Talvez ainda não tenhamos consciência disso, mas esta semana assistimos ao fim de uma das histórias mais bonitas que o futebol já nos deu com Jamie Vardy.

O amor incondicional entre um avançado que ninguém queria e um clube modesto que se tornou maior devido ao extraordinário contributo de Jamie Vardy.

O avançado inglês anunciou a sua saída do Leicester depois de 13 anos ao serviço do clube inglês. Uma carreira lendária de um jogador intemporal, e um dos grandes obreiros do título histórico da Premier League naquela mágica época de 2015/2016.

Aos 38 anos, o avançado inglês sai do Leicester depois de mais de 500 jogos e perto de 200 golos, sendo o melhor marcador da história do clube.

«Estou aqui há tanto tempo que pensei que não ia acabar. Para os adeptos do Leicester, custa-me muito que este dia tenha chegado, mas sabia que ia acabar por acontecer. O Leicester foi a minha vida e a minha casa. Passei 13 anos inacreditáveis neste clube, com muitos sucessos e alguns fracassos, mas a maior parte deles foram altos. Chegou finalmente a altura de dar o dia por terminado, o que me deixa de coração partido, mas considero ser o momento certo. Foi uma sorte ter o Leicester como a nossa casa durante tanto tempo», refere no vídeo.

Foi com um vídeo carregado de emoção, que Jamie Vardy se despediu dos adeptos do clube a quem sempre foi fiel e a quem deu mostras do seu amor incondicional por diversas vezes durante os mais de 13 anos que esteve ao serviço dos foxes (nome pelo que tradicionalmente são apelidados os adeptos do Leicester City).

O “nosso melhor jogador de sempre” despede-se do clube neste Verão. Esta afirmação da direção do Leicester, já reflete por si só toda a importância de Jamie Vardy para o clube e o carinho que sempre lhe terão.

Aiyawatt Srivaddhanaprabha, atual presidente do Leicester, confirmou que o clube vai organizar uma despedida com toda a pompa e circunstância a uma lenda viva do clube.

Estas foram as suas palavras de despedida ao lendário avançado inglês:

«Prepara-se para encerrar o capítulo de uma carreira estrondosa no Leicester, estamos a chegar à página final após 13 anos preciosos. A sua inevitabilidade não ameniza o golpe que sentiremos quando finalmente nos despedirmos. Mas esses sentimentos são o preço que devemos pagar pelas memórias que partilhámos».

«O Jamie é único. É um jogador especial e uma pessoa ainda mais especial. Tem um lugar no coração de todos os que estão ligados ao Leicester e conta com o meu respeito e afeto mais profundos. Estou eternamente grato por tudo aquilo que deu a este clube. Ainda que o tempo dele como nosso jogador esteja a acabar, ele e a sua família serão sempre bem-vindos de braços abertos ao King Power Stadium depois de tudo o que alcançou».

Esse comunicado termina com as seguintes palavras: «Em nome de todos no Leicester, desejo ao Jamie e à sua família o melhor para o futuro e sei que os nossos adeptos irão juntar-se a mim para lhe darmos a despedida que merece no fim da temporada», secundou o presidente do Leicester.

O sentido de gratidão e a fidelidade de Vardy são enaltecidos e devidamente reconhecidos pelo clube da zona de East Midlands.

Após o Leicester ter cometido a incrível proeza de se sagrar campeão inglês na época 2015/2016, foram várias as propostas milionárias que o avançado inglês recebeu, mas ao contrário de outros grandes artífices dessa campanha histórica do clube inglês (como Kanté inicialmente, seguidos de Drinkwater e Mahrez em épocas seguintes), Vardy não se deixou seduzir pelos milhões oferecidos durante esse par de anos gloriosos.

Vardy decidiu sempre com o coração, e foi permanecendo no clube inglês. «Eles queriam-me quando mais ninguém queria. Se o navio se afundar, eu afundo com eles», recorda Vardy dessa altura. E pode-se sentir orgulhoso de si mesmo, pois cumpriu com a sua palavra e o seu rendimento foi fantástico.

Como disse anteriormente, a sua lealdade ao clube inglês é igualmente valorizada pelos adeptos do Leicester, e certamente que neste momento, os adeptos dos foxes devem sentir um vazio enorme com a sua partida do clube.

É inevitável que os adeptos não se sintam órfãos e de coração dilacerado, pois parte da sua história estará infinitamente ligada a Jamie Vardy.

Vardy foi um dos grandes obreiros da histórica conquista da Premier League em 2016, com o italiano Claudio Ranieri ao leme. Foi naquele Leicester que construiu uma das páginas bonitas e marcantes do futebol inglês (e diria até mundial) da última década, e manteve-se fiel aos foxes por mais de uma década.

Uma equipa que quase todos os adeptos do futebol sabem de memória e onde uma das traves mestras era o indomável e insaciável goleador Jamie Vardy.

Naquela época, Vardy foi considerado o melhor jogador da Premier League, tendo conseguido um número impressionante de 24 golos marcados e 7 assistências.

Aquele Leicester de Ranieri fazia da coesão da sua linha defensiva e a pressão alta da dupla de meio-campo Drinkwater-Kanté as bases do seu jogo, mas sem o virtuosismo do fabuloso extremo esquerdino Riyad Mahrez e a capacidade goleadora de Jamie Vardy, esse título épico não teria sido possível.

Nos últimos anos, o Leicester tem vivido períodos muito conturbados, entre os quais desaparecimento do seu malogrado presidente Vichai Srivaddhanaprabha em Outubro de 2018, num acidente trágico de helicóptero, pouco depois de ter decolado do King Power Stadium.

