Surpresa. Esperava-se que a 144.ª sessão do Comité Olímpico Internacional (COI) fosse palco de uma longa votação, de um processo demorado, uma tarde helénica de dúvida e incerteza quanto ao novo dono de um dos assentos mais importantes do desporto mundial.

Mas não. Foi tudo decidido rapidamente, à primeira, contra todos os prognósticos. Era preciso maioria absoluta e foi isso que Kirsty Coventry, do Zimbabué, obteve.

É a 10.ª líder nos 130 anos de existência do COI. Como termo de comparação, houve 11 Papas no mesmo período. Coventry, antiga nadadora que competiu nos Jogos de 2000, 2004, 2008, 2012 e 2016, sucede a Thomas Bach, que deixa as funções depois de 12 anos no cargo, passando a ser "presidente honorário vitalício".

Numa instituição muito apegada a velhas tradições, usos e costumes, o processo de escolha do presidente assemelha-se ao conclave de cardeais que se reúne no Vaticano. Os membros do COI — ao todo são 109, entre 43 antigos atletas, políticos, membros da realeza, bilionários e até uma atriz vencedora de óscar, Michelle Yeoh — reúnem-se numa sala, tendo de entregar os seus aparelhos eletrónicos, incluindo telemóveis, previamente. Só membros do COI e os escrutinadores podem estar na sala.

Estavam aptos para votar 106 dos 109 membros. Na primeira volta, só 99 podiam, efetivamente, votar, já que os integrantes do COI que tenham compatriotas em disputa pela eleição estão proibidos de participarem até que esses compatriotas saiam da corrida.

Havia sete concorrentes. O britânico Sebastian Coe, duplo campeão olímpico dos 1.500 metros, líder dos Jogos de Londres 2012 e presidente da federação internacional de atletismo, era um dos três favoritos, juntamente com a própria Coventry e o espanhol Juan Antonio Samaranch Jr., filho do presidente do COI entre 1980 e 2021. Feisal Al Hussein, um príncipe da Jordânia, David Lappartient, francês que preside à União Ciclista Internacional, Johan Eliasch, cidadão britânico que preside à federação internacional de esqui e snowboard, e o japonês Morinari Watanabe, responsável pela federação internacional de ginástica, tinham poucas ou nenhumas hipóteses.

Esperava-se um embate renhido. Samaranch e, sobretudo, Coventry, representavam a continuidade. Coe era símbolo de rotura, já que é conhecida a animosidade entre o britânico e Bach. Surpreendentemente, a longa tarde eleitoral foi decidida à primeira ronda.

Dos 99 possíveis votos, 97 foram declarados válidos. Para alguém triunfar à primeira, eram precisos 49 votos. Foi isso que a vencedora teve. Juan Antonio Samaranch somou 28 votos, Coe reuniu oito votos, com quatro para Lappartient e para Watanabe. Al Hussein teve dois votos, tal como Johan Eliasch.

Bach mostra o papel com o nome de Coventry como vencedora
Bach mostra o papel com o nome de Coventry como vencedora Milos Bicanski

Coventry recebe um mandato de oito anos num ambiente de luxo. A sessão do COI decorre num resort em Costa Navarino, na Grécia, perto de Olímpia, o local de criação dos Jogos da antiguidade. No hotel de cinco estrelas onde a antiga nadadora foi eleita há 131 piscinas de borda infinita, campos de golfe, escorregas de água. Simultaneamente à elite do olimpismo, também estão lá alojados Christopher Nolan, Matt Damon, Anne Hathaway e a restante equipa que se encontra a gravar um filme sobre a "Odisseia", de Homero.

Todo o processo de eleição — o luxo envolvente, os poucos membros do COI, a proibição de haver apoios públicos, sendo tudo feito nos bastidores — levou a críticas pela opacidade. Qualquer um dos três favoritos tinha boas opções de vencer, mas ninguém esperava uma tarde eleitoral tão curta.

