Há pouco mais de três anos, Jorge Martín pensou em desistir. Um despiste violento na curva 7 do Autódromo do Algarve, durante um dos treinos livres para o grande prémio português, colocou tudo em causa. Os quatro impactos violentos, cambalhotas seguidas de batidas na dura gravilha, deixaram-lhe o corpo maltratado, com nove fraturas em diferentes ossos. Martín estava no primeiro ano no MotoGP.

“Vinha de um bom momento, de fazer pódio na minha segunda corrida no MotoGP. Duvidei se continuaria a competir. Esse foi o momento mais complicado da minha carreira”, disse no final de 2023 numa entrevista ao “El Mundo”.

Mas o piloto conhecido por Martinator, uma alusão do Extreminador Implacável, por tantas vezes ao longo da carreira ter competido lesionado, depois de quedas, e até ainda com ferros no corpo - daí o piscar de olho ao Terminator - levantou-se uma vez mais. Em 2023, lutou pelo título até ao fim. E em 2024 ele finalmente chegou, agonicamente na última corrida, disputada em Barcelona e não em Valência como é tradição, devido ao desastre provocado pelas cheias na zona.

Bastou a Jorge Martín ser 3.º em Montmeló para garantir o seu primeiro título na categoria-rainha, depois de já ter sido campeão em Moto3 em 2018. Ultrapassado por Marc Márquez na partida, sabia que a vantagem permitia-lhe gerir com calma a prova. No final, com 508 pontos, deixou Pecco Bagnaia, bicampeão mundial em título, a 10 pontos.

Um festejo a condizer, à Terminator
Um festejo a condizer, à Terminator Alberto Estevez

As vitórias nas corridas sprint e na corrida principal não foram suficientes para Bagnaia se aproximar mais do rival espanhol, que aos 26 anos chega ao topo, cometendo ainda a proeza de repetir o feito de Valentino Rossi: desde o italiano, em 2001, que nenhum piloto de uma equipa-satélite, ou seja, não oficial, conquistava o título mundial. E logo batendo uma Ducati de fábrica, da equipa oficial. Martín é também o primeiro piloto de uma equipa independente a sagrar-se campeão mundial desde o início da era MotoGP, neste caso com a Pramac.

O novo formato, com corridas sprint ao sábado, foi essencial para o título. Francesco Bagnaia venceu 11 corridas principais em logo do ano, o que dificilmente lhe tiraria o título numa outra temporada. Mas Martín foi o mais regular, mesmo com apenas três vitórias nas corridas de domingo.

Aprender com o passado

No próximo ano, o piloto que em miúdo viu os dois pais, então desempregados, a ter de pedir dinheiro emprestado à família para que o filho pudesse continuar a viver o seu sonho, leva o número 1 para a equipa de fábrica da Aprilia. Nem os grandes desempenhos nas duas últimas temporadas levaram a Ducati a fazer subir Martín para a sua equipa oficial, preferindo contratar Marc Márquez para 2025. E hasta la vista disse o espanhol, que mudará de vida, com uma nova equipa, nova estrutura, novo motor, mas com o estatuto de campeão mundial. Nisso também imita Rossi, que em 2003, depois de se sagrar campeão mundial, trocou a Honda pela Yamaha.

Para o seu lugar, na Pramac, irá precisamente Miguel Oliveira, que foi 12.º na última prova do ano, também a sua última na estrutura da Aprilia. No próximo ano, a Pramac terá motores da Yamaha.

Há um ano, precisamente na última corrida do ano, quando ainda estava o título em jogo, Jorge Martín caiu, escancarando a porta a mais um título de Bagnaia. “Senti a pressão, senti que tudo se tornava muito complicado. O meu carácter mudou muito. Mas no final é uma experiência para o futuro. Seguramente que na próxima vez que estiver numa situação assim conseguirei lidar melhor”, dizia em dezembro passado ao “El Mundo”.

Não foram palavras saídas da boca para fora, de circunstância, como se vê. O rapaz que cresceu nos arredores do circuito de Jarama, perto de Madrid, ouvindo lá ao longe, mas tão perto, os roncos dos motores, é campeão mundial.