Era muito mais do que uma final. A meio da temporada, separados por três pontos no Campeonato e já com mudanças no comando técnico dos dois lados, Sporting e Benfica olhavam para a Taça da Liga com a certeza de que uma vitória significava muito mais do mais um troféu no museu. Era uma confirmação de superioridade, de confiança e, digamos assim, de uma boa saúde, após a época festiva.
Assim, e sem Matheus Reis e Hidemasa Morita, que saíram lesionados da meia-final contra o FC Porto, Rui Borges lançava João Simões no meio-campo e Maxi Araújo na esquerda da defesa, com Geovany Quenda a recuperar a titularidade. Iván Fresneda, que começou de início com os dragões, perdia o lugar na direita para Eduardo Quaresma, por ter passado uma “noite atribulada”.
No Benfica, Bruno Lage mantinha a aposta em Andreas Schjelderup e repetia o onze que venceu o SC Braga, com Tomás Araújo a surgir novamente como lateral-direito e António Silva ao lado de Otamendi.
Esquema habitual do Benfica, com Vangelis Pavlidis como homem mais adiantado, frente ao 4-2-3-1 dos leões – Viktor Gyokeres era o homem de referência, desta feita sem apoio tão próximo de Trincão. A primeira parte da final deixou literalmente água na boca, tantas foram as incursões de ambas as equipas na primeira parte. Um jogo intenso, de parada e resposta, dando a sensação que o golo poderia surgir em ambas as balizas.
Dando sequência ao bonito espetáculo a que se assistiu aquando da entrada das equipas no relvado, o início do encontro trouxe duas equipas intensas e à procura da baliza adversária.
Desta forma, foi o Benfica quem começou melhor, com as linhas subidas e uma pressão alta que pretendia empurrar o Sporting para o próprio meio-campo e conquistar o domínio do meio-campo. Geny Catamo era a exceção no posicionamento médio dos leões, já que era constantemente solicitado para responder a passes longos na profundidade — um movimento repetido muitas vezes pela equipa de Rui Borges durante a primeira parte, já que o bloco encarnado estava bem montado e não permitia grandes investidas de futebol coletivo.
Com as águias mais cerebrais com bola e os leões a apostar no ataque à profundidade – com Gyokeres ou em lances em que o sueco abria espaço -, a partida foi seguindo numa toada de parada e resposta.
Quem sorriu primeiro foi mesmo o Benfica através de Schjelderup, que recebeu de Ángel Di María na esquerda, aguentou a pressão de Eduardo Quaresma e atirou em jeito e sem hipótese para Franco Israel, colocando o Benfica a ganhar em Leiria.
Permitam-me, então, fazer um parêntesis no jogo: pode parecer surpreendente para quem nunca tinha visto Schjelderup jogar com alguma regularidade, mas o Schjelderup da segunda parte do jogo com o SC Braga e o da primeira parte desta final é o mesmo jogador que despertou o interesse de “meia Europa” quando estava no Nordsjælland. E é um jogador que o Benfica precisa.
O Benfica tem poucos jogadores capazes de gerar desequilíbrios e Schjelderup é um jogador que tem um 1×1 muito forte e junta a isso uma excelente chegada à área. Foi também muito solidário no momento defensivo em ambos os jogos.
É, por isso, de certa forma, uma pena que Bruno Lage tenha apostado tantas vezes em Jan-Niklas Beste naquela posição — e eu até acho que Beste pode ser uma boa solução para lateral-esquerdo no Benfica. Mas o norueguês é diferenciado.
Enquanto Kerem Akturkoglu é um atleta feroz de individualidade para cima da equipa adversária, o norueguês tem frieza posicional e parte da ocupação do espaço em função da sua própria equipa, isto é, muda a equipa para a qual olham como referência para se movimentarem. Além disso, a projeção de Álvaro Carreras como ala, permitindo que Schjelderup jogue “por dentro”, muda a forma do Benfica atacar por esses espaços.
Já agora, sobre Carreras, não me parece haver, neste momento, melhor lateral-esquerdo em Portugal do que o espanhol, que faz quase tudo bem, designadamente o que se pede a um lateral que jogue num sistema assim. Ofensivamente, tem passada larga para sair em condução, combina e é bastante imprevisível. No plano defensivo, junta argumentos físicos e atléticos que lhe permitem ser exímio a defender distâncias tanto curtas como longas.
