Com o regresso de Trump aproxima-se o final de uma época nos EUA e no mundo, que pôs fim ao excepcionalismo e internacionalismo liberal em transição para uma nova era no sistema internacional em crescente anarquia. Os efeitos do novo mandato na ordem económica internacional, vão provocar ondas de choque com implicações estratégicas para as quais a União Europeia (UE) não se preparou.

O pânico em Bruxelas resulta da dependência dos EUA na dimensão energética, tecnológica e de segurança. A UE a várias vozes está desarmada ao nível político, diplomático, económico e militar.

Trump manterá a sua previsível imprevisibilidade. Identificam-se, porém, riscos geopolíticos, estratégicos e geoeconómicos. Entre eles, destacam-se a disrupção do comércio global e o colapso do liberalismo económico, os efeitos da visão transacional na política externa para a Europa e a NATO, a escalada de tensões no Médio Oriente devido à liberdade de acção concedida a Israel, e as decisões energéticas com impacto nas alterações climáticas e na competitividade da economia europeia.

A política externa do novo mandato de Trump deverá estar ancorada nas doutrinas “America First” e “Peace through Strength”. Na prática significa maior crescimento económico e investimento nas forças armadas (FA), que visa assegurar a dissuasão estratégica para conter adversários. Terá ainda repercussões muito além de Washington, moldando as relações transatlânticas, a vizinhança da UE e a dinâmica global. E impacto no conflito na Ucrânia com desafios e dilemas estratégicos para a política externa e de defesa da UE.

Convém sinalizar, que o plano de Trump para a NATO, resulta da sua visão redutora das alianças militares priorizando as relações entre concorrentes comerciais que determinam as prioridades, tendo a UE perdido relevância estratégica. Por isso, perspectiva-se uma aliança liderada pelos europeus ou a sua hibernação com a retirada das tropas do leste europeu, mantendo a protecção nuclear e poder aéreo. Ou seja, reduzir o papel dos EUA na segurança europeia, para reorientar o foco no Indo-Pacifico e na competição com a China.

Em relação à guerra na Ucrânia, Trump quer forçar as negociações, tendo em conta as prioridades definidas na sua agenda, a fragilidade em que se encontra a Ucrânia, as dissensões crescentes no seio da Europa e dos EUA relativas á ajuda militar e os constrangimentos da escalada com uma potencia nuclear. Acresce o surpreendente convite a Xi Jiping para a tomada de posse poderá estar relacionado com um plano para envolver Pequim nas negociações.

A abordagem do Ocidente ao conflito era um desastre anunciado, que vai impactar a própria NATO. Trump não quer financiar a guerra nem tampouco quer financiar a paz. Os ucranianos sentem que foram enganados com a estratégia “as long as it takes”, como aconteceu em outras geografias. E os líderes europeus insistem nos debates espúrios entre o preço de ganhar ou perder a guerra. Um verdadeiro hino à hipocrisia!

Entretanto a UE acusa a administração Biden de lucrar com a guerra enquanto Putin vai destruindo a coesão ocidental. Analisando com seriedade, o país que mais lucra com esta guerra são os EUA, porque passaram a vender muito mais gás a preços quatro vezes superior, tendo sido salvas dezenas de empresas em falência! E ainda por estarem a vender muito mais armas com o negócio em expansão.

Com Trump na Casa Branca os europeus vão ter de fazer mais pela aliança atlântica. E tudo indica que a próxima administração vai ser mais implacável para os aliados que não respeitam os compromissos. Neles se inclui Portugal que, mesmo com uma guerra na Europa, estão muito aquém dos 2% do PIB com as despesas de defesa, quando se discute o aumento para 3%, tendo em conta os novos planos da NATO.

