O Supremo Tribunal de Justiça ordenou à Relação do Porto a revisão do acórdão no caso em que o economista Pedro Arroja foi condenado por difamação do ministro Paulo Rangel, após decisão condenatória dos tribunais nacionais nas instâncias europeias.

Segundo o acórdão proferido na quarta-feira pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), pelo coletivo de conselheiros Antero Luís, Horácio Correia Pinto, António Augusto Manso e Nuno Gonçalves, e tendo por base decisões anteriores no mesmo sentido, o tribunal superior ordenou a revisão do acórdão da Relação do Porto.

A decisão ordena o reenvio do processo "ao Tribunal da Relação do Porto para que, com a composição idêntica, em novo julgamento do recurso, reveja o acórdão recorrido, proferindo outro que observe o decidido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) e aprecie o pedido formulado".

O que aconteceu?

Há um ano, o TEDH condenou o Estado português a pagar 10.000 euros a Pedro Arroja por violação da liberdade de expressão, no processo em que o economista foi condenado por difamar Paulo Rangel.

A decisão do TEDH ordenou a reabertura do processo e reverteu totalmente o acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP) que, em março de 2019, agravou a pena aplicada pelo Tribunal de Matosinhos (primeira instância) a Arroja, condenando-o também a pagar 10.000 euros a Rangel, por difamação.

Em causa estiveram comentários que Pedro Arroja produziu em 25 de maio de 2015 no Porto Canal a propósito de um trabalho jurídico sobre a construção da futura ala pediátrica do Hospital de São João, no Porto, que levaram o tribunal de primeira instância a condená-lo, em 12 de junho de 2018, por ofensas à sociedade de advogados a que Paulo Rangel estava ligado, a CuatreCasas (multa de 4.000 euros e indemnização de 5.000 euros), mas a ilibá-lo da imputação de difamação agravada a Paulo Rangel.

Após recursos das partes, o TRP decidiu que o arguido também deveria ser condenado por difamação agravada ao agora ministro dos Negócios Estrangeiros, com multa de 5.000 euros.

Em cúmulo jurídico, o TRP fixou a penalização ao economista numa multa global de 7.000 euros, mantendo a indemnização de 5.000 euros à sociedade de advogados, acrescentando-se outra de 10.000 euros a Paulo Rangel.

No acórdão do STJ, os conselheiros recordam que o TEDH considerou que os tribunais portugueses atribuíram "um peso desproporcionado" aos direitos à reputação e à honra de Paulo Rangel e da sociedade de advogados, em detrimento do direito à liberdade de expressão, protegido pelo artigo 10.º Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

E concordaram com o parecer do Ministério Público, que a "perpetuação da condenação penal do arguido constituirá uma séria e grave afronta aos seus direitos de personalidade, assim como, num plano objetivo, ao princípio do Estado-de-Direito Democrático".

Recordando que em processos similares o STJ tem vindo a admitir os pedidos de revisão de acórdãos, o coletivo de conselheiros recordou também a recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa -- que tutela a supervisão do cumprimento das decisões do TEDH -- que elenca as situações em que as decisões justificam a revisão, e na qual se encontra a violação do artigo 10.º da Convenção.

"É exatamente a situação que se verifica nos presentes autos, a qual justifica, sem margem para qualquer dúvida, a revisão", argumentaram os conselheiros.

No programa do Porto Canal de 25 de maio de 2015, Pedro Arroja acusou Paulo Rangel e a sociedade de advogados, onde trabalhava na ocasião, de contribuírem para a paralisação da obra do Joãozinho, financiada por mecenato.

O então comentador falou em "promiscuidade entre política e negócios", sublinhando que Paulo Rangel era disso um "exemplo acabado" porque é político e estava à frente de uma sociedade de advogados.

"Como políticos andam certamente a angariar clientes para a sua sociedade de advogados - clientes sobretudo do Estado, Hospital São João, câmaras municipais, ministérios disto e ministérios daquilo. Quando produzem um documento jurídico, a questão que se põe é se esse documento é um documento profissional ou, pelo contrário, é um documento político para compensar a mão que lhe dá de comer", questionou, nessa ocasião.