Não chovia, fazia frio em Leiria, o castelo pendurado lá no monte sobre o estádio e a meia-final da Taça da Liga estava para arrancar a sua segunda parte. Era o momento da verdade para o Sporting.
Antes houvera guarda-redes de outrora, de ambas as barricadas, a tertuliar em estúdio e com os calcantes na relva, durante o aquecimento, Beto e Helton em animada conversa a bradarem ao informalismo. Badalou-se antes do jogo a vanguardista invenção de retirar a influência dos apanha-bolas, trocados por pinos dispostos à beira do campo onde os jogadores deveriam ir buscar a bola para um lançamento lateral. Microfones foram postos mais perto do relvado, para se ouvir o que é dito, ou mais vezes gritado, por quem joga. À saída do túnel, diante das respetivas equipas, Morten Hjulmand e Cláudio Ramos apareceram de auscultadores na cabeça, bloqueadores de estímulos sonoros usados em crianças com autismo na iniciativa de salutar para apelar à consciência por quem padece da condição.
Contudo, a fragrância de mais do mesmo para se ter os mesmos não se dissipava: a não sei quantas alteração de formato, esta época, juntou os seis primeiros da primeira liga aos dois primeiros da segunda, arrancou logo nos ‘quartos’ e tinha neste Sporting-FC Porto um dos duetos que pretendia na fase final sem sal de imprevisibilidade, nem tempero de surpresa, a caminho de determinar quem é o “campeão de inverno” assim edificado por uma prova só com um terço das equipas do principal campeonato. Na primeira parte, quem mais se embalou a poder discutir esse cognome foi o FC Porto.
Sem problemas em deixar os centrais adversários terem a bola, ainda menos em recuar as suas linhas para mais perto da área caso necessário, os dragões preocuparam-se em vigiar, de bem perto, os dois médios, e a manterem Nico González perto de Eustáquio e com rotações de pescoço constantes para ver onde andava Trincão. Barrando os caminhos que interessavam ao Sporting, baixavam o bloco caso os leões entrassem na sua metade do campo para roubarem os espaços mais queridos a Gyökeres, a postura do FC Porto criava um tormento de dúvidas à equipa de Rui Borges, emperrada por não ter protagonismo nos seus mais criativos quando conseguia superar a pressão. Apenas Morita e a sua ambidestreza tocavam bastante na bola, mas longe de zonas onde as jogadas se tornam perigosas.
Nos pontapés de baliza, a pressão do FC Porto paralisou o Sporting, a sofrer por ser incapaz de arranjar soluções para sair em passe curto de trás. Não que os dragões criassem em abundância ou cuspisse labaredas de fogo constantes. Muito pressionantes após perderem a bola, ganhando várias, não tinham depois posses muito prolongadas. Afunilavam Pepê e André Franco para o centro do campo, de um lado para deixar pradaria de corrida a Galeno (nunca se o viu a embalar), do outro a convidar a chegada dos cruzamentos de Martim Fernandes (raramente o fez perto da linha de fundo). Mas, nos espaços curtos, nas nesgas mais ínfimas, tiveram o vasto talento de um rapazola a despontar.
Foi na fronteira da área, aos 19’, que Rodrigo Mora recebeu a bola a rodopiar, num só movimento tão incisivo quanto inato, a orientar o domínio à baliza e a tirar St. Juste da disputa com um passo de valsa sem par, servindo depois, com um passe rasteiro, o remate de Nico González. Soprou de perto o poste. Aos 29’, a estes intervenientes juntou-se Samu num raro apoio frontal para tocar, de primeira, um passe do espanhol e deixar o português a ver a baliza na mira. O seu pronto remate voltou a fazer a bola ir perto de um dos ferros. Era da rebeldia de rua do seu adolescente que o FC Porto extraía os maiores desequilíbrios com bola, um rasgo de luz a clarear uma equipa em que Nico jogava mais recuado no campo, longe dos comandos das jogadas, e o desacerto e desajeito de Pepê a definir as suas ações frustrava várias delas.
Era Mora o farol quando a equipa resistia à tentação de correr apressadamente para a frente, como se viu nos derradeiros cinco minutos antes do intervalo.
Só aí, além de um par de raides solitários de Geny Gatamo por entre pernas, o Sporting se espreguiçou do colete de forças. Com o jogo algo partido, a rasgar mais espaços, Quenda - suplente, mas aparecido cedo para substituir a lesão de Matheus Reis - lançou a corrida de Viktor Gyökeres, finalmente a dar corda às chuteiras para fintar Pérez, ultrapassar ainda Martim Fernandes indo da esquerda para o centro e disparar um perigoso remate em arco, aos 41’. Pouco depois, no segundo de três cantos consecutivos, o adolescente que os leões tinham a dar para a troca foi à direita, recebeu a bola de Catamo e o desvio à bola que rematou obrigou Cláudio Ramos a voar.
