O que sente por treinar um histórico como o Vitória numa fase tão particular?
Estar eu a comandar o barco nesta altura difícil para o clube é para mim um motivo de orgulho muito grande, sendo eu setubalense e tendo feito aqui nesta casa a minha formação. Vi sempre o Vitória na primeira Liga, a ganhar Taças de Portugal, outras vezes na segunda e a subir de divisão, e vemos sempre que sempre que joga, em casa ou fora, os adeptos acompanham-no sempre e continuam, mesmo na 2.ª Divisão Distrital. Há muitos clubes na primeira Liga que não têm a massa associativa presente no estádio que o Vitória tem e isso é, para mim, um motivo de orgulho e de responsabilidade.
Este é o momento desportivamente mais baixo da história do Vitória. Por outro lado, o desafio é ainda maior?
Comigo, todos os projetos são desafiantes. No ano passado, talvez tenha dito o dia mais bonito da minha carreira, pois entrei no Jamor como colaborador do Zé Pedro, e vi o Vitória em força nas bancadas, para no dia a seguir talvez ter tido o mais triste desportivamente que já vivi. A minha vinda para o Vitória veio com lealdade, o sentimento de servir o Vitória e não me servir do Vitória. Não vamos ser hipócritas, sei que com um bom trabalho ao serviço do Vitória posso vir a crescer como treinador, inquestionável, mas a minha vinda para o Vitória foi para servi-lo, porque é muito difícil para mim, que sou da cidade, enquanto adepto viver o sonho de estarmos esta época numa Liga 3 e, no dia a seguir, estarmos numa distrital.
Vivi esse sonho e ponho-me um pouco desse lado do adepto, porque também o senti e sinto, quando entramos em campo, e vemos aquela moldura humana toda. Quando digo que venho para o Vitória com um sentimento de responsabilidade e orgulho enorme, foi baseado nesses pontos todos e quando tudo o que está à volta desta administração, o profissionalismo que põem, sinto que também estou a crescer porque estamos habituados, no mínimo, ao que foi o ano passado e a exigência que há no Vitória este ano é a mesma que estava no ano passado. Tem tudo para correr bem? Tem, mas também sabemos que, como o Carlos disse, por vezes a bola bate na barra e não entra e teremos de saber ultrapassar essas dificuldades.
Fazia parte da equipa técnica anterior, como adjunto de Zé Pedro, e assumiu a equipa como treinador principal. Ponderou acompanhá-lo rumo, na altura, ao Alverca? Considera que trazer continuidade ao clube neste momento pode fazer toda a diferença?
Nunca se proporcionou eu acompanhar o Zé, nunca se pôs em equação. Quanto ao facto de a escolha para treinador principal ter sido pela minha pessoa, obviamente que fica mais fácil quando já se ganhou. Já fui duas vezes campeão, e já tinha subido a outra equipa [equipa B], portanto o conhecimento sobre esta divisão existe. É tudo muito mais fácil quando já se está cá dentro e se tem conhecimento, apesar de se ter saído durante uma época para o Campeonato de Portugal e não ter acompanhado tanto a 2.ª distrital. Tínhamos a equipa B e ao conseguirmos observar alguns jogos da equipa B tornar-se-ia muito mais fácil a alguém da casa poder, com este perfil, ficar, pois conhece os cantos à casa, a maneira de trabalhar da direção. E notei isso: houve muitos jogadores que, quando se criou este projeto no Vitória, devido a já terem ouvido falar do Paulo nesta divisão e de o Paulo já ter ganho, também gostariam de um dia trabalhar com ele.
Houve, por isso, energias que começaram a juntar-se aqui e fica mais fácil, quando se conhece os cantos à casa, ser-se o responsável por levar o barco.
Têm sido anos muito atribulados para o clube, que da Liga passou para o Campeonato de Portugal, depois integrou a Liga 3, depois foi despromovido ao Campeonato de Portugal, na época passada conquistou desportivamente o acesso à Liga 3 mas acabou remetido à 2.ª Divisão Distrital. Como se mantém o Vitória levantado no seguimento de tudo isto?
Acompanhei por fora as descidas administrativas, exceto a do ano passado. Não é fácil, pois uma descida de divisão em qualquer clube ou qualquer clube que não atinja os objetivos não é fácil e continuo a dizer que, se o Vitória está vivo, é graças aos adeptos porque é muito difícil que um clube caia para uma 2.ª Divisão Distrital, vai jogar a 50 km e os adeptos vão ao lado do autocarro, a buzinar. Chegamos ao estádio e eles estão à nossa espera – isso faz com que o Vitória esteja vivo.
O Vitória neste momento pode ser um monstro adormecido, porque a força que existe em Setúbal tem de ser alavancada. Agora, para nós que estamos mais ligados ao que é o treino e o jogo, jogar no Vitória é uma responsabilidade grande por tudo isto que estávamos aqui a falar e há que transmitir a quem joga, pois nós temos as nossas ideias mas eles é que decidem lá dentro, que eles têm de assumir a responsabilidade e todos nós temos um lema, que é saber onde estamos e para onde queremos ir.
Não vale a pena nós, equipa técnica e jogadores, estarmos a pensar que o Vitória daqui a seis anos está na primeira Liga; se este ano não subirmos, daqui a seis anos será impossível, portanto o nosso posicionamento, enquanto equipa técnica e jogadores, é que estamos na 2.ª Divisão Distrital. Para onde queremos ir? Para a 1.ª Distrital. E o que temos de fazer? Ganhar. E desde o início, quando começámos com oito jogadores, quando houve jogadores que entraram no balneário e olharam uns para os outros, havia mais espaço que jogadores.
E eu dizia-lhes: calma, as coisas estão a ser trabalhadas. Estejam descansados, porque vamos ter um plantel competitivo. Porque aqueles que vinham com nome podiam olhar para o lado e pensar: onde me vim meter? Mas não, acreditaram e o que é certo é que as coisas estão a correr de encontro com o que esperamos. Todos nós sabemos que cada um tem uma responsabilidade dentro do grupo e tem de levá-la ao máximo, porque se todos eles tiverem esse foco, o bem-estar no balneário vai sair bem mais forte. Se houver um a baixar, os outros terão de o levantar, pela exigência que existe.