Não é por acaso que se fala tanto sobre habitação. O Barómetro da Habitação da Fundação Francisco Manuel dos Santos, lançado em novembro do ano passado, veio mostrar que seis em cada 10 pessoas em Portugal sentem dificuldades em fazer face às despesas mensais com a habitação.

Fonte: Fundação Manuel dos Santos
Fonte: Fundação Manuel dos Santos SIC Notícias

Já na altura, quase três em 10 pessoas admitia que tinha visto decisões importantes da sua vida condicionadas pelas dificuldades no acesso à habitação. Ir (ou não) morar sozinho, partilhar casa com o/a companheiro/a e, até mesmo, decidir ter ou não filhos.

Morar em Portugal sai caro às famílias: estamos a falar de quanto?

Fonte: Eurostat, Household budget survey, 2020
Fonte: Eurostat, Household budget survey, 2020 SIC Notícias

A maior fatia das despesas das famílias portuguesas é destinada à habitação. Cerca de 39% do orçamento familiar e de valores ainda mais altos entre as famílias mais pobres, verificando-se, tendencialmente, um peso maior no litoral e nas zonas urbanas do que no interior.

Comparando com os restantes países da União Europeia, esta percentagem só é mais elevada na Hungria, de acordo com o Eurostat.

A perceção geral é de que as despesas com habitação têm aumentado bastante nos últimos anos. Esta ideia confirma-se?

Fonte: INE, Inquérito às Despesas das Famílias
Fonte: INE, Inquérito às Despesas das Famílias SIC Notícias

Sem dúvida. O aumento tem sido ininterrupto. Em média, uma família em Portugal gasta 9390 euros por ano com a habitação, quando em 2015 pagaria muito menos. De todo o orçamento familiar, a habitação gastava 32 por cento. No ano passado já atingia 39 por cento do orçamento familiar, de acordo com o INE. Claro que há que ter em conta o efeito da inflação.

Ou seja, em euros, cada família passou a gastar mais dinheiro com a habitação.

Fonte: INE, Inquérito às Despesas das Famílias
Fonte: INE, Inquérito às Despesas das Famílias SIC Notícias

Fonte: INE
Fonte: INE SIC Notícias

Tendo em conta a base dos 6501 euros anuais em 2015/2016, houve um crescimento acentuado das despesas com a habitação. Cerca de 44 por cento. Um crescimento real que ficou distante do que era esperado. Se considerássemos apenas a inflação, este valor seria 13% até 2022/2023.

Os salários acompanharam o aumento dos custos com a habitação?

Não. E isso contribui para a pressão que as famílias sentem atualmente. Nestes sete anos, a média da remuneração bruta em Portugal cresceu cerca de 24%. Ora, o trabalho por conta de outrem é a principal fonte de rendimento da maioria das famílias, pelo que o crescimento dos salários não foi suficiente para compensar o aumento médio do preço da habitação.

A maioria das famílias portuguesas é também proprietária da casa onde vive.

Fonte: Eurostat, 2023
Fonte: Eurostat, 2023 SIC Notícias

Exatamente, 3/4 das famílias (76%) vivem numa casa da qual são proprietárias. Não é de estranhar, no plano europeu, a opção pela casa própria. De facto, só na Alemanha é que a maioria da população opta por arrendar casa. No entanto, destacamo-nos face à média europeia.

Há razões de ordem social e cultural que o explicam, sendo a principal o facto de encararmos a casa própria como um investimento para a vida que dá algum grau de liberdade às famílias.

Compensa apostar na compra de casa ou é preferível arrendar?

Entre aqueles que são proprietários, cerca de 38% ainda estão a pagar empréstimo ao banco, segundo os Censos de 2021.

Fonte: SIR / Confidencial Imobiliário
Fonte: SIR / Confidencial Imobiliário SIC Notícias

Olhemos os preços médios das rendas e os custos médios com crédito à habitação. Para quem arrenda, há o desafio do aumento das rendas que se verificou em anos mais recentes, sobretudo nos grandes centros urbanos.

Em Lisboa vemos um aumento de 500 euros por mês, na renda de um T2, num período de apenas cinco anos, e no Porto a mesma tipologia aumentou cerca de 400 euros.

Por outro lado, também há contrariedades no que diz respeito aos empréstimos.

