Passaram duas décadas, mas as lembranças permanecem. Mónica Ribeiro Connely tinha apenas 13 anos quando teve de enfrentar o inimaginável. Na manhã de 26 de dezembro de 2004, estava de férias com os pais num resort na Indonésia quando aconteceu o tsunami.

Mónica foi a única da família que sobreviveu. Em entrevista à SIC Notícias, relembra que quando chegou à praia o cenário que viu foi “um areal sem água nenhuma, o que era estranho, mas nós como éramos estrangeiros não sabíamos que isso não era normal”.

“Eu e o meu pai vamos passear pela areia, entretidos com os peixes que estão a saltitar por todo o lado, o que devia ter sido um sinal que a água recuou demasiado depressa não é. Entretanto, o meu pai magoou-se no pé, volta para trás, para onde a minha mãe tinha ficado com as nossas coisas e eu continuo sozinha e sem me aperceber disso estou cada vez a avançar mais para a frente até que ouço um grito. Era a minha mãe a chamar por mim".

Um grito de alerta que chegou tarde demais. Mónica explica que tanto ela como os pais tentaram fugir, mas acabaram por ser apanhados pela onda. Um momento de aflição que a obrigou a reagir de modo instintivo, sem nunca sentir medo. “Eu vejo os meus pais desaparecer atrás de mim. Quando olho para trás as pessoas são cada vez menos, só vejo água”.

“Se eu tivesse tido tempo para ter medo, sentir frustração porque não chegava à superfície, chegava e era imediatamente puxada para baixo novamente, mas nunca houve medo, frustração... nada. Era só: o que é que faço agora?”

“Eventualmente, dou por mim no ar e a olhar para baixo apercebo-me que fui projetada para um precipício. Não sei se foi o chão que desabou, se estava lá, eu só sei que estou no ar, estou a cair e a imagem que eu vejo é uma cascata de água. E nesse momento sinto medo porque não há como fugir, como nadar, como me segurar a nada”.

“Então essa foi a primeira vez que tive medo. De tal forma que eu nem senti o impacto na água”.

Durante a queda, conta que acabou por cometer um erro "crasso" que dificultou os momentos seguintes. "Gritei em plenos pulmões e depois, debaixo de água, tinha de nadar novamente e já não tinha ar nenhum nos pulmões".

“Não sei, não há como eu saber, mas provavelmente estava ainda em maior profundidade na água porque eu não chegava à superfície”.

“Isto foi também uma experiência espiritual”

Naquele momento, Mónica agarrou-se à vida. Explica que teve de fazer uma escolha e a partir daí tudo melhorou. “É nesse exato momento em que eu digo: ‘eu escolho viver’, em pensamento, que eu chego à superfície finalmente. (...) É como se tivesse criado um vácuo e apercebi-me que eu sempre tive alguém comigo e agora não tinha ninguém, estava completamente sozinha”.

"Chamei por Deus em voz alta, pedi a Deus que me salvasse, e quando o faço um cabo entre duas árvores aparece, é como se estivesse a ser iluminado e quando eu ou vejo a palavra salvação ecoa na minha mente".

Mónica diz que não sabe quanto tempo mais esteve dentro de água, apenas se lembra que aos poucos começou a avistar pessoas. Apesar de gritar, chamar por ajuda, ninguém a ouviu. Até que ao fundo um homem lhe disse para esperar.

“Não quero esperar, não consigo esperar. Tive uma sensação de urgência de que tinha de sair dali. Então acende-se uma luzinha na minha cabeça, lembro-me do cabo, agarro-me e simplesmente puxo o meu corpo dali para fora”.

E assim Mónica conseguiu chegar a terra firme.

Em terra, rodeada de tantos outros, Mónica está sozinha

Com uma magnitude superior a 9, o sismo destruiu a zona costeira de vários países como a Indonésia, Sri Lanka, Índia, Tailândia, Malásia e Bangladesh. As ondas que se seguiram, chegaram a atingir, em alguns locais, os 30 metros de altura. O tsunami causou a morte de mais de 227 mil pessoas em 14 países banhados pelo Oceano Índico.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), foi a pior tragédia natural já registada. Nesse momento, Mónica estava em Khao Lak, uma das zonas mais afetadas.

Já em segurança, um outro homem aproximou-se. Perguntou-lhe se estava bem e indicou-lhe o caminho a seguir.

“Eu estava em Khao Lak e havia uma estrada principal que estava intacta, que era onde estava o nosso resort e outros, aqueles que eram mais afastados da praia. Então eu retorno ao nosso resort, aí fico com o grupo de pessoas que lá estava e fico lá uns dias, não sei quantos dias, talvez três porque não havia eletricidade, água correntes, comunicações”.

Nesse grupo estava um casal de noruegueses que ajudou Mónica. Falaram com a embaixada e tudo ficou combinado. O próximo passo foi levar Mónica até Phuket.

“O plano era o meu tio encontrar-se comigo em Phuket e até ele chegar, porque estava na ponta oposta do globo, eu ia ficar com uns portugueses em Phuket que viviam em Macau, tal como eu e os meus pais vivíamos em Macau na altura. Levaram-me até Phuket numa carrinha e aí fiquei com esses portugueses até o meu tio chegar”.

“Foi bom voltar ao lugar onde renasci”

Chegou a Portugal a 5 de janeiro de 2005. Aqui cresceu, estudou e procurou respostas. O regresso à Tailândia aconteceu 10 anos depois. Voltou à mesma praia onde, num instante, a vida tinha mudado para sempre.

“Foi bom voltar ao lugar onde renasci. Voltei lá e senti uma paz enorme em estar ali e estar na mesma praia. Não senti medo, não senti terror, senti paz".

Hoje, passados 20 anos, Mónica vive nos Estados Unidos. Lançou o livro “Surviving a Tsunami at thirteen: A Memoir” ("Sobreviver a um tsunami aos 13 anos: um livro de memórias"), onde conta, ao pormenor, a história de como foi viver e sobreviver ao tsunami de 26 de dezembro de 2004.

“Acabou por levar muitos anos. Eu tinha já grande parte escrita. Mas lançá-lo, tirá-lo da gaveta, levou muito tempo porque tinha muito receio do que as pessoas iam pensar. (...) Eu sentia que se fosse para escrever um livro tinha de ser a verdade, toda a verdade, conforme eu me lembro. (...) Havia outras pessoas que já tinham contado a minha história, mas não a tinham contado bem. Tinha de ser eu".

“Por um lado, é bom ter a minha história relatada de forma correta. Como eu me lembro, como eu me senti, mas, por outro lado, continua a ser assustador a tal parte sobre o que as pessoas vão pensar. Mas eu tento não pensar nisso ao máximo”, acrescenta Mónica.