
Convocada por um antigo membro do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), Ferhat Sentürk, que já organizara em dezembro passado, também na capital alemã, um evento que terminou em confrontos entre a polícia e ativistas de esquerda, a manifestação de hoje, alegadamente "contra o extremismo de esquerda e a violência politicamente motivada", decorreu sob fortes medidas de segurança, com a polícia a montar barricadas ao longo de todo o trajeto do desfile e a destacar centenas de agentes, incluindo a força de intervenção.
Todos os acessos à estação de comboios de Friedrichstrasse, o ponto de encontro dos manifestantes de extrema-direita, foram bloqueados pela polícia, que só deixava passar residentes ou jornalistas, o mesmo acontecendo ao longo de todo o trajeto, de cerca de 1,5 quilómetros, que os neonazis, na sua grande maioria muito jovens e de rosto coberto, alguns dos quais com bandeiras da Alemanha, percorreram até à estação ferroviária central de Berlim.
Ainda assim, ao longo do percurso pela Friedrichstrasse, foram vários os populares a gritar, desde as janelas, palavras de ordem contra os manifestantes, que respondiam com insultos, sob o olhar atento das forças de segurança, constatou a Lusa no local.
Mais ruidosos eram, no entanto, os muitos ativistas antifascistas concentrados em diversos pontos em redor da estação de comboios, incluindo centenas na Praça Bertolt-Brecht, que assistiram ao início do cortejo proferindo palavras de ordem antifascistas e gritando repetidamente o lema "alerta, alerta, alerta antifascista", ao mesmo tempo que tocavam buzinas para 'abafar' as palavras de ordem dos neonazis.
Um dos jovens envolvidos nesta contramanifestação, Leon, explicou à Lusa, enquanto se ocupava da instalação sonora montada no local, que pertence ao coletivo Geradedenken, apresentado como antifascista e contra as 'fake news' e teorias da conspiração. Garantiu que sairá sempre para a rua quando houver manifestações de neonazis, que, argumentou, "deviam ser proibidas, porque toda a ideologia deles vai contra os valores da sociedade democrática".
Orgulhando-se de ter sido um dos milhares de ativistas de diferentes organizações que impediram em dezembro um desfile semelhante também organizado por Sentürk, este jovem revelou, perspetivando as eleições de domingo, que, tal como muitos milhares de jovens nas últimas semanas, se tornou membro do partido Die Linke (A Esquerda), pois, "no atual panorama, seria uma tragédia a esquerda não estar representada no Bundestag", o parlamento alemão.
"Eu nem concordo com tudo o que o partido defende, designadamente o fim do apoio militar à Ucrânia, mas é necessário um movimento de unificação para garantir que a esquerda tem uma voz no parlamento", disse, acrescentando que o seu "maior receio" relativamente ao novo quadro político saído das eleições de domingo é uma possível colaboração futura entre os conservadores da CDU, que lidera todas as sondagens, e a AfD.
Liderados por Sentürk -- acusado de defender a ideologia nazi, mas cujas raízes turcas levam elementos da extrema-direita alemã a rejeitar participar nas suas iniciativas --, os cerca de 200 manifestantes neonazis, por seu lado, também foram entoando cânticos ao longo do trajeto, "contra o extremismo de esquerda" e "a peste vermelha", e por uma "Alemanha acima de tudo".
Tiveram de fazer longos compassos de espera antes de chegar à estação central, enquanto a polícia de intervenção lidava com vários grupos de ativistas antifascistas que procuravam contornar as barricadas montadas para interromper o desfile.
Mesmo nas pausas forçadas durante a caminhada, declinaram responder a questões dos jornalistas, com muitos a terem a preocupação de cobrir o rosto, recorrendo a balaclavas, lenços, gorros ou óculos de sol.
As manifestações de hoje tiveram lugar a menos de 24 horas de os alemães serem chamados às urnas para eleições legislativas antecipadas. As sondagens apontam para que o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha seja a segunda força política com mais votos, em redor dos 20%, apenas superada pelos conservadores da CDU, de Friedrich Merz, e à frente dos socialistas do SPD, do ainda chanceler Olaf Scholz.
ACC // ROC
Lusa/fim