Game, set and match. Desta vez, em definitivo.

“Olá a todos. Estou aqui para comunicar-vos que me retiro do ténis profissional”.

É assim, juntando palavras que todos sabiam que estavam para breve, mas que ninguém sabia exatamente quando seriam ditas, que Rafael Nadal comunicou o fim de uma das carreiras mais brilhantes do desporto mundial.

Adiós.

“Nesta vida tudo tem um princípio e um fim. É o momento adequado para colocar um ponto final”, diz o espanhol, que construiu uma carreira que teve “muito mais êxito” do que o próprio “alguma vez imaginou”. A despedida será na Taça Davis, cujo título se decide entre 19 e 24 de novembro em Málaga.

Nadal retira-se como um dos mais laureados desportistas da história, um exemplo de superação e resistência, uma força da natureza de mentalidade invulgar. Só um tenista assim poderia conviver com a mestria de Federer e com a polivalência universal de Djokovic e, mesmo assim, apresentar uma sala de troféus tão recheada.

22 títulos de Grand Slam, só atrás, entre os homens, dos 24 de Novak Djokovic. 14 triunfos em Roland-Garros, onde tem uma estátua que o eterniza, símbolo do melhor tenista de sempre em terra batida. Em maio de 2008, Nicolás Almagro, impotente perante a mestria do balear em Paris, profetizou que Rafa ia “ganhar Roland-Garros 40 anos seguidos”, prognosticando que o espanhol teria “65 anos e continuaria” a vencer na catedral da terra batida.

Não foram 40 anos, mas foram quase duas décadas em que dizer ténis de terra batida era dizer Rafa Nadal, em que o pó de tijolo se confundia com a pele do espanhol, quase como camada indissociável do seu ser. Poucas relações na história do desporto foram tão gloriosas como a de Rafael com o Court Philippe-Chatrier, ao ponto de ouvir o speaker do estádio anunciar o seu nome ser, só por si, um acontecimento.

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Mas não houve só a glória na terra batida. Houve duas vitórias em Wimbledon e na Austrália. Quatro no US Open.

Medalha de ouro em Jogos Olímpicos, tanto em singulares como em pares. Cinco Taças Davis. Poucos seres humanos saberão tão bem o que é ganhar tanto durante tanto tempo como o unanimemente considerado como o melhor desportista espanhol de sempre.

Mas o legado de Rafa não se mede só através deste profundo mergulho nas águas do triunfo. No vídeo de despedida, Nadal agradece aos “companheiros” de profissão, sobretudo “aos grandes rivais”. “Passei muitas horas com eles, vivi muitos momentos que recordarei para o resto da minha vida”, palavras que são acompanhadas por imagens de Federer e Djokovic.

Mais do que a acumulação de êxitos, além do domínio de uma superfície e da capacidade de também vencer noutras, talvez seja a rivalidade com Federer e Djokovic que ficará como a maior herança de Nadal para a história do desporto. O big three foi um anormal domínio a três, um conjunto de predadores que dominou uma modalidade planetária como pouco se viu, mas também um exemplo de desportivismo, de rivalidade sã, de lendas a puxarem-se umas às outras, indo além dos limites do que se julgava humano.

Na verdade, tanta longevidade leva a que pensar em Nadal seja pensar em diversos Rafas. O adolescente que apareceu em Roland-Garros de braços descobertos, todo ele fúria e ímpeto, travando o ténis celestial de Roger Federer; o jovem adulto que, adaptando-se e melhorando, roubou Wimbledon ao suíço em 2008, um triunfo contra o mestre na casa do mestre; o resiliente que voltou sempre depois de lesões, lutando contra o seu corpo, lutando contra o tempo, lutando contra a lógica da mesma forma que desafia a lógica indo buscar bolas impossíveis, viajando de uma extremidade à outra do court como um condenado a fazê-lo para toda a eternidade.

Depois de tantos anos a desafiar o tempo, o tempo disse basta. Rafael disse basta.

“Os últimos dois anos foram especialmente difíceis”, confessa, porque não conseguiu “jogar sem limitações”. Com um corpo massacrado por décadas de atividade física intensa, as cirurgias a que já foi sujeito — apendicite, tornozelo, joelho, anca — juntaram-se ao síndrome Müller-Weiss, o qual lhe degenera, desde os seus vinte e poucos anos, o pé, forçando-o a, basicamente, não se lembrar do que é jogar sem dores.

Em 2023, decidiu deixar, durante alguns meses, o circuito, preparando-se para se retirar, nos seus termos, em 2024. Regressou em janeiro, mas a temporada tem sido difícil, começando logo com uma lesão muscular que o fez falhar o Open da Austrália, dando o tom para uma campanha de ausências: ausência de Indian Wells, ausência de Wimbledon, ausência do US Open. A última final foi em julho, curiosamente perdida contra Nuno Borges.

No adeus, Nadal agradece à mãe por “todos os sacrifícios”, ao pai por ter sido “uma fonte de inspiração em todos os sentidos”, à mulher por ser a “companheira da viagem perfeita” e, claro, ao tio, Toni, seu grande mentor, a “razão pela qual” começou “a jogar ténis”.

Game, set and match. Fecha-se a história de Rafa, a lenda Nadal, rei da terra batida, o homem que contrariou Federer quando parecia impossível derrotar a perfeição feita tenista, o competidor que foi aos limites com Djokovic.

Rafael Nadal Parera, sinónimo de “competitividade” e “grandeza”. “Saio com a tranquilidade de ter dado o máximo, de me ter esforçado em todos os sentidos. Só posso acabar dizendo muito obrigado a todos. E até já”.