*com Rodrigo Costa

Discreta, mas fulcral. Esta é a melhor maneira de falar sobre a recente ascensão de Ricardo Silva na baliza do NK Celje. Longe do território luso, o guardião de 25 anos está a desenhar, pela primeira vez na carreira, um trajeto nos palcos europeus da UEFA, onde já somou oito exibições.

Nos oitavos-de-final da Conference League, frente ao FC Lugano, o internacional jovem não permitiu o encaixe de nenhum golo na primeira mão e, após um segundo confronto frenético, o luso foi essencial ao defender uma grande penalidade que garantiu a passagem do emblema esloveno à próxima fase da prova.

Com olhar atento sobre o caminho que Ricardo Silva vai traçando ao serviço do atual campeão da Eslovénia, o zerozero não desaproveitou a oportunidade e esteve à conversa com o guarda-redes gaiense, cujo passado tem uma ligação de 11 épocas com o FC Porto.

À boleia pelos Balcãs

Enquanto regressava à Eslovénia, numa morosa viagem de carro, o atleta formado no FC Porto foi dando a conhecer a experiência que está a viver esta época: «Estou-me a sentir bem. Está a ser uma experiência diferente. Estou a viver o contexto de primeira liga, que ainda não tinha apanhado, e o contexto da Europa também.»

«Estou a habituar-me bem e o país é muito tranquilo. Fui muito bem recebido pelo clube e, até agora, facilitaram-me a vida em tudo e não tenho nada de mau a apontar», acrescentou Ricardo Silva com um tom animado.

Ricardo Silva após assegurar passagem aos «quartos» @Ricardo Silva

Saboreando a longa caminhada da formação grofje pela Conference League, após não terem passado as qualificações da Liga Europa e da Liga dos Campeões, Ricardo admite estar a cumprir um sonho, que parece não querer deixar por aqui.

«Jogar numa competição europeia era um sonho e também um objetivo. Sinceramente, há um ano não estava à espera que isto acontecesse. Para mim, chegar com esta idade a uma competição europeia foi sem dúvida um sonho alcançado», começou por explicar o jogador do Celje.

«Mas claro, agora o sonho é jogar Champions League. Já não é mau jogar a Conference League, mas vamos ver se chega o outro nível, que é o que a gente quer», desenrolou com ambição o guarda-redes.

Crucial na exibição do emblema esloveno diante do Lugano, que carimbou a passagem aos «quartos», Ricardo Silva não se conteve em abordar o momento emocionante: «Foi um misto de emoções, porque quem me conhece e quem está perto de mim sabe que não passei uma fase fácil nos meus últimos seis meses. Fez-me crescer bastante.»

Grande penalidade defendida frente ao Lugano @Ricardo Silva

«A quem me conhece, eu sempre disse que o meu momento ia chegar e acabou por chegar e, claramente, fiquei muito feliz», adicionou o guardião que, em Portugal, também serviu o Tondela e o Moreirense.

Confiante na turma com quem partilha balneário, o atleta natural de Mafamude espera com confiança o próximo duelo da competição, frente à Fiorentina, que alcançou o terceiro lugar na fase de liga da Conference.

«Acredito que podemos surpreender, porque também já jogámos também contra outras grandes equipas, tal como era o Apoel e como era o Lugano. Se calhar olharam para nós como se não fossemos os favoritos e depois demos uma excelente resposta. Agora contra a Fiorentina não será a exceção», comentou o guardião.

Apesar da boa época europeia, após vencer o campeonato esloveno na época 2023/34, o Celje vive uma fase atribulada na temporada atual, estando a 18 pontos do primeiro classificado, o Olimpija Ljubljana.

Na luta pelo apuramento e pela promoção

Atualmente na quinta posição da competição, a dez jornadas do fim da época, Ricardo Silva explica que continuam a «fazer o possível para alcançar o melhor lugar», pensando também num novo apuramento para as competições internacionais. Aproveitando o rumo da conversa, o atleta luso explicou a diferença entre o futebol em Portugal e na Eslovénia.

qNove equipas a lutar pela promoção? A liga está muito competitiva

«Surpreendeu-me bastante o futebol aqui. Todas as equipas têm bons jogadores com bastante qualidade e o resto, no campeonato em si, é um futebol diferente, mas também falo da perspetiva da II Liga daí [de Portugal] para a I daqui [Eslovénia]», assinalou Ricardo.

Sempre atento ao futebol português, o ex-guardião do Tondela continua atento à luta pela subida: «Na segunda liga, vês os jogos e nunca sabes quem vai ganhar. Acho que está a ser o ano mais competitivo.»

«Quando eu estive no Moreirense, fomos campeões muito cedo com uma diferença de pontos muito grande. Agora tens o quê? Nove equipas a lutar pela promoção? A liga está mesmo muito competitiva», assinalou Ricardo, recordando a passagem por Moreira de Cónegos em 2022/23.

