Há 15 anos, ter Lindsey Vonn como forerunner de uma prova de esqui alpino poderia ser visto como uma piada ou uma qualquer partida muito engraçada. O forerunner é o atleta que desce a pista antes do início oficial da competição, que testa as condições para confirmar que tudo está em conformidade, que “machuca” a neve para que os primeiros atletas não tenham uma vantagem competitiva sobre os demais. Como uma espécie de piloto de testes numa prova de automobilismo.
No último fim de semana, na Taça do Mundo de Beaver Creek, no Colorado, Lindsey Vonn foi esse piloto de testes. Aqui, mais do que tentar perceber as condições da pista, Vonn tentou humildemente, neste papel secundário, perceber-se a si própria. Afastada da competição desde 2019, uma das melhores esquiadoras da história - e talvez a mais mediática de sempre - assumiu nas últimas semanas, aos 40 anos, a vontade de voltar a montar os esquis e descer montanhas a alta velocidade de forma profissional. O teste de Beaver Creek deu-lhe as certezas que buscava: no sábado e no domingo, Lindsey Vonn voltará oficialmente a competir em Taças do Mundo de esqui alpino, no downhill e no Super G da etapa de St. Moritz, na Suíça.
Tudo acontece oito meses depois de uma operação que mudou a vida da esquiadora norte-americana. Em abril, Vonn substituiu parte dos ossos do joelho direito por elementos de titânio, o que lhe permitiu deixar de sentir dor permanente, a mesma que, em 2019, a levou à retirada. E se inicialmente a ideia seria apenas voltar a ter uma vida ativa, sem a aflição das marcas de guerra, o sucesso da cirurgia e da recuperação trouxeram de novo a vontade competitiva que fez de Vonn uma das mais decoradas esquiadoras de sempre.
“Não demorou muito tempo depois da cirurgia até começar a fazer coisas que não conseguia fazer há anos. Sinto-me mais forte agora do que no final dos meus 20s”, sublinhou durante uma conferência de imprensa da seleção norte-americana de esqui alpino, onde confessou que viver sem dor é “um mundo novo” para si.
Recordes e expectativas
Quando deixou as pistas de neve, a atleta natural do Minnesota, mas que cedo se mudou para o Colorado para se dedicar ao esqui, tinha vários recordes em seu nome. Era a mulher com mais vitórias em Taças do Mundo (82), feito posteriormente ultrapassado pela compatriota Mikaela Shiffrin, que já vai em 99 triunfos. Ainda é a esquiadora, em ambos os géneros, com mais vitórias em Taças do Mundo de downhill (43) e Super G (28), as mais rápidas da modalidade.
Os 20 globos de cristal, entregues aos campeões das várias disciplinas do esqui alpino e ao vencedor da classificação global a cada ano, são também um recorde. Só no downhill foram oito vitórias, mais cinco no Super G, outras quatro na classificação global. Ganhou o seu último globo de ouro em 2016, quando prevaleceu no downhill, o seu grande amor.
Nos Jogos Olímpicos de Inverno de Vancouver 2010, tornou-se na primeira norte-americana a sagrar-se campeã olímpica de downhill. As várias lesões e operações ao joelho encurtaram a carreira de Vonn, que confessou que os “últimos dois anos” já foram feitos em “modo de sobrevivência”.
Agora, Vonn garante que o regresso não será um simples passeio na montanha e assegura que tem “objetivos e expectativas”. Para já, está a tentar “ser o mais paciente possível” consigo mesma. “Estou a ir passo a passo, sem saltar qualquer etapa. Sei que vou demorar uma corrida ou duas até voltar a um nível competitivo, mas certamente que pretendo voltar ao meu nível de antigamente”, garantiu. Em St. Moritz, Vonn vai competir com um wildcard.
“Sinto as borboletas de entusiasmo e isso é divertido. Adoro esse sentimento. Gosto de estar na partida, de ouvir a contagem do tempo”, disse aos jornalistas antes de partir como forerunner em Beaver Creek, onde pareceu rápida, leve e ágil. Talvez não como nos anos áureos entre 2008 e 2012, em que foi sem dúvida a grande dominadora da velocidade na neve, mas suficiente para deixar em sentido a concorrência. Vonn acredita que na última descida que fez como forerunner já esteve a perto de 90% da sua capacidade.
Presente, mas de olha em Cortina
Lindsey Vonn diz estar apenas “a viver o presente”, mas o nome Cortina d’Ampezzo tem peso. É na estância italiana, que tem um papel indelével na carreira da norte-americana, que se vão realizar os Jogos Olímpicos de 2026, que podem tornar-se num objetivo caso o regresso corra sobre esquis.
“Cortina é um sítio muito especial para mim. Foi lá que consegui o meu primeiro pódio [em 2004], onde bati o recorde [de mais vitórias em downhill]. Num mundo perfeito, seria incrível estar lá. Mas o caminho é longo até Cortina. Por isso é preciso pôr travões nas minhas expectativas e tentar estar focada no hoje e ver onde ele me pode levar”, sublinhou.
Estar nos Jogos Olímpicos de 2026 também amansaria o amargo de boca que viveu na pista italiana: foi aí que teve a sua última presença numa Taça do Mundo, em janeiro de 2019, numa prova que não conseguiria terminar. O adeus - não definitivo, agora sabemos -, aconteceu um mês depois, nos Campeonatos do Mundo, na Suécia, onde ainda conquistou o bronze no downhill.