Entre as potenciais nomeações de Donald Trump para a sua segunda administração, Pete Hegseth destaca-se como uma escolha reveladora das prioridades e direções estratégicas do novo mandato. Veterano do Iraque e defensor declarado dos valores militares, traz ao Departamento de Defesa uma visão profundamente enraizada em princípios de força militar, pragmatismo estratégico e ceticismo face às elites burocráticas e tecnocráticas, muitas vezes referidas como o "deep state". Este conceito, na visão de Hegseth, traduz-se numa política de Defesa que privilegia a eficiência operacional e a ação direta em detrimento de abordagens tradicionalmente diplomáticas.
Para o potencial futuro líder do Pentágono, a prontidão militar não é apenas um fator dissuasor, mas também uma ferramenta de negociação. Alinhando-se com o pilar da “Paz pela Força” de Trump, a sua visão enfatiza a necessidade de forças armadas robustas, flexíveis e tecnologicamente avançadas, capazes de projetar poder em múltiplos teatros simultaneamente. Este foco reflete-se em propostas de reestruturação das prioridades do Pentágono, direcionando recursos para ameaças emergentes, como o avanço tecnológico chinês e as capacidades nucleares da Coreia do Norte.
Da mesma forma, defende uma estratégia que desafia as normas tradicionais da geopolítica. A sua postura dá eco ao “Transacionalismo Nu”, ao sugerir que alianças e intervenções militares devem ser avaliadas pelo retorno tangível que trazem aos interesses nacionais dos EUA. Esta abordagem, porém, pode encontrar resistência ao lidar com desafios globais complexos, como a crescente cooperação entre Rússia, China, Irão e Coreia do Norte, que buscam minar a hegemonia norte-americana.
Mais custos para a Europa
Hegseth também é um crítico vocal da NATO, tendo argumentado, em várias ocasiões, que os aliados europeus devem assumir uma maior responsabilidade pela sua segurança coletiva. Para os europeus, esta visão pode indicar uma pressão crescente para investimentos em Defesa, enquanto os EUA redefinem o seu papel como garante da segurança transatlântica.
No entanto, a visão estratégica de Hegseth levanta questões: será a prontidão militar e a negociação transacional suficiente para lidar com a complexidade de uma ordem mundial em rápida mudança? Ou será esta abordagem ultrarrealista uma oportunidade para os adversários, como Moscovo e Pequim, explorarem as fragilidades do sistema liderado por Washington?
As guerras na Ucrânia e no Médio Oriente catalisaram a formação de uma ordem global antiamericana, com a Rússia, a China, o Irão e a Coreia do Norte a convergirem numa estratégia de oposição à hegemonia dos EUA. Cada um destes países partilha ambições geopolíticas distintas — desde Taiwan até ao Médio Oriente — mas cooperam para minar a influência de Washington, promovendo uma ordem multipolar.
O perigo reside na aparente desconexão entre os ideais proclamados por Trump e os desafios impostos por esta aliança. Uma visão exclusivamente comercial das relações internacionais poderá empurrar os EUA para a armadilha estratégica delineada por Moscovo e Pequim, obrigando Washington a dispersar os seus recursos entre múltiplos teatros de conflito. O desafio europeu será lidar com as consequências desta postura, que reconfigura as prioridades globais sem considerar os seus impactos regionais.
Este é o dilema central de Hegseth e da nova administração Trump: será possível moldar uma ordem internacional à medida dos EUA sem cair nas armadilhas do mundo multipolar? A resposta, sem dúvida, determinará o futuro das relações transatlânticas. Mesmo não havendo certezas quanto à atuação da nova administração, uma coisa é certa: a estratégia de Hegseth poderá ser o catalisador de um novo equilíbrio global. E será a Europa capaz de responder ao desafio? O futuro da ordem mundial está em jogo, e Portugal não está isento das suas consequências.