Num clube com pragas de ratos à solta no estádio, num clube onde chove dentro da sala de conferências de imprensa, num clube que contrata dirigentes que se vão embora poucos meses depois, num clube onde nada funciona, seria de esperar que a equipa funcionasse?
Num certo sentido, o rendimento da equipa principal de futebol masculino do Manchester United é uma extensão desta entidade em crise. A crise já não é momentânea, a crise é o modo natural da vida.
Seis semanas passadas da chegada de Ruben Amorim, boa parte do embalo emocional e da energia da contratação do treinador parece perdida. Esfumou-se numa tarde de nevoeiro, de neblina, de fantasmas à solta.
Pela terceira partida seguida, o Manchester United perdeu. O carrasco, por 2-0, foi o Wolverhampton de Vítor Pereira, uma alcateia de lobos que, de forma natural, devorou os red devils, que praticamente não incomodaram José Sá.
Os dois golos surgiram quando a equipa da casa já jogava em superioridade numérica, devido à expulsão de Bruno Fernandes. O boxing day mais português de sempre — este 26 de dezembro foi o primeiro dia da história da liga inglesa em que quatro treinadores nacionais jogaram — teve Marco Silva, Vítor Pereira e Nuno Espírito Santo como vencedores, mas Ruben Amorim como face triste das partidas em tons de Natal.
O fim de tarde no Molineux apresentou-se envolto numa neblina que deu ao jogo as cores de um filme sobre as trincheiras da Primeira Guerra Mundial ou de um livro de Charles Dickens. Um cenário frio, misterioso, pouco nítido.
Em linha com o fenómeno atmosférico que dificultava a visão, tornando-a mais turva, menos clara, o futebol do Manchester United foi o que o futebol do Manchester United é: algo de forma pouco definida, um sistema cuja principal característica é a disfuncionalidade, é não se perceber bem para que serve, quais são as suas intenções. Se a ideia é pressionar, falta coordenação; se o propósito é defender compacto e sair rápido, falta agressividade; se o objetivo é circular com calma, falta ordem.
Além do duelo português nos bancos, houve muita pronúncia nacional no relvado. No Wolverhampton, José Sá, Nelson Semedo, Toti Gomes e Gonçalo Guedes foram titulares, com Rodrigo Gomes a suplente utilizado. No United, Bruno Fernandes e Dalot também atuaram de início.
Wolverhampton é um local onde o futebol se cruza com a música. O “Hi Ho Silver Lining”, de Jeff Beck, soa sempre antes do apito inicial, uma fuga aos sons mais eletrónicos de muitos estádios atuais. Nas bancadas, estava Robert Plant lendário vocalista dos Led Zeppelin e, hoje, vice-presidente do seu clube do coração.
Desde a primeira parte começou a notar-se a superioridade da equipa da casa. Sem criar muitas oportunidades de golo — o lance mais perigoso terá sido um remate de longe de Nelson Semedo, que quase deu golo após desviar em Højlund —, o Wolverhampton dominou a posse, evitou as saídas do Manchester United, deixou os red devils desconfortaveis.
A certa altura do primeiro tempo, Amad Diallo tentou um passe de calcanhar mesmo junto à linha lateral, a escassa distância de Ruben Amorim. A bola perdeu-se e o treinador abriu os braços, triste, como um operário desalentado a voltar para casa desconsolado num dos tais romances de Dickens. O nevoeiro intensificava-se e o United só ameaçou José Sá num bom tiro de Dalot, defendido pelo guardião.
Se Amorim foi utilizando uma expressão algo vazia no banco, Vítor Pereira manifesta o sentimento contrário. O técnico não esconde que muito sonhou estar aqui, muito batalhou para treinar na Premier, e, agora que cumpriu o objetivo, parece a criança mais feliz do Natal. A alegria aumentou consideravelmente no recomeço.
Logo aos 47’, Bruno Fernandes viu o segundo amarelo e foi expulso. Até esta temporada no Manchester United, o capitão somou zero vermelhos em 232 jogos. Esta campanha já foi expulso três vezes em 27 partidas.
No lance seguinte a ficar em superioridade numérica, o Wolves colocou a bola no fundo da baliza de Onana, mas Larsen estava fora de jogo. Aos 58’, veio o 1-0, num canto direto em que Matheus Cunha aproveitou a hesitação e falta de imposição de Onana na área para chegar ao 10.º golo nesta Premier League.
O Manchester United nunca esteve verdadeiramente perto do empate. O melhor recurso ofensivo da equipa parecia ser fazer subir Maguire no campo e esperar que uma bola chegasse à cabeça do central, uma caricatura para quem gastou fortunas em atacantes como Højlund, Zirkzee ou Antony.
Os red devils só tiveram suaves ameaças em lances não muito esclarecidos, protagonizados por Antony ou Garnacho. Do lado dos lobos, André, o homem que em tempos esteve para ir para o Sporting para a vaga que ficaria para Hjulmand, enchia o relvado mesmo na cara de Amorim, que esteve para ser o seu técnico.
Mas a estrela da tarde de nevoeiro, brilhando por entre a escuridão, foi Matheus Cunha. O voador atacante conduziu o lance que levou ao 2-0, ao nono minuto de compensação, oferecendo o golo a Hwang Hee-Chan.
Vítor Pereira é primeiro técnico do Wolverhampton a ganhar os seus dois embates iniciais na primeira divisão desde Sammy Chung em agosto de 1977, fazendo-o sem sofrer qualquer golo. Já o United, o clube em que nada funciona, tem uma equipa que não funciona.