O Mónaco é um local muito particular. Não é bem francês, embora rodeado por esse país, nem italiano, apesar da ligação histórica. Também não é russo nem catari, por mais que a torneira do megalómano investimento se mantenha aberta. É por definição monegasco, mas esse gentílico está carregado de uma exclusividade que não descreve totalmente um lugar tão multinacional como as empresas lá sediadas.

Portugal é uma das nações mais representadas. Mais de cinco mil portugueses trabalham no Principado, embora na maior parte dos casos a tal exclusividade (leia-se €xclusividade) empurre a sua residência para uma das três localidades francesas que aconchegam o microestado: Beausoleil, Cap-d'Ail e Roquebrune.

As fronteiras inicialmente parecem invisíveis, mas em poucas horas o olho fica treinado. É tudo muito óbvio, na realidade. Se houver um excesso de guardas fardados, alcatrão recém-renovado e uma loja da Dior, é o Mónaco; se em vez disso as ruas albergarem cafés, restaurantes e lojas mais ac€ssíveis, então está em França

Mesmo para quem não fala francês, este menu não engana! @ZEROZERO - Ricardo Miguel Gonçalves
Saliente-se, no entanto, que é uma França em que na maioria dos estabelecimentos os miúdos bebem Compal e os graúdos têm Super Bock ou Sagres à disposição. Havia até uma sucursal de um banco português no coração do Mónaco, mas esta decidiu migrar (uns metros) para o território francês - o espaço que antes ocupava é agora uma loja da Montblanc. Não é um dado particularmente interessante, mas é elucidativo.

«Se há uma grua, há lá portugueses a trabalhar». Esta é a máxima mais do que uma vez empregue em conversa com o jornalista enviado pelo zerozero [aqui justifica-se um agradecimento a Carlos Ferreira, que gentilmente foi guia da portugalidade]. A frase vale muito, tendo em conta que o horizonte monegasco está carregado dessas gruas. E embora a construção civil seja historicamente um dos ofícios do emigrante português, esta comunidade é tão grande e versátil que pareceu autossuficiente. A esmagadora maioria é fluente em francês mas, se assim quiser, pode passar uma semana inteira sem nunca fugir à língua-mãe.

Adeptos benfiquistas não vieram de longe

A comunidade portuguesa é tão prevalente em Beausoleil que há até um português, Jorge Gomes, a fazer campanha para chefiar a autarquia local - o próprio há uns anos fez o retrato de uma diáspora que não para de crescer.

Depois de almoço, na esplanada do «Lusitano» @ZEROZERO - Ricardo Miguel Gonçalves
Essa localidade, tão facilmente confundida com território monegasco, está carregada de estabelecimentos geridos por portugueses. Para o almoço, este jornalista foi até ao «Brasas», um dos vários restaurantes portugueses, e lá não encontrou uma única palavra noutro idioma. Mesas carregadas de benfiquistas, mas muitos deles residentes e outros vinham de outras localidades francesas. Não é difícil afirmar com total certeza que o jogo desta noite terá nas bancadas mais emigrantes do que benfiquistas que viajaram desde Portugal.

Depois do almoço, mais do mesmo. Um café «Lusitano» (é mesmo esse o nome) rematou refeição e ainda alimentou esta prosa com um par de histórias das que só surgem na voz de que acompanha a cafeína com aguardente. Histórias como a dos 30 portugueses que acabaram a noite de 26 de maio de 2004 fechados numa esquadra monegasca por terem vagueado o Mónaco, rival do dia, em efusiva celebração de um FC Porto campeão europeu; ou o facto da avenida do tal café (Camille Blanc) ter sido já mais do que uma vez encerrada em dias com potencial para festas semelhantes.

Nada disto é surpreendente, mas não deixa de dar aquela sensação acolhedora. Mesmo num rochedo célebre por outras nacionalidades e valores que em parte contrastam com os lusos, a bandeira portuguesa arranja sempre forma de voar orgulhosa.

Uma paisagem rica em todos os sentidos, incluindo no número de gruas... @ZEROZERO - Ricardo Miguel Gonçalves


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