Ruben Amorim tem andado a levitar. Há estudos científicos assinados pelos investigadores mais conceituados da Universidade da Evidência que comprovam que está feliz. Elogiam-lhe o sorriso compulsivo que escapa ao domínio de quem cumpriu um objetivo de carreira. Mas esses são sintomas que uma paixão recente. Se lhe perguntarem, certamente que em algum momento desde que chegou a Manchester sentiu borboletas na barriga. Não parece ter retraído nenhum desses sentimentos. Aliás, até os utilizou para galvanizar os red devils. Só que há um momento em que, para garantir que a relação dura, é necessário cumprir o propósito da união.
Assim que ocupou o seu lugar na linha lateral, Amorim bloqueou os elevadores dos cantos da boca, trancou o coração a sete chaves e pôs mãos à obra. O efeito animador da sua contratação esfumar-se-ia com um desaire em Portman Road, contra o Ipswich, e o próprio sabia disso.
O técnico de 39 anos manteve-se fiel ao 3X4X3 que assumiu como uma cicatriz no corpo desde que começou a dar nas vistas como treinador. Não estando o plantel do Manchester United montado para corresponder às exigências do sistema, o treinador subjugou as características de alguns jogadores à vontade de implementar a sua própria ideia.
Desde logo, o técnico português tinha apenas dois centrais disponíveis na ficha de jogo (De Ligt e Jonny Evans). Para completar o trio, teve que solicitar o recuo de Mazraoui. Jonny Evans, no topo dos maturados 36 anos, pode até servir como o líder silencioso, à semelhança do que foi, por exemplo, Neto no Sporting. Porém, diante do Ipswich teve que se fazer ouvir dentro do campo.
Diogo Dalot e Bruno Fernandes, os compinchas lusos, foram ambos titulares, também eles expostos a tarefas que contradizem a natureza das suas características. O destro Dalot atuou como lateral-esquerdo, enquanto que Bruno Fernandes ficou de fora da dupla do meio-campo, desempenhando servilmente o papel de falso extremo, sobre a direita, num ataque encabeçado por Marcus Rashford, ao centro, e que também contou com Garnacho.
Quem se podia pensar em ser beneficiado com a chegada de Ruben Amorim era Manuel Ugarte. Acontece que, na 12.ª jornada da Premier League, o uruguaio ficou no banco com Casemiro e Christian Eriksen a serem os protagonistas no setor intermédio.
A estreia de Ruben Amorim tinha apenas dois minutos até que lhe foi retirada a película de nervosismo. Amad Diallo, com um puxão repentino, arrastou o Manchester United para a frente. Dos vários jogadores que chegaram à grande área e aos quais podia ter sido entregue aquela encomenda, foi em Marcus Rashford que caiu o cruzamento. Um início idílico com o qual Amorim nem pestanejou, parecendo adivinhar as dificuldades que se iam seguir.
O Manchester United demorou a conseguir prolongar a posse de bola perante um adversário que mostrou igualmente vontade de a ter e de pressionar. Na realidade, os red devils nunca conseguiram impedir que o Ipswich dividisse o jogo. Embora tenha sido Liam Delap a obrigar André Onana a duas defesas espetaculares, foi Omari Hutchinson, também em bom plano, a marcar para o Ipswich com um remate em arco indefensável para o guarda-redes camaronês.
Ruben Amorim começou o carrossel de substituições em busca de impor com maior veemência o estilo que pretende. Ainda assim, voltou a notar-se a falta de recursos no setor recuado. O ex-treinador do Sporting lançou Luke Shaw para o lugar de Jonny Evans, acabando a jogar com apenas um central de origem.
Também Manuel Ugarte foi opção para a segunda parte, período em que Garnacho se afirmou como o jogador com mais argumentos para lançar transições. Na reta final, o argentino teve a companhia de Rasmus Højlund e Joshua Zirkzee num ataque sem fulgor para oferecer a vitória.
Apesar de tudo, aproveitando os resultados positivos por Ruud van Nistelrooy, bastou um empate a Ruben Amorim para ficar associado ao melhor momento da temporada dos red devils. Pela primeira vez esta época, o Manchester United conseguiu um ciclo de cinco jogos sem perder. Não será um grande motivo de festa.