A decisão do Presidente norte-americano, Donald Trump, de voltar a classificar os rebeldes Houthis do Iémen como uma "organização terrorista estrangeira" pode afetar a ajuda humanitária e o processo de paz neste país devastado pela guerra, segundo especialistas internacionais.

Os rebeldes xiitas, apoiados pelo Irão, que controlam a capital Sanaa e vastas áreas do território iemenita, realizaram nos últimos meses numerosos ataques contra Israel e navios associados a este país ao largo do Iémen, mas também contra embarcações norte-americanas e britânicas, alegando agir em solidariedade com os aliados palestinianos do Hamas no contexto da guerra na Faixa de Gaza.

No ano passado, o antigo presidente democrata dos Estados Unidos, Joe Biden, optou por uma classificação menos severa, considerando os Houthis como uma "entidade especialmente designada como terrorista a nível global", invocando a necessidade de manter o fluxo de ajuda ao país, onde dois terços da população dependem de assistência.

Eis alguns pontos essenciais sobre a decisão da administração Trump e potenciais impactos:

Quais as consequências desta nova designação?

A Casa Branca anunciou na passada quarta-feira que Donald Trump assinou um decreto para reclassificar os Houthis como "terroristas", expondo qualquer pessoa que realizar transações com o movimento xiita iemenita ao risco de ser processada pelos Estados Unidos.

"Este enquadramento mais alargado e repressivo não apenas interrompe as fontes de financiamento, como também afeta significativamente as capacidades operacionais, a mobilidade internacional e a legitimidade do grupo", explicou à agência noticiosa France-Presse (AFP) Mohammed Basha, fundador do Basha Report, um gabinete de consultoria com sede nos Estados Unidos.

No entanto, alertou, os Houthis podem interpretar esta decisão como "uma declaração de guerra e retomar os ataques contra navios norte-americanos" antes de a decisão entrar em vigor, em março.

O novo residente da Casa Branca procura "demonstrar desde o início que aplicará uma política de tolerância zero em relação aos Houthis", destacou, por sua vez, Elisabeth Kendall, diretora do Girton College da Universidade de Cambridge." A questão não é saber se esta designação é justificada.

A maioria dos analistas ocidentais concorda que sim. A questão é antes saber se isto colocará pressão sobre os Houthis e contribuirá para pôr fim aos seus ataques. Isso é menos claro", argumentou.

Qual o impacto para a população iemenita?

Os rebeldes já tinham sido colocados nesta lista no final do primeiro mandato de Donald Trump, no início de 2021, mas o seu sucessor, Joe Biden, reverteu a decisão face aos alertas das organizações humanitárias.

Estas organizações advertiram, na altura, que não tinham outra escolha senão negociar com os Houthis, que governam de facto grande parte do país.

Além das operações humanitárias, as sanções norte-americanas podem paralisar o setor bancário e as importações de bens essenciais no país, o mais pobre da península arábica, explicou, igualmente à AFP, Abdulghani al-Iryani, investigador do Sana'a Center For Strategic Studies.

O decreto prevê um período de várias semanas para preparar a implementação da medida. "Há que esperar que o Departamento de Estado e outras agências norte-americanas aprovem medidas para atenuar o sofrimento da população", disse Al-Iryani.

"Os Estados Unidos procuram 'quebrar os ossos' dos Houthis", afirmou o mesmo investigador, acrescentando que Washington poderá consegui-lo a longo prazo, mas "a fome poderá instalar-se muito antes" de isso acontecer.

O Iémen tornou-se palco de uma guerra em finais de 2014 entre os rebeldes Houthis, apoiados pelo Irão, e as forças do Presidente Abd Rabbo Mansur Hadi, que em março de 2015 seria apoiado por uma coligação militar internacional árabe, liderada pela Arábia Saudita. A ONU considerou que esta guerra, que causou mais de 100 mil mortos, sobretudo civis, provocou uma das piores crises humanitárias do mundo. No país foram identificados níveis alarmantes de fome.

E o processo de paz?

Desde uma trégua negociada em 2022, a ONU tem tentado avançar com as negociações entre os rebeldes e o governo, apoiado por uma coligação militar liderada pela Arábia Saudita, para alcançar a paz após uma década de guerra devastadora.

O processo, já fragilizado pela campanha de ataques dos Houthis no Mar Vermelho e no Golfo de Áden, está agora mais comprometido do que nunca, afirmou ainda o investigador Abdulghani al-Iryani, uma vez que a designação norte-americana "elimina qualquer perspetiva" de diálogo com o movimento.

No entanto, se a decisão dos Estados Unidos se enquadrar numa "estratégia global", também poderá representar uma "oportunidade histórica" para o governo e os seus aliados "impor um projeto nacional que fortaleça os pilares da paz e da estabilidade", escreveu na rede social X o analista Ibrahim Jalal, do Malcolm H. Kerr Carnegie Middle East Center.


Com LUSA