Em 1933, as concessões políticas da República de Weimar abriram caminho à ascensão de forças que desmantelaram a democracia, precipitando um dos períodos mais sombrios da história europeia. Quase um século depois, a Alemanha enfrenta ecos desse passado. No Bundestag, a União Democrata-Cristã (CDU) e a União Social-Cristã (CSU) decidiram colaborar com a Alternativa para a Alemanha (AfD) em questões de política migratória, abandonando o “cordão sanitário” que mantinha a extrema-direita afastada do poder. Esta cedência não só legitima um partido que desafia os pilares democráticos como encoraja dinâmicas semelhantes por toda a Europa.

O cenário agrava-se com a interferência de Elon Musk na política europeia e nas suas eleições. Musk, uma das figuras mais influentes e controversas do mundo, declarou recentemente que “só a AfD pode salvar a Alemanha”. Embora possa parecer uma provocação excêntrica, é uma manifestação política com graves implicações. É que a AfD tem capitalizado o medo e a incerteza em torno da imigração, da economia, contra a União Europeia, contra o apoio da Europa à Ucrânia e contra as energias verdes, apresentando soluções simplistas para problemas complexos. Ao amplificar estas mensagens, Musk contribui para normalizar um discurso que, há poucos anos, seria inaceitável, enfraquecendo os consensos democráticos que sustentam a União Europeia.

A decisão da CDU e da CSU de colaborar com a AfD ultrapassa o âmbito da política interna alemã. É um passo perigoso para a consolidação da extrema-direita no centro do poder europeu. A chefe da AfD, Alice Weidel, celebrou o acontecimento sem hesitar: “A cerca sanitária caiu! Conseguimos, agora a União também tem de cumprir”. Este é um momento simbólico que poderá influenciar outros países, numa altura em que o populismo continua a ganhar força em diversos pontos do continente.

A influência da extrema-direita já é uma realidade em muitos países europeus. Em Itália, Giorgia Meloni governa com uma agenda nacionalista e anti-imigração. Na Hungria, Viktor Orbán converteu a sua maioria parlamentar num regime quase autoritário, enquanto na Polónia o partido Lei e Justiça desafia constantemente os valores da União Europeia. Na Áustria, o Partido da Liberdade aproxima-se do poder, e na Suécia e na Finlândia, partidos de extrema-direita desempenham papéis cruciais nas coligações governamentais. Estes fenómenos refletem um descontentamento generalizado, alimentado por crises económicas, desigualdades sociais, violência e o fracasso dos partidos tradicionais em responder aos novos desafios.

Entretanto, França enfrenta um teste decisivo com as eleições presidenciais de 2027. Marine Le Pen surge como uma das favoritas, e a sua eventual vitória ameaça desestabilizar o equilíbrio europeu. Uma presidência de Le Pen traria políticas anti-imigração agressivas e poria em causa o compromisso francês com o projeto europeu. Com o apoio provável de figuras como Donald Trump e Musk, Le Pen poderá conduzir uma campanha amplificada, aumentando os riscos para a coesão europeia e a sua capacidade de resposta aos desafios globais.

A normalização da extrema-direita não é apenas uma ameaça política; representa também um risco económico significativo. A fragmentação da União Europeia, promovida por governos nacionalistas, mina a confiança dos mercados e desencoraja investimentos, o que é, em última instância, o objetivo de Musk. A capacidade de negociação conjunta do bloco em temas como comércio, defesa e alterações climáticas seria gravemente comprometida. A instabilidade gerada por governos que desafiam as regras europeias prejudica a previsibilidade necessária ao funcionamento do mercado interno. Ao apoiar forças que dividem a Europa, Musk intensifica este risco, promovendo a sua própria agenda pessoal.

A União Europeia encontra-se numa encruzilhada. Proteger os valores democráticos que sustentam o projeto europeu exige ações concretas: regulamentar a influência das plataformas digitais, combater as causas profundas do descontentamento populista e reforçar a educação cívica. Os dirigentes europeus não podem ignorar as interferências de figuras como Musk nem ceder aos apelos simplistas da extrema-direita.

No Fórum Económico Mundial em Davos, Trump reforçou a narrativa nacionalista e protecionista que tem inspirado movimentos populistas na Europa. Entre críticas às regulamentações europeias e apelos para que os países da NATO aumentem as suas despesas de defesa para 5% do PIB, Trump acusou a União Europeia de “injustiça” nas relações comerciais com os Estados Unidos. Estas declarações, além de intensificarem as tensões transatlânticas, servem como respaldo simbólico aos partidos de extrema-direita na Europa, que partilham visões semelhantes. Este cenário ameaça ainda mais a coesão europeia e a sua capacidade de agir de forma unida perante desafios globais. A Europa precisa de acordar da sua letargia, enfrentar com coragem as reformas necessárias e impulsionar o desenvolvimento tecnológico e económico de forma sustentável.

O futuro da Europa não pode ser ditado por bilionários que se colocam acima das instituições democráticas. Cabe aos cidadãos, líderes e instituições europeias resistir a estas forças, reafirmando um modelo de cooperação e democracia. Reconhecer o impacto político do gesto de Musk e a quebra do “cordão sanitário” pelo centro-direita alemão é o primeiro passo para proteger não apenas a estabilidade económica, mas também os valores que definem o que significa ser europeu.