E chegava então a segunda parte, o equador das diferenças dos dois jogos anteriores do Sporting com Rui Borges por ter marcado, em ambos, uma clara quebra. Em Leiria, o algodão era para inspecionar se desta vez haveria um safanão ao contrário.
De certa forma houve, surgiu um Sporting menos hesitante a circular a bola atrás, com maior rapidez nos passes e Morita não tão lateralizado à esquerda no seu posicionamento. A equipa avançou o seu bloco no campo, foi ladra várias vezes após ser roubada no meio-campo adversário, conseguia tricotar um pouco as suas jogadas. Numa delas, aos 56’, lá estava o japonês no centro-direita, puxado para as rédeas, a participar numa troca de bola perto da área com Geny, a quem se juntou Quenda na mesma concentração de jogadores nessa zona para, calmo onde tanto centrifugam furacões de precipitação, pôs a sola na bola, frenou por um momento, enganou atenções e soltou Gyökeres na área, no meio da confusão. A finalização subtil do sueco, a renunciar à fúria, deu golo.
À terceira vinda de um intervalo, o Sporting de Rui Borges descobrira o antídoto contra a dormência.
Ainda antes de a ver a bola a entrar já Vítor Bruno fazia despirem-se casacos no banco do FC Porto, arreliado com a ascendência e depois socorrista por reação, em vez de ação. Entrou o malogrado Zaidu, há meses parado por lesão e sem minutos de competição esta época, deixando Galeno avançar para cima de Fresneda, o espanhol com tão-só 259 minutos de jogo até ser titular nesta meia-final; entrou também Fábio Vieira para a meia-direita do ataque, substituindo os 287 minutos até então de outro pouco utilizado, André Franco. Por fim, o treinador satisfazia a curiosidade de se ver a boniteza dos olhos dos portistas conviver no campo com o menino-bonito que o sucedeu nos últimos tempos no carinho dos adeptos.
Nem por isso a equipa teve bases para uma reação. Rodrigo Mora já andava desaparecido, longe do jogo na mesma escala em que os dragões orbitavam de um plano, sem passes a chegarem-lhe entre linhas. Fábio Vieira, ao contrário de quem substituíra, ficava muito colada à linha, se por ordens se por timidez, algo será, mas nenhum deles reclama a si o resgate do FC Porto do buraco de titubearias que escavou após o golo. Dez minutos depois, o adolescente era substituído por Iván Jaime, indo embora na obscuridade. O Sporting, entretanto, já ameaçara de novo, com uma bola aguentada por Gyökeres, passada a João Simões e cruzada por este para o remate de Trincão, aos 71’.
Nem por isso a equipa teve bases para uma reação. Rodrigo Mora já andava desaparecido, longe do jogo na mesma escala em que os dragões orbitavam de um plano, sem passes a chegarem-lhe entre linhas. Fábio Vieira, ao contrário de quem substituíra, ficava muito colada à linha, se por ordens se por timidez, algo será, mas nenhum deles reclama a si o resgate do FC Porto do buraco de titubearias que escavou após o golo. Dez minutos depois, o adolescente era substituído por Iván Jaime, indo embora na obscuridade. O Sporting, entretanto, já ameaçara de novo, com uma bola aguentada por Gyökeres, passada a João Simões e cruzada por este para o remate de Trincão, aos 71’.
Sem jogadas com infância, vida adulta e velhice interligadas, o FC Porto era um conjunto de rasgos ligadas com agrafos, sem um fio condutor. Teve um par de cavalgadas de Zaidu, o seu jogador com mais pó competitivo, que dariam cruzamentos cortados por adversários. Nico González era o marco geodésico da equipa, nunca órfão de enganos e fugas à pressão, certeiro por regra no passe, mas sempre longe das zonas onde poderia desengatilhar jogadas. O único remate com alarido na segunda parte, de Samu, aos 81’, surgiu porque Maxi Araújo falhou um passe quando o Sporting tentava embalar-se para a frente. Apenas assim algo parecia ao alcance dos dragões, caso um erro dos adversários lhes estendesse a mão.
O veneno que aprisionara os jogadores do Sporting durante as segundas partes da era Rui Borges, em que as quedas se pintaram abruptas, pareceu infetar o FC Porto, sem engenho no campo e soluções no banco para remediar a sua inoperância perante um adversário a dar-lhe estímulos novos com os quais lidar. Excetuando a Supertaça, foi o terceiro jogo contra os rivais - e três treinadores diferentes - em que Vítor Bruno e os seus acabaram superados. Da mesma forma que os leões encontraram o seu antídoto, o treinador portista terá de procurar um que eleve a equipa em tais jogos, como este que deu a oitava final da Taça da Liga ao Sporting.