Costuma-se dizer que alguém tem um seguro na esperança de nunca ter de o utilizar. É a segurança de ter uma almofada para qualquer eventualidade. Na saúde isso também se verifica, e apesar de Portugal ter um SNS público, universal e tendencialmente gratuito, a quantidade de pessoas seguras neste campo aumentou.
De acordo com um relatório deste ano da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), o número subiu para 3,6 milhões, mais 4% que o número registado um ano antes. O presidente da APS, José Galamba de Oliveira elabora que “as despesas pagas pelas seguradoras com as doenças oncológicas ascenderam a mais €76 milhões em 2022, o que representa um crescimento de 84% face a 2018”.
Contudo, o responsável admite que “os capitais das apólices são genericamente baixos — sobretudo os dos seguros das empresas — e não estão a acompanhar a evolução do custo de alguns tratamentos”, como é o caso dos oncológicos. Por exemplo, “em 2022, o capital médio de internamento hospitalar correspondia a €41 mil, mas nos seguros de grupo era ainda mais baixo, fixando-se nos €35 mil”. Trata-se de “uma preocupação que as seguradoras têm tentado passar aos tomadores, a da adequação do limite de capital das apólices, ainda que entendam as restrições orçamentais das empresas e das famílias”.
Na Médis adequam-se as “ofertas às novas realidades oncológicas” lembra Nuno Gomes Duarte, diretor de Oferta e Gestão do Produto do Grupo Ageas Portugal, para quem “é fundamental assegurar transparência na comunicação dos produtos disponíveis, no sentido de garantir que os clientes entendem bem a proteção que adquirem. Existem diferentes soluções ajustadas a diferentes necessidades, e com custos também distintos”, concede.
Custos elevados
Segundo fonte oficial da Multicare, “é importante reforçar que apenas seguros com capitais robustos permitem cobrir o tratamento integral da doença, incluindo cirurgia, quimioterapia e radioterapia. Toda a componente de diagnóstico, com tecnologias mais avançadas e necessidade dos tratamentos serem realizados com maior frequência, resultam em custos elevados”, realça, com o exemplo de “casos que, entre diagnóstico, tratamento e internamento prolongado, atingiram custos na ordem dos €400 mil”.
Para o CEO e fundador do Grupo Future Healthcare, José Pina, “não podemos esquecer o papel que os seguros têm no acesso a um diagnóstico mais fácil e rápido numa primeira fase” sobretudo quando “no acesso ao SNS pode haver uma demora”. O maior impedimento é “claramente uma questão de financiamento e de capacidade financeira” da população para “adquirir cobertura”, pelo que poderá ser relevante “pensar em soluções fiscais que permitam a aquisição de seguros” com valências mais abrangentes se assim as pessoas o desejarem. Tudo numa lógica de complementaridade, até porque “o papel do SNS é fundamental”.
Na opinião de Lúcia Alves, presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Mulher com Cancro da Mama, a realidade é que “no caso de um cancro que exija muitas sessões”, na maioria dos seguros os “plafonds esgotam-se rapidamente e os doentes vão acabar no público”. Para tal, são necessárias coberturas “cujos preços não são acessíveis à maior parte da população”.
“Há inúmeros doentes que são tratados sem seguro e que são bem tratados. Não diria que ter um seguro é essencial”, aponta a advogada na Liga Portuguesa Contra o Cancro, Carla Barbosa. Podem ser importantes para “fazer um exame ou um tratamento” de forma mais expedita, mas trata-se de uma análise que só é possível fazer “caso a caso”, defende, para falar de uma “responsabilidade repartida” entre a “obrigação de ver o que estamos a contratar” e de as condições serem bem explicadas para se tomar uma decisão consciente.
3 perguntas a
Margarida Cruz
Diretora-geral Acreditar
“O aconselhável seria uma boa articulação entre sistemas”
Quão necessário é um seguro de saúde para lidar com uma doença oncológica?
Ter um seguro de saúde é hoje, quando o SNS falha, sobretudo com os tempos de resposta, absolutamente essencial, e o cancro não é exceção.
Como olha para a questão financeira? Há discriminação?
Os seguros não são muito acessíveis sobretudo se tiverem coberturas e capitais abrangentes. Há garantidamente discriminação na contratação. Mas não nos pagamentos à posteriori, desde que seja claro que a doença ocorreu na vigência plena do seguro.
É precisa mais articulação, entre SNS, seguros e privados?
O aconselhável seria uma boa articulação entre sistemas que permitisse a resposta ajustada. Para isto é muito importante a resposta dos seguros e as garantias oferecidas.