“Com este triunfo, o Torreense está no sexto lugar com 31 pontos, enquanto o Vilaverdense encontra-se na última posição, ainda não pontuou e foi despromovido.” Crua e sucinta, a frase encerra a crónica da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) sobre a derrota caseira do clube de Vila Verde contra o que viera de Torres Vedras. Ficou 0-7. A referência à equipa minhota no site da entidade responsável pela Liga BPI, a primeira divisão feminina, feita há quase um mês, limitou-se a constatar o facto de à 20.ª jornada uma equipa ter já garantida a descida de escalão. Perante os números, espanta ter acontecido tão tarde.

O Vilaverdense não tem qualquer ponto conquistado esta temporada. São duas dezenas de derrotas nas quais marcou apenas quatro golos e sofreu 104, registo não ajudado pelo encontro perdido na Taça de Portugal, no qual ainda logrou fazer um golo no 3-1 encaixado frente ao União de Leiria - uma equipa do terceiro escalão. Num tempo em que a bola pontapeada por mulheres atingiu outro marco na ponta oposta da Liga BPI, com o pentacampeonato do Benfica a mando de Filipa Patão, a primeira pessoa, homem ou mulher, a conquistar cinco títulos seguidos no futebol nacional, a modalidade no feminino acolhe este contraste.

A almofadar os números está uma complicada realidade de salários em atraso, queixas das jogadoras contra a falta de condições e faíscas com a direção do Vilaverdense, culminadas no bem visível protesto de fevereiro, quando as jogadoras permaneceram imóveis após o apito inicial do jogo contra o Racing Power, da 15.ª jornada do campeonato. Ficaram paradas durante um minuto, a mostrarem a revolta coletiva contra dois meses de salários em atraso e uma semana feita sem treinos. Essa derrota fixou-se em 7-0, mas o gesto público, captado pelas câmaras do Canal 11, a costela televisiva da FPF, captou as atenções que pouco pareceram incomodar no arranque da temporada. No texto publicado no site da federação não houve menção ao ato das jogadoras.

Após a partida que se fez palco do protesto das jogadoras, a direção do Vilaverdense garantiu publicamente que os ordenados em falta tinham sido pagos. Os relatos de situações arcaicas eram então múltiplos, com o “ZeroZero” a escrever que as futebolistas não dispunham de equipamentos lavados ou camisolas para treinar em dias de mais frio, ou sequer água quente a sair dos chuveiros do balneário. As críticas às condições juntavam-se aos ordenados em atraso. Entretanto, a situação pouco ou nada terá mudado e há jogadoras que disseram à Tribuna Expresso não quererem “mais problemas do que os que já têm”, remetendo declarações sobre a situação que vivem no clube para o final da época.

Os sinais estavam lá. Ainda a Liga BPI não arrancara quando a direção do Vilaverdense, a 21 de agosto, comunicou à FPF que não se ia inscrever na Taça da Liga. E tão pouco tinha a sua participação garantida, noticiava o jornal “Record”, por ainda estar a tentar reunir um plantel de jogadoras. Faltavam 11 dias para o arranque do campeonato e o clube nem iniciara a pré-época, ou algo parecido com isso. A 12 de julho, aquando do sorteio dos jogos da prova, a federação listava a equipa minhota como uma das 12 participantes, identificando-a ainda como “Länk Vilaverdense”. Hoje estão 19 jogadoras inscritas pelo clube, as duas mais recentes contratadas no mercado de inverno e ambas estrangeiras: são as canadianas Sahara Zingano e Alexia Rhooms.

Alexia Rhooms em ação no jogo contra o Torreense.
Alexia Rhooms em ação no jogo contra o Torreense. Federação Portuguesa de Futebol

Questionada sobre as razões para ter aceitado a inscrição do clube na Liga BPI e instada a comentar a situação atual, a FPF não respondeu até ao momento. No artigo 6.º dos regulamentos da Liga BPI, a entidade estipula como um dos “princípios de participação na prova” dos clubes o “cumprir os deveres de contratação assumidos, em particular com jogadoras e treinadores”. O Sindicato de Jogadores prestou-se ao mesmo silêncio face à pergunta se está em contacto com as jogadoras ou a prestar-lhes algum auxílio nesta fase. Através dos canais disponíveis também não foi possível entrar em contacto com o clube, que nem um site oficial tem (enquanto o domínio do antigo está literalmente à venda).

No final de julho último, a empresa canadiana que era um prefixo no nome do clube desde 2020, ao comprar 90% do capital social da SAD, saiu do projeto, supostamente vendendo a sua participação, escreveu o “Jornal Vilaverdense”, a um investidor brasileiro-japonês que assumiria uma dívida total a rondar os 750 mil euros. Era o desfecho de uma vigência polémica e conturbada, com requintes de surrealismo quando, no final da época passada, a equipa masculina fez alinhar, num encontro da II Liga, um ‘jogador’ que serviu de apanágio da falta de seriedade de quem liderava o projeto a partir dos gabinetes.

De seu nome Courtney Reum, entrou em campo aos 86 minutos da partida contra o Torreense sem algo visivelmente associado às suas aptidões futebolísticas: era amigo dos investidores e cunhado da celebridade Paris Hilton, sem qualquer experiência de futebol profissional. “Eu não deixaria a minha grande vida em Los Angeles e todas as minhas empresas se não tivesse intenções sérias sobre o futuro (...) Isto é o início do que pode ser um investimento. Para mim, investimento significa dinheiro, claro, mas também tempo”, disse antes da estreia, quando o Vilaverdense já fora castigado pela Liga, com a dedução de um ponto, por ter salários em atraso.

Reum também acreditava que o clube chegaria à primeira divisão até 2030. “A decisão foi difícil e contra os meus princípios, mas tive de olhar pelo bem dos meus filhos”, desabafou o treinador da altura, Sérgio Machado, ao justificar a entrada do norte-americano.

Tinha 45 anos quando registou oficialmente o seu nome na II Liga e na histórias das competições profissionais em Portugal. Hoje publica na sua conta de LinkedIn sobre “medicina de longevidade”. Fê-lo mais ou menos nos arrabaldes temporais em que a equipa masculina do clube de Vila Verde confirmava a sua descida ao Campeonato de Portugal, o quarto escalão do futebol nacional.

A feminina prossegue na tua tormenta de época, com duas jornadas em falta na Liga BPI, contra o Marítimo e o Damaiense. Serão as derradeiras oportunidades para o Vilaverdense evitar que esta temporada seja recheada apenas com derrotas.

Em 20 edições do campeonato desde que deixou regularmente de separar as equipas por zonas do país (em 2005/06) - e mesmo incluindo o par de temporadas, entre 2020 e 2022, em que houve de novo uma Série Norte e outra Sul -, só uma equipa terminou a primeira ou única fase do campeonato sem pontuar. Aconteceu com o CAC da Pontinha, de Lisboa, em 2016/17, quando acabou a época com seis golos feitos e 208 sofridos. Antes, o Cesarense, de Oliveira de Azeméis, fechou a primeira fase da época 2014/15 com um ponto, tendo feito 10 golos e sofrido 77 em 17 jogos, e o Atlético Clube de Portugal também somou um singelo ponto em 2021/22, com o pior registo ofensivo nestas duas décadas: dois golos marcados.