Ecos do passado

Abordando a II Liga, palco onde Ricardo jogou durante seis épocas ao serviço de três equipas diferentes, as memórias acabaram por reavivar emoções antigas.

Ricardo Silva ao serviço do FC Porto B @Ricardo Silva

«O meu momento mais marcante foi quando me estreei pela equipa B do FC Porto. Fiz muitos anos no Porto e é, sem dúvida, o clube que mais me marcou», começou por lembrar o atleta.

Depois de recordar os 11 anos ao serviço dos dragões, Ricardo Silva aproveitou para relembrar outras passagens em Portugal.

«Gostei de jogar no Moreirense, porque gostei muito do grupo que apanhei lá. Era um grupo espetacular, talvez o melhor grupo que apanhei no futebol. No Tondela também gostei muito, apesar do objetivo não ter sido alcançado, mas acho que foi uma época boa», abordou o guarda-redes.

Apesar dos bons momentos na formação cónega e junto dos auriverdes, nem tudo foi sorridente para Ricardo. Em 2022, o capitão dos azuis e brancos assinou pelo Santa Clara por três época, mas saiu após dois meses por alterações na SAD dos açorianos, que agitaram a política de contratações e o deixaram fora dos planos da equipa.

Ricardo Silva no Tondela em 2023/24 @Ricardo Silva

«Tinha assinado um contrato longo e ao fim de dois meses vejo-me sem clube. Perguntava o que é que se passava. Não conseguia explicar o que aconteceu a ninguém. Aquilo foi o momento. Aconteceu», explicou o ex-Santa Clara.

«Estava a gostar de lá estar e de um dia para o outro, do dia para a noite, estava a apanhar o avião para ir para o Porto. Foi tudo assim instantâneo», acrescentou Ricardo Silva

Montanha de emoções

A brusca saída da formação insular foi, de certo modo, atenuada pela boa passagem no Moreirense e, na época seguinte, no Tondela. Investido no bom momento, Ricardo Silva aproveitou a altura para rumar à primeira aventura internacional, ao serviço do Dinamo Batumi, da Geórgia.

qCheguei a uma realidade diferente e não jogar foi muito mau

Apesar das expectativas, a chegada ao clube foi atribulada: «Foi muito difícil. Enquanto noutras equipas como no Dila Gori havia nomes portugueses, no Batumi eram quase todos georgianos e era muito complicado

«Havia alguns brasileiros, mas era difícil. Foi para esquecer. Acabei por fazer só 10 jogos. Eu que vinha de Portugal a jogar muitas vezes, cheguei ali a uma realidade diferente e depois não jogar foi muito mau», finalizou o guardião.

Não obstante, a fase menos positiva permitiu a Ricardo uma melhor preparação para a época atual, que consta como a segunda aventura bem longe do solo português, mas agora com um desfecho bem mais promissor.

«Cheguei aqui [à Eslovénia] com uma preparação diferente, visto que tinha estado os seis meses lá na Geórgia, e já estava mentalizado de que se voltasse a acontecer uma coisa daquelas, como é que eu iria reagir. Mas felizmente está tudo impecável e em ordem. Não tenho mesmo do que me queixar», apontou o guarda-redes.

Companheirismo e possibilidades

Independentemente da fase, Ricardo leva uma certeza. As amizades feitas ao longo do trajeto. Foi precisamente este um dos grandes focos positivos que retirou de toda a caminha que ainda vai traçando.

Ricardo Silva em 2023, no Moreirense @Ricardo Silva

«Diariamente falo com, por exemplo, o Zé Pedro. Falo com o Tomás Esteves, que também esteve comigo na equipa B. Falo com o João Mendes, que está agora no Vitória. O Xavier, que joga no Tondela. O Rui Gomes, que está no Chaves...isto é o bom do futebol. O futebol dá momentos menos bons, mas também te dá momentos muito bons em que tu depois consegues levar para a tua vida boas amizades», explicou o jogador do Celje.

Sem querer deixar ninguém para trás, Ricardo adicionou mais nomes à lista reforçando o companheirismo que sempre sentiu: «No Moreirense também fiquei com boas amizades. O Pedro Amador, o Franco, por exemplo. Um bocadinho em todo lado, como se costuma dizer.»

Apesar das grandes ligações, mais ou menos frequentes, que mantêm com Portugal, Ricardo Silva não conta com um regresso para já: «Neste momento não me via a voltar a Portugal. Quando tu te sentes bem, sentes-te feliz. Sentes que as coisas estão bem e que gostam de ti e acho que não tens porquê mudar. Se eu puder ficar aqui mais tempo, vou ficar, com certeza.»

Deste lado, resta apenas ver como segue o trajeto de Ricardo e do Celje nos palcos europeus e se, num futuro próximo, voltaremos a ver o guardião numa baliza em Portugal.