
A Inspeção geral das Atividades em Saúde (IGAS) sugere a abertura de um inquérito para investigar os pagamentos adicionais aos formadores internos do INEM, para perceber se podem implicar responsabilidade disciplinar e financeira.
Esta decisão consta do relatório de quase 500 páginas relativo à auditoria que analisou a legalidade e eficiência de gestão do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) quanto aos meios de emergência médica, cujas conclusões preliminares tinham sido divulgadas em dezembro e que tece várias criticas à formação dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH), que tem sido alvo de várias denúncias dos atuais formandos, alguns dos quais admitem impugnar o curso que está a decorrer.
No documento, a que a Lusa teve acesso e que abrange a anterior gestão do instituto, a IGAS conclui que os pagamentos adicionais aos formadores não têm regulamentação que permita "dirimir as dúvidas existentes quanto à legalidade", em particular quando a formação não é cofinanciada, ocorre em contexto de trabalho e integra o conteúdo funcional da carreira.
"A situação descrita necessita de ser melhor investigada em processo autónomo, para efeitos do apuramento dos factos relacionados com eventuais pagamentos indevidos e as circunstâncias que envolveram a ACSS, I.P., no esclarecimento das dúvidas suscitadas pelo INEM, I.P.", refere a IGAS.
Na área da formação, nas conclusões preliminares divulgadas em dezembro, a IGAS tinha concluído que havia técnicos de emergência pré-hospitalar no INEM que ingressam na carreira sem ter os requisitos necessários. Na altura, a inspeção-geral já referia que o INEM não tinha conseguido assegurar a realização dos cursos de formação para os TEPH nos termos em que tinham sido aprovados.
"Incapacidade de preencher a totalidade dos postos de trabalho colocados a concurso"
O inquérito que a IGAS sugere agora abrir deverá igualmente analisar melhor a celeridade e frequência dos processos de recrutamento, para determinar se são suscetíveis de implicar responsabilidade disciplinar e financeira.
A este respeito, a IGAS refere que, entre 2021 e 2023, o INEM tramitou 49 procedimentos concursais, nos quais ficou patente a "incapacidade de preencher a totalidade dos postos de trabalho colocados a concurso".
Nos três anos, foram colocadas a concurso 490 vagas, das quais foram preenchidas apenas 250, refere a inspeção, salientando que, em 2023, o número de postos de trabalho colocados a concurso (46) foi "manifestamente inferior" aos dos anos anteriores (183 em 2022 e 261 e 2021) e, ainda assim, não foi possível recrutar para a totalidade dos postos de trabalho.
Apenas na carreira de enfermagem os postos de trabalho colocados a concurso foram preenchidos na totalidade nos anos em análise.
Do lado oposto, a carreira que menos atratividade mostrou e, por isso, teve menos percentagem de postos de trabalho a concurso ocupados foi a dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH): dos 158 postos de TEPH a concurso em 2021 foram admitidos 53 (30%) e, no ano seguinte, dos 125 a concurso foram admitidos 61 (49%). Apenas em 2023 os postos TEPH a concurso foram totalmente preenchidos, num total de 10, mas para coordenador operacional.
O relatório da IGAS conclui que a taxa global de ocupação dos postos de trabalho entre 2021 e 2023, na sequência da conclusão dos concursos abertos, foi de 51%, sublinhando que a eficácia dos processos de recrutamento não está exclusivamente dependente da frequência ou celeridade dos concursos, "mas sim da falta de atratividade de algumas carreiras do INEM e dos requisitos e condições exigidas para efeitos de ingresso neste Instituto".
Quanto ao recrutamento para postos de cargos dirigentes, a IGAS concluiu que, entre 2015 e 2024, o INEM "não assegurou, em diversas situações, a abertura, tramitação e conclusão dos procedimentos concursais necessários", alertando que, em várias situações o instituto manteve, durante mais de um ano, em regime de substituição, os respetivos dirigentes.
"As situações apuradas, relacionadas com o exercício de cargos dirigentes em regime de substituição durante vários anos, podem ser indiciadoras do cometimento de ilegalidades na admissão de pessoal e, por esse motivo, suscetíveis de vir a configurar eventual responsabilidade disciplinar e financeira sancionatória", refere.
INEM não acautelou riscos da falta de fiscalização para acumulação indevida de funções
No mesmo relatório, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde considera que o INEM não acautelou os riscos decorrentes da falta de fiscalização dos casos de acumulação indevida de funções, nomeadamente no âmbito da formação em entidades externas.
A IGAS diz que detetou casos de trabalhadores a acumular funções em entidades externas acreditadas sem autorização e outros em que as autorizações precisavam de ser revistas ou renovadas.
O documento refere ainda que o INEM "não implementou com eficácia" mecanismos de controlo interno para prevenção do conflito de interesses e do risco de corrupção.
"O risco de elevada significância de favorecimento de terceiros com os quais o INEM, I.P., estabelece relações comerciais no âmbito da formação e da acreditação, necessita de ser contemplado no planeamento da formação e devidamente acautelado, através da fiscalização das situações de acumulação indevida", considera a IGAS.
Quanto à acumulação indevida de funções, a IGAS refere que, com base na listagem disponibilizada pelo INEM em setembro de 2024, no total de 339 formadores internos, 192 não tinham autorização para acumular funções.
Da análise efetuada, a IGAS apurou ainda a existência de 60 formadores internos que, apesar de não terem autorização para acumulação de funções, constavam (em setembro de 2024) da listagem da bolsa dos formadores de entidades acreditadas, registados no Sistema de Gestão de Formação (SGF): 53% eram Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH), 32% enfermeiros, 10% médicos, 3% técnicos superiores e 2% assistentes técnicos.
No documento, a IGAS aponta ainda falta de coerência a alguma informação do INEM consultada nesta auditoria, designadamente quanto ao registo da informação relativa à frota e ausência de informação quanto à operacionalidade dos veículos e à sua atribuição.
Quanto aos critérios para acreditação das entidades formadoras, a IGAS sugere que seja revista a articulação entre o Gabinete de Acreditação de Entidades Formadoras (GAEF) e o Departamento de Formação, no contexto da realização de formação de formadores para integrarem a bolsa de entidades externas "de modo a assegurar a inexistência de conflito de interesses e concretizar o objetivo de separar as duas áreas".
Aponta a falta de "dados suficientes e fiáveis" quanto aos formadores que realizaram as ações de formação nas entidades acreditadas e diz que o risco de deficiências na realização de vistorias ou auditorias a entidades externas é acentuado porque o INEM conseguiu assegurar que todas sejam realizadas "no mínimo por dois profissionais".
A IGAS aponta igualmente o risco elevado de favorecimento de terceiros com os quais o INEM estabelece relações comerciais no âmbito da formação e da acreditação, insistindo na necessidade de fiscalizar as situações de acumulação indevida.
Diz ainda que, no período em análise, o INEM não garantiu a fiscalização das situações de acumulação de funções públicas com privadas dos profissionais que integram a bolsa de formadores das entidades acreditadas para ministrar formação em emergência médica.
"A obrigatoriedade do registo dos formadores presentes em cada ação de formação, bem como do registo do número de horas lecionadas, não é objeto do controlo devido", refere.
A equipa inspetiva formulou um conjunto de 48 recomendações para superar as fragilidades detetadas no âmbito das áreas que foram auditadas e o INEM tem 60 dias para as cumprir.