Com efeito, o relatório da NATO e estudos do Kiel Institute revelam um enorme défice em matéria de defesa na Europa. Isto resulta da ilusão da paz perpétua e da confusão entre pacifismo e ambição de construir a paz, que conduziu à percepção da inutilidade das FA induzida pela elite política e ao inaudito desinvestimento. Todavia, os EUA também são responsáveis pela dependência que criaram. Curiosamente, Trump que exige aos aliados mais despesa na defesa, ainda no seu primeiro mandato, ameaçou retaliar se os europeus insistissem no Fundo Europeu de Defesa. Na prática os EUA nunca aceitarão, que a Europa deixe de alimentar o seu complexo militar-industrial. Isto exigirá a persuasão da diplomacia económica.

O Velho Continente está perante múltiplos desafios. Exige-se o fim de debates estéreis e iniciativas inconsequentes. As cimeiras expõem, de forma perturbadora, a falta de visão de conjunto, as dissensões e a desorientação. E, sem estadistas, com os interesses deslaçados, será inevitável a fragmentação.

Perante a gravidade da situação esta é a oportunidade, fora de tempo, para reformular por completo a política de defesa que confira à UE uma dimensão geopolítica. E só terá essa dimensão se tiver poder militar com capacidade de dissuasão e de projectar a sua influência num mundo multipolar.

Neste âmbito, urge repensar a defesa europeia, reforçando a dissuasão estratégica e a cooperação com o pilar europeu da NATO, numa relação mais funcional e complementar. É crucial evitar a clivagem entre atlantistas e europeístas, edificando a capacidade de agir autonomamente sempre que necessário.

E só depois do poder militar efectivo será possível iniciar de forma realista o debate complexo sobre a capacidade de dissuasão nuclear europeia, que lhe confere a verdadeira dimensão geopolítica. Até lá teremos de ser realistas e contar com a protecção dos EUA, respeitando os compromissos assumidos.

Este quadro aconselha definir as consequências para os dispositivos e capacidades militares, com atenção à interoperabilidade. Em acumulativo para fortalecer a base tecnológica e industrial de defesa, no âmbito da reindustrialização europeia, é essencial eliminar rivalidades na UE e adotar uma visão integrada, estabelecendo um plano estratégico e a sua adequada implementação. E investir com maior eficácia.

Nessa medida, sendo necessário acelerar o esforço conjunto, a UE terá de fazer um debate informado sobre o desafio constitucional para uma nova concepção da defesa colectiva integrada. Isso permitiria uma melhor articulação das suas múltiplas dimensões e resolver os gastos da defesa de forma conjunta e mais racional.

A Europa, desde há muito, está espartilhada por ter delegado a sua defesa nos EUA, a energia na Rússia e a indústria na China, reagindo sobretudo ao que outras potencias decidem. E, apesar das sucessivas crises, está resignada com o regresso de Trump. Não se discute a essência do que é estrategicamente decisivo.

Em Portugal as prioridades são outras e reina a complacência e falta de reflexão. Alguma elite política continua a ignorar as sérias implicações de segurança, estratégicas e económicas do final da paz na Europa, dos confrontos geopolíticos e dos desafios que se colocam com a reeleição de Trump.

Os governantes desdobram-se em declarações e retórica esquecendo que o problema reside na credibilidade perante os aliados. A realidade é que dedicamos apenas um pouco mais de 1% do PIB em defesa. O resto são artifícios contabilísticos e argumentação falaciosa. O aumento significativo no investimento na defesa implica o desvio de recursos de outros domínios do Estado e coloca desafios de sustentabilidade orçamental.

Importa saber fazer pedagogia, sem a demagogia, sobre as questões graves que permanecem na defesa e nas FA, que é o resultado décadas de irresponsabilidade, de laxismo e desinvestimento.

No entanto, prevalecem as polémicas inusitadas da politiquice, que alimenta a infobesidade mediática. E, continuamos na redoma paroquial, sem preparar a sociedade para enfrentar o período conturbado. As guerras acabam sempre por revelar a visão distópica da realidade. O imprevisto acontece!

O sobressalto nas capitais europeias sinaliza o novo ciclo, que reclama um novo quadro mental com clareza estratégica e liderança firme. A Europa não estava preparada em 2014, teve um enorme sobressalto em 2022, acabando por "entrar em coma induzido". E, a partir de 2025, arrisca-se a ter um rude despertar!