Da crise à esperança está uma distância tão curta quanto 90 minutos. O Benfica estava desmoralizado após duas derrotas consecutivas, marcadas por exibições abaixo do esperado – e primeiras partes perto do deprimente – e entrava em campo, diante de um Braga que se superiorizou na Luz, com muitas dúvidas acima. Numa altura em que a desconfiança e a impaciência aumentavam de tom, era preciso uma vitória contundente para afastar os assobios, as exclamações e os lenços mais ou menos brancos (mesmo que figurativos) que os últimos dias trouxeram.
O Benfica entrava em campo muito pressionado, mas deu a resposta que se exigia e fez o melhor jogo nas últimas semanas. Depois da goleada diante do Estrela da Amadora (7-0 na Taça de Portugal), os encarnados entraram numa espiral de desinspiração, de resultados tangenciais e de baixas exibicionais. A diferença de qualidade individual foi permitindo mascarar os problemas das águias, muitas vezes ocultados por Bruno Lage – que foi exibindo uma realidade paralela e um mundo de sonhos com pégasos e unicórnios – e, de um momento para o outro, mudou a realidade encarnada.
Pelo contexto, a Taça da Liga apareceu num momento chave e a exibição do Benfica, a melhor nas últimas semanas, permitiu abrir caminho a uma nova reconciliação e descortinou vias para Bruno Lage melhorar a equipa. O treinador não é o único culpado pelo momento de quebra vermelho e branco, mas em muitos momentos exigiu-se uma capacidade de interpretação e leitura do jogo e, principalmente, uma confiança no plantel, agarrando jogadores que podem assumir-se como importantes e deixando cair aqueles que caíram de rendimento. Há motivos que podem levar Bruno Lage a sorrir, especialmente se o balão de oxigénio em força de taça for erguido no sábado. Até lá, ficam vários motivos que justificam a boa exibição do Benfica.
Desde logo, e numa equipa em que as individualidades são priorizadas face ao coletivo, a exibição de Ángel Di María foi arrebatadora. Sobre o argentino é preciso desmitificar um mito que, aqui e ali, tem sido reproduzido tentando diminuir o plantel do argentino. É impossível exigir ao Benfica que jogue da mesma maneira com ou sem Di María, porque o talento do argentino abre possibilidades que mais nenhum jogador do plantel é capaz de abrir. Enquadrá-lo, não é um fado infeliz, mas uma possibilidade arrebatadora. A questão não está em priorizar o individual face ao coletivo, mas sim em, através do coletivo, encontrar soluções que permitam trazer o melhor das individualidades.
Ao Benfica não se pede que ignore Ángel Di María, mas sim que, quando em situações de aperto, não tenha o argentino como a única solução para mudar jogos. O talento de Fideo vai fazê-lo por vezes (como já aconteceu no Mónaco, por exemplo), mas noutras tantas não será suficiente. E aí sim, é preciso que as soluções coletivas o enquadrem, porque abdicar da multiplicidade de artimanhas do argentino é errado e o livro que Di María abriu em Leiria evidencia-o.
É um jogador que não pode estar preso ao corredor direito e que, nesta fase da carreira, se destaca mais pelo passe do que pelo drible. Por estas razões, sempre que pode pisar o corredor central, ganha outra dimensão no seu jogo. Funcionou como um elemento a mais na criação, procurando receber por dentro, no espaço deixado livre pelas marcações do Braga e dando sequência aos lances, permitindo posses mais longas e decisões mais criativas. Na área, continua a ser um jogador com recursos técnicos – a finta de corpo no primeiro, o toque seco e limpo na bola no terceiro – que o tornam um definidor de qualidade. No dia em que Ángel Di María for apenas um problema, o futebol ficará menos bonito. O que está longe de ser sinónimo de ter de jogar sempre e, principalmente, da forma como muitas vezes tem sido enquadrado.
Uma das razões que permitiu a contexto coletivo ideal para Ángel Di María brilhar foi o envolvimento dos laterais. Tomás Araújo voltou a colar-se à linha, mas foi-lhe dada liberdade para se projetar no terreno, ocupando a faixa e potenciando combinações. É um jogador com um nível associativo muito apurado e facilidade em ligar-se com os colegas. Será sempre mais forte como defesa central, onde ganha outra abrangência e possibilidades no passe e em condução, mas, numa equipa com menos opções nos lados da defesa, pode ter um papel interessante. À esquerda, Álvaro Carreras voltou a fazer uma exibição impactante. A forma como tanto rende como lateral baixo e como lateral mais profundo, projetando-se no corredor ou por dentro, permite múltiplas soluções e planos ao treinador das águias.
À sua frente, o espanhol contou com Andreas Schjelderup em bom plano. Beirava o inexplicável os poucos minutos que o norueguês, numa equipa com défice criativo, somava nesta temporada. Se na primeira parte fez um jogo discreto, tomando menos risco e efetuando as ações mais simples, na segunda ganhou outra confiança para espalhar ousadia e irreverência em ações. É um jogador muito hábil em espaços curtos, com capacidade no drible e que jogando por dentro, se torna mais surpreendente.