Fonte: Banco Central Europeu, 2023
Fonte: Banco Central Europeu, 2023 SIC Notícias

De forma geral, um crédito à habitação é mais caro em Portugal do que noutros países da União Europeia. Isto quer dizer, muito simplesmente, que se praticam juros acima da média da Zona Euro. Quatro por cento em Portugal contra 3,7% na Zona Euro, de acordo com o Banco Central Europeu.

Esta diferença também ajuda a explicar que ainda em 2023 mais de metade das famílias tenham optado por taxas de juro variáveis. Como o próprio nome indica, estas taxas variam e são, por isso, um potencial fator de vulnerabilidade das famílias face a um cenário económico e financeiro incerto.

O fenómeno do aumento de preços da habitação é comparável com o que se verifica noutros países da Europa?

Fonte: Eurostat, 2023
Fonte: Eurostat, 2023 SIC Notícias

Olhando para o Índice Harmonizado de preços das casas da UE, em 2015, Portugal estava em linha com a média da UE. Desde então, começámos a divergir e, em 2023, apenas quatro países superavam Portugal. Lisboa, em particular, tornou-se uma das cidades mais caras da Europa.

Como é que chegámos até aqui?

Há muitos fatores a contribuir para o cenário atual.

Fonte: Policy Paper “A crise da habitação nas grandes cidades”, FFMS
Fonte: Policy Paper “A crise da habitação nas grandes cidades”, FFMS SIC Notícias

Começamos pelo lado da oferta. Os custos de construção aumentaram ligeiramente, mas, ainda assim, situam-se abaixo da média da UE. Não obstante, o número de fogos concluídos anualmente é, hoje, muito inferior ao registado no período pré-crise, o que nos indica que o setor, fortemente abalado nessa altura, não recuperou completamente.

Além disso, em 2023, menos de 3% dos fogos concluídos situavam-se nos municípios de Lisboa e Porto, onde a procura é muito alta, de acordo com “A crise na habitação nas grandes cidades”.

Mas há mais obstáculos. O licenciamento para construção e reconstrução também não tem acompanhado a pressão dos preços da habitação. Os processos são demorados e custosos.

Há mais fogos licenciados para construção, mas o número de edifícios licenciados tem-se mantido estável nos últimos seis anos e o licenciamento para reconstrução tem vindo a reduzir nas áreas metropolitanas. Há quem aponte o turismo como causador do aumento de preços a que assistimos.

Fonte: INE, Estatísticas do Turismo
Fonte: INE, Estatísticas do Turismo SIC Notícias

As cidades estão a mudar. Assistimos a um aumento da procura de casa por parte de cidadãos estrangeiros, sendo este investimento feito, sobretudo, por europeus. Mas não só.

Sabemos que o turismo, que é menos sazonal em cidades como Lisboa e Porto, se tem intensificado. Em concreto, o número de turistas que entraram em Portugal, entre 2017 e 2023, aumentou 25%.

E nas contas da habitação: mais turistas, mais alojamentos locais.

Fonte: Registo Nacional de Alojamento Local
Fonte: Registo Nacional de Alojamento Local SIC Notícias

Como resposta, o alojamento local e as plataformas digitais de arrendamento de curta-duração têm crescido e isso tem impacto nos preços da habitação. Porquê?

Porque a possibilidade de arrendar uma casa no curto-prazo por um preço mais elevado é incorporada no preço da propriedade ou da renda a longo-prazo. Esta realidade não é apenas portuguesa, é extensível a outros contextos, como é o caso, por exemplo, de Madrid.

Sabendo da importância do turismo para a nossa economia, devemos encontrar forma de acomodar esta atividade económica com as necessidades habitacionais da população.

O que deve ser feito em termos de políticas?

SIC Notícias

A Fundação tem trabalhado muito o tema da habitação e lançou em 2023, além do Barómetro de que já falámos, um policy paper com propostas concretas para resolver a crise da habitação. É preciso:

  • criar condições que permitam aumentar a oferta privada e pública de casas, nomeadamente agilizando e estabilizando o enquadramento fiscal;
  • capacitar as nossas cidades com melhores redes de transportes e serviços públicos para que as pessoas não desejem apenas viver no centro da cidade;
  • e apoiar diretamente, no curto-prazo, as famílias com mais dificuldades no acesso à habitação.