Apesar de não ser competência da Assembleia, o PS insistiu que o Parlamento devia pronunciar-se sobre o salário atribuído a Hélder Rosalino, nomeado pelo governo para o recém-criado cargo de secretário-geral do governo não apenas para gerir as compras, serviços e logística da sede do Executivo, agora concentrado na antiga sede da Caixa Geral de Depósitos, mas para conduzir uma reforma na administração pública que extinguirá outras três secretarias (Presidência do Conselho de Ministros, Economia e Ambiente e Energia) e o Centro de Gestão da Rede Informática do Governo. A mudança, que deverá poupar mais de 4 milhões de euros por ano aos contribuintes, já não será, porém, conduzida por Rosalino, que rejeitou esta tarde o lugar.
O que esteve na origem do caso?
Os socialistas contestaram o valor de quase 16 mil euros brutos definido para o cargo de secretário-geral — com a lei a ser alterada para permitir que excedesse os cerca de 7 mil euros aferidos pelo primeiro-ministro, que balizam os vencimentos em cargos públicos —, e anunciaram hoje que iriam avançar com um pedido de apreciação parlamentar do decreto-lei que define quanto pode receber o dirigente, apesar de a decisão não ser do âmbito parlamentar, mas do Executivo. Também o PAN e o Chega se pronunciaram contra o salário definido e o governador do Banco de Portugal emitiu um comunicado recusando pagar a Rosalino — apesar de essa possibilidade estar prevista na lei no que respeita a membros de gabinetes requisitados, mediante acordo com a instituição de origem.
Como se chegou a este valor?
Os cerca de 16 mil euros brutos não foram definidos aleatoriamente. É esse o valor que Hélder Rosalino recebe como administrador do Banco de Portugal e, desde setembro, como consultor daquela instituição, posição em que o BdP o manteve quando saiu da administração por fim de mandato. Os salários do Banco de Portugal são determinados por lei, fixando-se entre os 18.177 euros mensais que recebe o governador e os 15.905 euros dos administradores.
Ao ser convidado pelo governo para a posição de secretário-geral do governo, na semana passada, com as funções acima explicadas, foi cuidado que Hélder Rosalino não seria penalizado na sua remuneração, o que levou o governo a alterar a lei que, por defeito, prevê que todos os cargos em funções públicas sejam balizados pelo vencimento do primeiro-ministro.
A alteração da lei, bem como o valor definido, mereceram porém a oposição dos socialistas, bem como do governador do Banco de Portugal, que se recusou a continuar a pagar o salário a Rosalino, com Mário Centeno a alegar que as regras europeias o proíbem.
É verdade que Bruxelas proíbe essa situação?
A interpretação diverge. Mário Centeno, governador do Banco de Portugal desde julho de 2020, um mês depois de deixar de ser ministro das Finanças do governo socialista, avisou o governo que, apesar de a legislação para membros dos gabinetes indicar que a instituição de origem pode assumir o custo "mediante acordo", o decreto-lei referente à Secretaria-Geral não o prevê. Pelo que o BdP "não vai assumir qualquer despesa" do salário; mesmo porque, argumenta o governador, as "regras do Eurossistema" o proíbem.
O argumento de Mário Centeno são, porém, contestados nomeadamente pelo antigo presidente da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP). Em entrevista à SIC-N, João Bilhim lamentou o que considera um "caso único de falta de cooperação institucional", apontando que, "a haver alguma proibição da legislação europeia, está relacionada com a interferências do governador sobre o Estado". E se essa questão não se põe relativamente a Mário Centeno, que passou da condução da pasta das Finanças para a liderança do BdP, não seria levantada também aqui. "Se a independência é possível no caso dele, também o seria em qualquer outro caso", afirmou.
Esta situação é caso único?
Não. Na verdade, o governo socialista liderou várias vezes iniciativas semelhantes. Logo em 2016, com Mário Centeno como ministro das Finanças, o governo socialista (então com António Costa como primeiro-ministro), decidiu quase duplicar o salário do presidente do banco público, a Caixa Geral de Depósitos. Então ainda afetada pela crise financeira, a CGD registara prejuízos anuais de 172 milhões de euros quando António Domingues foi escolhido para liderar a instituição com um salário anual de 423 mil euros, correspondente a cerca de 35 mil euros/mês. O então ministro das Finanças, Mário Centeno, justificava ao Parlamento a quase duplicação de remuneração relativamente à anterior gestão como necessário alinhamento com o setor da banca em Portugal, admitindo que o salário poderia até ser mais alto com os prémios de desempenho, que podem representar até metade da remuneração fixa, revelando que "o investimento feito na Caixa está a dar retorno e é justificável".
Também o presidente do IGCP mereceu ao governo socialista a publicação de um decreto-lei para permitir que a sua componente fixa não implicasse perdas para o titular. Quando nomeou Miguel Martín, em 2022, o então titular das Finanças, Fernando Medina, publicou uma autorização para que pudesse optar pelo vencimento auferido no lugar de origem (era o responsável, à data, gestor da Ascendi) de forma a não ter perda ao aceitar o lugar de gestão pública. O novo presidente do IGCP conseguia assim ganhar quase metade mais do que a antecessora, Cristina Casalinho, recebendo por mês o dobro do primeiro-ministro: 15 mil euros mensais fixos.
São apenas dois casos semelhantes em que o governo, então com o PS ao leme, recorreu à exceção para garantir uma remuneração que considerou adequada às responsabilidades, apesar de a lei determinar limites mais modestos.
Agora que Rosalino recusou a nomeação para secretário-geral do governo, continuará a ser pago por Centeno, como consultor do BdP, nos mesmos 16 mil euros mensais.