
Mais de uma centena de crianças e adultos do município do Andulo, província angolana do Bié, beneficiaram de consultas, tendo sido diagnosticados 12 casos de cancro da pele, a principal patologia que afeta estes cidadãos, segundo a médica especialista Regiane Silva.
A médica brasileira de clínica geral trabalha há 20 anos com pessoas albinas e integrou uma equipa de médicos voluntários que se deslocou ao Andulo para atender a maior comunidade de albinos do Bié, estimada em 320 pessoas, uma ação solidária promovida pela organização Volta à África.
O albinismo, uma condição genética com impacto na produção de melanina (pigmento responsável pela cor da pele, cabelos e olhos), afeta aproximadamente uma em cada 5.000 pessoas no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Em Angola, o Governo aprovou, em 2023, um Plano de Apoio e Proteção às Pessoas com Albinismo, mas os cerca de 7.000 albinos angolanos continuam a enfrentar desafios relacionados com a saúde e inclusão social.
O grupo de clínicos gerais e de medicina dentária, fisioterapeutas e farmacêuticos partiu de Luanda com destino ao Andulo no passado sábado, numa longa e cansativa viagem de 15 horas, carregando consigo medicamentos e "um gesto de carinho" para estas pessoas, disse à Lusa Victor Moniz, o presidente do Volta à África.
Peças de roupa com manga comprida, bonés, produtos para higiene bucal e lembranças para os miúdos, como brinquedos e bolachas, foram alguns dos bens distribuídos.
Regiane Silva declarou que se sentiu "um pouco mais feliz" do que quando se iniciou o projeto, em 2022, pois as pessoas encontravam-se com melhor aspeto do que da primeira vez, em que muitos se apresentavam "completamente deteriorados".
"Não que entre esses cento e tal que atendemos não houvesse [pessoas com aspeto deteriorado], mas ver as crianças, em especial, estarem muito mais bem tratadas é um conforto para o coração, os pais têm percebido a mensagem da importância de protegerem essas crianças com um chapéu, uma vaselina na pele", disse à Lusa a médica, desejando "que isso possa continuar".
Há perspetivas de se realizar ainda este ano mais uma consulta, para se avaliar a evolução e se surtiu efeito o tratamento, adiantou Regiane Silva.
Para a especialista, informar e educar as famílias ajuda a melhorar a saúde destas pessoas, que passam a comparar "o antes, o durante e o depois".
"Às vezes, eles ficam preocupados em ter um protetor solar, fator 50, que custa muito dinheiro e, logo, não conseguem tratar-se, mas com um potinho de vaselina, que custa 200 kwanzas (0,20 cêntimos), pode passar no corpo, no rosto [e proteger a pele]", salientou.
Regiane Silva mostrou-se sobretudo preocupada com os 12 casos diagnosticados de cancro de pele que vão ser transferidos com o apoio do governo local para o Hospital de Oncologia de Luanda, para darem continuidade ao tratamento.
Além do cancro da pele, há também necessidade de oftalmologistas e óculos graduados, e consciencializar as escolas para sentar as crianças mais à frente para conseguirem uma melhor visão, descreveu a especialista.
A médica começou a tratar de pessoas portadoras de albinismo na Nigéria, país onde "matam os albinos", enquanto em Angola o maior desafio é desmistificar o albinismo como uma diferença de cor.
"Eu ser mais negra ou o outro um pouco mais branco, [ainda assim] é uma pessoa normal, não tem feitiçaria, não são bruxos, não são nada. São seres humanos normais, com capacidade melhor ou igual à minha, só precisam de oportunidade e pessoas que o apoiem com o tratamento", vincou.
Abel Barros, 25 anos, tem mais dois irmãos albinos e agradeceu o ato de solidariedade, dizendo que tem sido um desafio enorme a sua "cor", porque há pessoas que pensam que são "diferentes deles", citando problemas de pele e oftalmológicos.
"Alguns acham que somos diferentes deles, então, dizem que não podemos ficar perto. Assim que chegam perto de nós, cospem-se no umbigo, acham que se nos aproximarmos serão contaminados pela nossa cor, ou seja, que serão como nós", exemplificou.
Com ensino médio concluído e sem um trabalho fixo, o sonho de uma licenciatura ficou adiado devido a dificuldades na visão, contou Abel Barros, pedindo ao Governo mais atenção para a situação dos albinos.
Josefina Domingos é mãe de quatro filhos, entre os quais Berenice Lena, albina, com 12 anos, que frequenta uma escola pública e nunca sofreu qualquer tipo de discriminação.
"Desde que ela nasceu foi bem recebida, as pessoas a amam muito e as colegas na escola também, isso [discriminação] nunca aconteceu", garantiu Josefina Domingos, admitindo que "no princípio foi difícil", tendo sido orientada nos cuidados com a criança por um médico com uma filha igualmente albina.
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