá causar menos reações adversas do que os antídotos tradicionais, frequentemente derivados de cavalos.
O estudo atual concentra-se sobretudo nas serpentes elapídicas, que incluem mambas, cobras-coral e taipans. A equipa planeia alargar os testes a viperídeas, como as cascavéis e víboras, e colaborar com veterinários na Austrália para testar o tratamento em cães picados por cobras.
Tom Friede abandonou as auto-injeções em 2018. Atualmente, com 57 anos, mantém-se saudável, realizando exames regulares ao fígado e rins. É agora diretor de herpetologia na Centivax e continua envolvido na investigação de um antidoto universal.