A instabilidade tem sido a nota dominante dos últimos anos do clube inglês, e em todos esses momentos, esteve lá o seu comandante Jamie Vardy. Nos bons e nos maus momentos, esteve sempre com o clube que apostou nele.

Após ter obtido esse título inédito da Premier League, Vardy ajudou a equipa a chegar aos quartos-de-final da Liga dos Campeões na época seguinte, jogou o Mundial de 2018 com a Inglaterra, foi o melhor marcador da Premier League em 2019-20 (batendo a concorrência de nomes como Salah, Agüero e Aubameyang) e ganhou a FA Cup em 2021.

Quando o clube foi relegado para Championship em 2023, Vardy voltou a ser herói, conduzindo o Leicester de volta à elite aos 37 anos logo na época seguinte, contribuindo com 20 (!) golos.

Infelizmente verá terminada a sua aventura no clube esta época com a tristeza da inevitável despromoção, tendo ele mesmo qualificado esta época de “uma porcaria”. Vardy nunca se acomodou e nunca abandonou os parâmetros de exigência de um clube que foi campeão inglês há menos de uma década.

A história de vida de Jamie Vardy necessita de se escalpelizar ao mais ínfimo detalhe. Nos seus primeiros anos como jogador profissional, Jamie Vardy era maioritariamente conhecido pelo seu feitio irascível e por ser um jogador essencialmente trabalhador.

Em 2007, Vardy jogava no modesto Stocksbridge, onde recebia 30 libras por semana (35 euros), e trabalhava numa fábrica de próteses de fibra de carbono para fazer face às despesas sem ter de renunciar à sua paixão.

Vardy tinha um comportamento pouco ortodoxo dentro do campo e via-se envolvido em constantes polémicas fora do mesmo. Anos mais tarde, uma rixa num bar complicou ainda mais o seu futuro futebolístico. O juiz do caso obrigou-o a usar uma pulseira eletrónica no tornozelo e a estar em casa antes das 18h30 da noite, o que fez com que perdesse vários jogos.

Mais tarde, conseguiu assinar pelo Halifax Town, da sétima divisão, onde marcou 27 golos e foi eleito “Jogador do ano”. Em 2011, mudou-se para o Fleetwood Town, da quinta divisão, onde marcou 31 golos e ajudou o clube a garantir a promoção. Mal sabia Vardy que o Championship (através do Leicester) iria bater-lhe à porta e iria iniciar ali uma linda história de amor.

Vardy era um perfeito desconhecido quando foi contratado pelo Leicester por um milhão de libras. A contratação do avançado inglês não gerou quaisquer expectativas junto dos adeptos (longe estavam eles de imaginar todas as alegrias que aquele jovem de 23 de anos de Sheffield lhes iria proporcionar).

O seu percurso no clube foi construído a pulso. Superada uma primeira época bastante discreta em que marcou apenas quatro golos (tendo sido inclusive cogitada a sua saída por parte da direção do clube), contou sempre com a confiança do treinador Nigel Pearson, e Vardy correspondeu na época seguinte.

Marcou 16 golos em 37 jogos durante a época de 2014-15 e foi promovido à Premier League. Aquele “trabalhador esforçado”, por quem ninguém dava um tostão em 2012, atingia o escalão mais alto do futebol inglês.

Vardy destacou-se como o “Bad Boy” que quebrou todos os estigmas na Premier League. O seu lado destemido e a sua não contemplação e subserviência quando jogava contra os chamados “Big Six”, foram igualmente essenciais para que o Leicester conseguisse o milagre de ganhar a Premier League, competindo com equipas que tinham plantéis recheados de estrelas e com orçamentos infinitamente superiores aos daquela que muitos chamavam de “equipa do povo”, com um tom jocoso e de forma depreciativa.

«Há 9 anos fizemos o impossível, ganhámos a Premier e depois a Taça de Inglaterra. Estivemos na Champions. Essas boas memórias vão ficar para sempre, agradeço a quem me deu oportunidade e espero ter correspondido»., acrescentou Vardy no seu vídeo de despedida.

E terminou, dizendo o seguinte: «Vou continuar a acompanhar o clube nos próximos anos, esperando que este tenha ainda mais sucesso. Por agora esta é a minha despedida, mas prometo que voltarão a ver-me», disse ainda Jamie Vardy no seu vídeo de despedida do clube para quem contribuiu de forma decisiva para as suas páginas mais douradas.

A sua despedida põe fim a essa história de loucura que arrebatou o coração de todos. Até os menos entusiastas por futebol, conheceram a história daquele mítico Leicester de 2016. Vardy era o último sobrevivente da equipa do povo. Com a sua saída do clube inglês, fecha-se o pano dessa equipa histórica.

E já passaram quase 10 anos desse título histórico, e como disse o Leicester no seu comunicado de despedida, a passagem do tempo é mesmo inevitável, mas as memórias essas perdurarão no coração de todos os adeptos do Leicester, e arrisco-me a dizer, que um pouco no coração de todos os que amam o futebol (pois sempre gostamos da história de um bom underdog), inclusive dos adeptos rivais.

Jamie Vardy não jogou apenas pelo Leicester. Fê-lo por todas as pessoas que sonham em grande, mostrou que no futebol não há impossíveis. Nem no futebol nem na vida. Lutou arduamente pelo que quis e recusou-se a desistir, mesmo quando todos lhe viraram as costas.

A sua carreira não é apenas uma história de futebol, é uma lição de vida para todos aqueles que sentem que a sua oportunidade nunca irá chegar mas que não deitam a toalha ao chão. Vardy mostrou ao mundo que é possível.

Quando conquistou a Premier League, conquistou milhões de sonhos. O príncipe de Leicester diz adeus, e deixa-nos uma certeza: os contos de fada podem-se tornar realidade e podem ser escritos num estádio de futebol.