Voltando à partida, num jogo tão aberto, não admirou ninguém a resposta imediata do Sporting, Gyokeres viu Quenda a aparecer na esquerda e foi lesto a entregar ao mais jovem de sempre a jogar a final da Taça da Liga, que rematou ligeiramente ao lado. Quaresma, numa cavalgada que rivalizou em beleza com alguns cortes que fez ao longo da primeira parte, driblou dois adversários na área do Benfica e tomou para si o remate, que saiu por ao lado e por cima.
O ataque do Sporting funcionava quase exclusivamente pela esquerda, fora a tal odisseia de Quaresma. Quenda e Maxi Araújo davam trabalho de sobra a outro Araújo, o Tomás, e foi uma das entradas do lateral uruguaio na área encarnada a permitir o penálti (falta de Florentino) que Gyokeres concretizou, não sem espinhas, porque Trubin quase defendia, com a perna direita, o remate ao centro do sueco, mas suficiente para restabelecer a igualdade em Leiria.
Ao intervalo, face ao divertido caos que transbordava em campo, o resultado não mentia.
Pena que, após o intervalo, as duas equipas tenham voltado com um certo “medo”. Lage tirou Schjelderup e lançou Akturkoglu, trocando os alas de lado – Di María foi para a esquerda, numa mudança que foi inexplicavelmente momentânea. A saída de Schjelderup, face ao rendimento de Akturkoglu na segunda parte, só se explica por um problema físico.
De facto, o turco está longe da melhor forma, mas a quantidade de decisões erradas é preocupante, pelo que a diferença da ala esquerda do Benfica da primeira para a segunda parte foi gritante…
Ora, nunca abdicando de sair desde trás, arriscadamente não poucas vezes, o Sporting procurou ser o dono da bola, mas na frente houve pouca inspiração e, depois, pouca frescura. A verdade é que emoção da primeira parte se transformou numa espécie de batalha “fofinha” e Morten Hjulmand foi quase sempre o único garante de uma certa organização. Incrível a exibição de Hjulmand.
Aliás, o médio dinamarquês esteve monstruoso na forma como protegeu o espaço na largura, oferecendo uma cobertura defensiva quase perfeita. A sua leitura de jogo e capacidade de antecipação são notáveis, especialmente na forma como se articula com a linha defensiva para controlar as diagonais curtas dos adversários. Essencial para dar equilíbrio à equipa e assegurar a solidez defensiva, mesmo em momentos em que o jogo se tornou mais partido.
Destaque, também, para Maxi Araújo: podia ter feito melhor no lance do golo, mas a partida do internacional uruguaio foi muito completa no plano defensivo. Não tem demonstrado isto muitas vezes nem foi, de todo, com este intuito que foi contratado, mas esteve em grande a ocupar espaços e, sobretudo, a defender Di Maria.
Para os minutos finais, os treinadores mexeram: Borges lançou Zeno Debast para o lugar de João Simões no meio-campo (tem muito potencial, mas ainda está longe de dar a mesma decisão ou criatividade que Morita ou Daniel Bragança, o que é perfeitamente natural, até pela idade que possui), com o central de raiz a juntar-se à dupla mais recuada no momento de construção. Conrad Harder também foi lançado para o ataque, para a saída de Geny Catamo, que passou, anormalmente, de forma muito discreta pelo dérbi.
Lage apostou em Zeki Amdouni, para o lugar de Pavlidis, lançou Alexander Bah, para o lugar de Tomás Araújo. No meio-campo, Renato Sanches foi lançado para o lugar de Orkun Kokçu. No fundo, pareceu, acima de tudo, que ninguém queria perder e que o querer ganhar ficou todo em campo nos primeiros minutos do encontro.
Contudo, já nada aconteceu até ao fim do tempo regulamentar e o jogo seguiu mesmo para a decisão por grandes penalidades.
Aí, numa longa disputa que foi além da série inicial e só terminou na morte súbita, Trubin defendeu o penálti de Trincão e decidiu a final: o Benfica venceu o Sporting, conquistou a Taça da Liga pela oitava vez e garantiu o primeiro troféu da temporada.
Digamos que, em termos gerais, o Benfica foi superior na partida, mas o Sporting jogou sem Pedro Gonçalves, Daniel Bragança, Morita, Inácio… Assim sendo, o que o Sporting acabou de fazer com FC Porto e Benfica num espaço de cindo dias com uma onda enorme de lesões na equipa dá boas perspetivas aos sportinguistas para o resto da temporada.
Por outro lado, Lage, mesmo sem sacudir os seus pecados, respira ligeiramente mais fundo, e tem uma equipa animicamente renascida para a segunda metade da época, ainda por cima com toda a qualidade que o plantel, no seu todo, possui para praticamente todas as posições.