
É a mais dura das realidades: a Ucrânia dificilmente recuperará o território ocupado por forças russas na Crimeia e na região do Donbass, pelo menos num futuro próximo, e a Rússia continuará a representar uma ameaça para a Ucrânia, para os vizinhos na região e para a segurança europeia.
Neste quadro, a Europa precisa de uma política bem mais realista sobre um cessar-fogo e o futuro da Ucrânia do que aquela que tem conduzido até agora—repleta de slogans, wishful thinking e cada vez mais desfasada da realidade.
Mas sem querer focar demasiado na espuma dos dias, a recente avalanche de reuniões, declarações e sinais contraditórios por parte da administração Trump deveria ensinar-nos três lições fundamentais.
1. O tempo das ilusões acabou
A primeira lição desta realidade é que, para alem do teor das recentes declarações do Secretário da Defesa Pete Hegseth quando fala do futuro da Ucrânia, o que causou choque entre os Europeus foi o timing dessas declarações. Sabemos que dificilmente a Ucrânia recuperará os territórios perdidos desde 2014, e que mesmo a adesão à NATO parece improvável. Muitos ucranianos admitem-no em privado. Nada na frente de guerra indica que a Ucrânia conseguirá sair do impasse onde está, nem o Ocidente está disposto (ou reúne o consenso necessário) para mudar radicalmente a sua estratégia e realidade no terreno. A Rússia, que ocupa já cerca de um quinto do território ucraniano, continua a avançar lentamente, mas de forma significative, apostando numa guerra de desgaste para derrotar o seu vizinho.
As forças ucranianas, apesar de terem desenvolvido uma máquina de guerra eficiente nos últimos três anos e de manterem heroicamente a frente de batalha, enfrentam uma crescente fadiga, dificuldades no recrutamento e problemas em manter as tropas necessárias para conter os avanços russos.
Por outro lado, a adesão à NATO parece igualmente improvável. Independentemente do desprezo de Trump pelo valor da Aliança Atlântica, esta é uma velha questão que há muito divide congressistas e senadores, e dificilmente o Congresso norte-americano aprovaria essa adesão. Tampouco os Estados europeus da NATO conseguiriam reunir consenso em torno desse objetivo, pois até alguns dos seus defensores mais fervorosos, como a Alemanha, têm manifestado uma resistência consistente - por considerações de política interna, mas também por temerem uma escalada do conflito.
No entanto, isso não significa que ambos os objetivos devam ser retirados do discurso político e, acima de tudo, do processo de negociação. São trunfos importantes e exigências legítimas da Ucrânia, que poderá usá-los como moeda de troca por concessões russas relevantes num futuro acordo de paz. E aqui reside a grande diferença entre a abordagem dos europeus e a da administração Trump: avançar com concessões antes mesmo de as negociações começarem só aumenta a ansiedade entre europeus e ucranianos e e encoraja Moscovo a avançar com impunidade na frente de batalha.
O facto de Trump aparentemente não exigir nada de Putin, nem sequer coordenar a sua abordagem com os aliados europeus, gera consternação e receio em Kiev e nas capitais europeias de que um acordo apressado seja imposto à custa da soberania ucraniana e da segurança europeia
2. Resposta à guerra passa por coligação de Estados
A segunda lição mais óbvia é que, para reagir a este cenário de um processo que começa sem que os europeus sejam tidos ou achados, a resposta à guerra poderá ter de passar cada vez mais por "coligações de vontade" ou, neste caso, de países que apoiam a Ucrânia. Ou seja, Estados com uma visão comum sobre o fim da guerra, com igual compromisso para com a segurança europeia e a soberania ucraniana, que não hesitem no apoio a Kiev nem vacilem perante Putin.
Talvez nem a NATO nem a União Europeia sejam os fóruns mais adequados para liderar esse esforço, pois, quando se trata de guerra e paz, a lógica do consenso não está à altura do que os tempos exigem. Isso não retira importância à UE, que desempenha um papel fundamental na resposta à guerra, com apoio financeiro, militar e humanitário sem precedentes, além da perspetiva de adesão para a Ucrânia. Mas a União ainda carece de capacidade militar e da liberdade de agir de forma célere e eficaz para garantir a segurança da Ucrânia, uma vez que todas as decisões nessa esfera cabem aos Estados-membros.