Mnangagwa, Trump, Bach

Kirsty Coventry ascende à cadeira de poder do COI quebrando vários recordes de uma vez. É a primeira mulher a chegar à presidência e a primeira pessoa vinda de África. Até agora, o único não europeu fora o norte-americano Avery Brundage, entre 1952 e 1972.

De 41 anos, é, também, a mais nova presidente do Comité desde Pierre de Coubertin, o pai dos Jogos modernos, eleito, em 1986, com somente 33 anos.

Natural de Harare, capital do Zimbabué, Coventry foi estudar e nadar para a universidade de Auburn, no Alabama. Estreou-se em Jogos aos 17 anos, em Sydney 2000, a primeira de cinco experiências olímpicas. Venceria sete medalhas, sobretudo em costas, estilo no qual ganhou o ouro nos 200 metros em Atenas e Pequim. Arrecadou, igualmente, 13 medalhas em Mundiais.

Depois de vencer quatro medalhas em Pequim 2008, Coventry foi classificada como "a rapariga de ouro do Zimbabué" pelo então presidente Robert Mugabe, que lhe ofereceu, pessoalmente, 100 mil dólares em dinheiro vivo. Passados 10 anos, Coventry chegaria ao executivo do seu país.

A retirada nadadora é, desde 2018, ministra do desporto, juventude e artes. Faz, portanto, parte do governo de Emerson Mnangagwa, presidente muito criticado por alegada corrupção, fraude eleitoral e alegações de abusos de direitos humanos. Em 2022, devido a intervenção governamental na federação de futebol, a FIFA suspendeu a seleção do Zimbabué, que esteve impedida de competir durante 18 meses.

Coventry venceu sete medalhas olímpicas, duas de ouro
Coventry venceu sete medalhas olímpicas, duas de ouro Shaun Botterill

Presidente da comissão de atletas olímpicos do COI, o documento da candidatura de Coventry reúne uma série de ideias, a maior parte delas vagas. "Aproveitar o poder do desporto", "colaborar e cooperar", "desenvolver parcerias para o crescimento mútuo", "promover o desenvolvimento sustentável" e "avançar na credibilidade e confiança" são as "cinco prioridades" da nova presidente.

Espera-se que Coventry dê continuidade à linha recente de Bach, que tinha na antiga nadadora a sua sucessora preferida. A bicampeã olímpica terá vários desafios em mãos, alguns deles diretamente relacionados com o anfitrião dos próximos Jogos de verão.

Donald Trump já fez várias garantias quanto a LA 2028. Entre elas, está a promessa, feita durante a recente campanha eleitoral, de negar visto para atletas transgénero que queiram estar nos EUA para competir enquanto mulheres nos Jogos. Trump disse mesmo que "não permitirá que homens batam em mulheres em recintos olímpicos", numa referência a Imane Khelif, a mulher cujas prestações em Paris se tornaram motivo de polémica.

Numa das suas últimas declarações antes destas eleições, Thomas Bach, presidente cessante, disse que a polémica em torno de Khelif foi "resultado de uma campanha de fake news vinda da Rússia". Com Bach, a política do COI foi permitir que cada federação internacional definisse as suas regras de elegibilidade.

Outro tema sensível com o qual Coventry poderá ter de lidar é uma possível reintegração da Rússia no movimento olímpico. Recorde-se que as seleções russas têm estado afastadas desde a invasão em larga escala da Ucrânia, em 2022, mas alguns analistas apontam que um eventual regresso dos russos possa já ter sido discutido entre o Kremlin e a Casa Branca de Trump.

Seja como for, a presidência de Coventry é já histórica. Depois de Demetrius Vikelas (1894-1896), Pierre de Coubertin (1896-1925), Henri de Baillet-Latour (1925-1942), Sigfrid Edström (1946-1952), Avery Brundage (1952-1972), Michael Morris (1972-1980), Juan Antonio Samaranch (1980-2001), Jacques Roge (2001-2013) e Thomas Bach (2013-2025), a 10.ª líder do COI é, pela primeira vez, uma mulher.