Mais do que um titular indiscutível, o Benfica tem três soluções diferentes para jogar como extremo esquerdo: um driblador e criativo como Andreas Schjelderup (e que nunca se diga que os criativos não defendem), um jogador muito objetivo e com senso de baliza como Kerem Akturkoglu e um cruzador como Jan-Niklas Beste. O perfil indicado pode variar de jogo para jogo, mas para uma equipa grande como o Benfica, é óbvio qual o que mais soluções oferece. Importa apenas que todos, realmente, contem e que não se procure espremer jogadores que deixaram de oferecer o mesmo rendimento.
Como elemento de ligação, o jogo de Vangelis Pavlidis é de manual. Haverá poucas partidas tão claras para falar nos principais méritos e deméritos do avançado grego que voltou a fazer uma partida algo desastrosa no que toca aos golos – e coroada pelo lance com Andreas Schjelderup, qual Nani e Cristiano Ronaldo – e muito competente aproximando a equipa. Os golos foram de Ángel Di María, mas as ações técnicas do grego, jogando fora da área e descortinando o sítio e o timing certo para colocar o passe mudaram o jogo.
Olhando para o jogo quando o grego pega na bola e quando outro jogador a recebe permite ver o seu impacto em campo. Abre o campo com o passe, sabe usar o corpo para ganhar vantagens e tem noção dos timings e ritmos do jogo. A falta de golos tem de ser analisada e considerada, mas nunca poderá toldar e levar a ignorar tudo o que também oferece ao jogo nas outras dimensões. Nunca será um ponta de lança autossuficiente, como os rivais, mas quando o coletivo está bem, somará sempre várias ações impactantes.
Para a aproximação do Benfica à baliza adversária, importa ainda destacar o papel multidimensional de Orkun Kokçu. Foi um erro colocar o turco como um 6 posicional responsável pelos equilíbrios apenas para tentar destacar os atributos do jogador no passe. Desta feita, ficou fora das missões de coberturas defensivas e preenchimento do meio-campo defensivo e viu o seu impacto crescer, até porque o Benfica passou muito mais tempo com bola do que a correr atrás desta.
Tanto baixou para a linhas dos centrais, mais descaído para o lado esquerdo, assumindo o jogo desde trás e distribuindo passes, numa função que, mesmo não sendo a sua, tem de cumprir por não haver quem o faça no plantel, como gozou de liberdade para jogar dentro do bloco adversário, mais perto da área adversária onde pode fazer a diferença. Tem argumentos no último passe e no remate de fora de área que têm de ser mais enquadrados e destacados e que esta função multidimensional, podem casar com o impacto em zonas mais recuadas.
Por fim, e como nenhuma equipa joga sozinha, importa falar nos deméritos do Braga que, depois da performance impositiva na Luz, arrastou-se como uma sombra durante 90 minutos. A irregularidade que marca não só a época do Braga, como os últimos anos do clube, tem limitado a ambição dos arsenalistas em reduzir o espaço para os três crónicos candidatos a todos os títulos.
O nível defensivo individual é muito abaixo do mínimo exigido, mas há desorganizações e comportamentos coletivos que não ajudam o Braga a ganhar solidez. Tão importante quanto a quantidade de espaço deixado atrás, foi a incapacidade da equipa de Carlos Carvalhal gerar a mínima situação de perigo. O Benfica não precisou de adequar a forma como atacou porque nunca foi obrigado a defender e esteve sempre muito confortável em campo.
Depois da capacidade demonstrada na Luz para sair de forma rápida e acionar Fran Navarro de forma direta ou Bruma por dentro, no espaço livre, o Braga não teve qualquer solução para incomodar o Benfica. O meio-campo, pensado a partir do momento defensivo e com características mais físicas que técnicas, também não acrescentou em nenhum momento e o Braga nunca entrou verdadeiramente no jogo. Não que retire mérito às águias, mas, pelo menos, facilitou a missão.
Se o Benfica reencontrou o Braga apenas quatro dias depois, o novo duelo com o Sporting tem apenas 13 dias de intervalo para o anterior confronto, que iniciou o momento turbulento das águias. A resposta será dada no próximo sábado, dia 11 de janeiro, numa final da Taça da Liga em que qualquer derrota terá um peso incomensuravelmente superior a uma vitória.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: À semelhança do último jogo com o Benfica lanca a dupla Vítor Carvalho – Gorby no meio-campo. O que pretendia com esta junção e sente que ofensivamente, a nível de criatividade e capacidade de ligação de setores, o jogo do Braga fica de certa forma afetado por dois jogadores com um perfil mais defensivo?
Carlos Carvalhal: Não, o Gorby não tem uma propensão defensiva, de forma alguma. Nunca meto o Gorby a 6. Ele sai da posição, vai pressionar à frente, tenta quebrar linhas. Não posso concordar nesse aspeto porque são jogadores de características totalmente diferentes. Inclusivamente, o Vítor [Carvalho] quando joga com um jogador como o Gorby também consegue atacar e subir linhas. Respondo-lhe que jogaram os dois no último jogo na Luz e ganhámos e estávamos a ganhar ao intervalo, quando o Gorby teve de sair por ter cartão amarelo. Tivemos a criatividade suficiente para fazer golos e ser competitivos. São dois jogadores de equilíbrio, que sabem jogar e fundamentalmente o Gorby sabe quebrar linhas também. Dão segurança no meio-campo.
Bruno Lage: Não foi dada possibilidade ao Bola na Rede de colocar uma questão ao treinador do Benfica.