Duarte Gomes fala da recente entrevista do ex-árbitro Nuno Almeida e sobre os supostos jantares e ofertas recebidos por árbitros
Num entrevista recente, o ex-árbitro Nuno Almeida afirmou que nunca, em momento algum, utilizou o voucher incluído no famoso Kit Eusébio, que em tempos oferecia, além duma camisola, entrada para o museu e jantar num restaurante.
O tema, que já nem era tema, é aqui recordado apenas pela forma sincera como o algarvio matou a questão: “Não jantei, nunca passei lá perto sequer, não sei onde fica e desafio apenas um dos dez milhões de portugueses a provar o contrário”.
Quem fala assim não é gago. Não é gago nem teme que um qualquer cliente, empregado, cozinheiro, sócio-gerente, patrão ou até câmara de vigilância refute a afirmação.
A razão é simples: tal como eu (e dezenas de outros que constam numa lista dos que alegadamente jantaram à borla) nunca lá pôs os pés. E é irritante, apesar de não ser importante, sentir necessidade de desmentir algo que não aconteceu nem esteve perto de acontecer.
Mas a este propósito há duas questões, essas sim relevantes, que merecem aqui reflexão:
- A primeira é a de ter havido, de facto, quem aceitasse a cortesia. Houve sim meia dúzia de árbitros (ou árbitros assistentes ou observadores ou delegados) que acionaram a oferta. Como se o prémio de jogo que receberam não chegasse para pagarem um ou dois jantares à família. Como se precisassem disso para levar uns amigos a um bom restaurante. Ora isso incomoda-me. Incomoda-me bastante.
Obviamente que isso não os transforma em corruptos ou malandros, apenas burros. Burros e provincianos. E é por causa dessa mão cheia de tontos que outros carregaram injustamente um beliscão reputacional que não mereciam.
- A segunda questão e mais importante ainda é sublinhar a gigantesca hipocrisia que toda esta história encerrou.
Então os árbitros seriam “subornáveis” por aceitarem um ou dois repastos grátis, mas não o eram de cada vez que recebiam camisolas oferecidas por clubes na condição de visitados, algo que acontecia em tantas e tantos jogos? Não o eram quando aceitavam pequenos troféus ou medalhas locais, louça regional, copos e placas comemorativas ou lanches generosos no balneário, com bom queijo e presunto à mesa? Então o valor total dessa forma de bem receber não seria igual ou superior ao jantar em questão?
Deixem-me que vos diga uma coisa com sinceridade: tenho centenas de camisolas em casa, várias de valor superior a 100€. Tenho centenas de souvenirs guardados no baú das memórias, que um dia espero mostrar com orgulho aos meus netos. Tenho um sem número de artigos ligados à história dos clubes ou aos muitos estádios onde arbitrei. Não sei o preço de cada nem quero saber, porque o valor que lhes atribuo é emocional. O de me contarem uma história, de me lembrarem momentos bonitos na carreira. Nunca me senti coagido a facilitar nem tentado a compensar a simpatia.
Hoje as coisas estão diferentes porque de boas intenções está o inferno cheio.
Não sou adepto de que os árbitros recebam prendas de valor significativo, que ultrapassem o desejável/expetável, porque isso não os protege nem protege quem as oferece.
Os clubes não podem posicionar-se como "demasiado agradáveis" antes da bola rolar nem os árbitros devem cair na tentação da pedinchice, da camisola para o amigo ou filhote. Isto é futebol profissional, é alta competição. Aqui todos têm uma missão a cumprir. A melhor oferta que pode existir é o respeito mútuo antes e sobretudo depois do jogo acabar. E aí ainda temos uns passos para dar.
O resto, desculpem lá... são faits divers.