No que toca às garantias de segurança que Zelensky tanto pede, talvez esta coligação de ämigos da Ucrânia seja a mais indicada para reagir aos tempos que correm e intervir no processo e nas conversas diplomáticas entre Trump e Putin. As viagens de Macron e do Primeiro-Ministro britânico, Keir Starmer e os contactos diretos entre Macron e Trump podem ajudar a reforçar a mensagem de que nenhum acordo de paz pode ocorrer à revelia da Ucrânia e da Europa. A verdade é que por mais que Washington queira impor um acordo, será muito difícil fazê-lo sem o consentimento da Ucrânia e dos países europeus. Afinal, Washington não pode tomar decisões pelas partes, especialmente quando é a Ucrânia que teria de cessar os combates e os europeus que teriam de suspender a ajuda. Nada obriga nenhuma das partes a cumprir um acordo do qual não participaram, apenas porque Washington “mandou”. Em todo o caso, pode ser que uma nova frente unida, composta pelo triângulo França-Alemanha-Reino Unido, venha a liderar a resposta europeia face à guerra.
Mas convém sermos realistas: a garantia de segurança que Zelensky mais pede é precisamente aquela que tem dividido europeus e aliados ocidentais—o princípio subjacente à defesa coletiva do Artigo 5.º da NATO.
Esse continua a ser o dilema mais difícil na resposta do Ocidente à guerra. Não há consenso sobre o envio de tropas para locais estratégicos na Ucrânia nem sobre uma possível força de manutenção da paz em caso de cessar-fogo. Além do facto de importantes Estados-membros da UE, como a Alemanha, resistirem à ideia, não é nada claro como é que essa força de manutenção da paz funcionaria na prática. Para que essas tropas agissem realmente como forças de manutenção da paz, elas teriam que ser negociadas mediante um acordo de paz com Moscovo, que sempre rejeitou esta ideia como uma linha vermelha inultrapassável.
Para além do mais, coloca-se ainda a questão da extensão da linha de contacto (e qual linha de contacto?) e da quantidade enorme de tropas que seriam necessárias para assegurar essa fronteira.
3. A Europa precisa de realismo e de uma estratégia negocial
Dito isto, aqui falo da terceira e mais importante lição a retirar: A Europa (ou uma coligação de estados) precisa de um discurso mais realista, longe da política de slogans que criam expectativas impossíveis de cumprir. Como alertamos na recente publicação do International Crisis Group, a melhor garantia de segurança que a Europa e os aliados da Ucrânia podem oferecer é assegurar uma Ucrânia politicamente independente e soberana, dona do seu destino e com um exército forte e capaz o suficiente para se defender de futuros avanços russos ou caso um futuro cessar-fogo venha a ser quebrado. É importante lembrar que o que Putin quer não é apenas mais território, mas sim controlo sobre o que considera ser a sua esfera tradicional de influência. Putin quer acima de tudo instalar um Estado vassalo na Ucrânia, não necessariamente novas fronteiras.
Por isso, deve ser esse o principal objetivo da Europa: preparar-se para conter o expansionismo russo e dissuadir Moscovo de continuar a desestabilizar a Ucrânia e a região. Para isso, precisa de garantir que estará preparada para o momento em que for chamada à mesa de negociações. Quando esse momento chegar, a mensagem deve ser clara. Mas, para tal, tem de definir, em conjunto com a Ucrânia, os parâmetros das negociações, quais as linhas vermelhas inultrapassáveis, quais as concessões aceitáveis, que garantias de segurança estará disposta a oferecer para manter a paz na Ucrânia e a estabilidade na Europa, e como deve utilizar os instrumentos de influência económica que tem, como o alívio de sanções, como ferramenta diplomática num futuro processo de paz.
A alternativa? Prolongar uma guerra que já devastou a Ucrânia, exaustou o seu exército e que, sem uma estratégia clara, corre o risco de se tornar uma batalha perpétua sem vencedores.