Há pessoas em cujas mentes tudo o que acontece é leviano e arquitetado, tudo é fruto de esquemas maliciosos, compadrios e manipulações obscuras. Tudo tem interesses subjacentes. Tudo menos eles. Gente com este perfil passa parte do seu tempo a lançar suspeitas e a especular conspirações que raramente consegue provar

Em qualquer sociedade moderna há sempre meia dúzia de figuras que se acham guardiões da moralidade e dos bons costumes. Gente que se convenceu ser a última linha de defesa contra um mundo que alegam ser hipócrita, corrupto e decadente.
Todos conhecemos alguém assim.
Claro que a ética é importante, muito importante! Tentar levar a vida da forma certa é o mínimo que se pode exigir a nós e aos outros. É elogiável (e recomendável) a denúncia pública de condutas que claramente prejudiquem terceiros. É fundamental expor quem julga que pode escapar impune a expedientes imorais, que lesem pessoas e instituições honestas. Certo.
Mas aqui o nível é outro.
Os paladinos da verdade, que geralmente têm algum espaço mediático ou de intervenção pública, julgam-se moralmente superiores. Estamos a falar de indivíduos que, para sobreviverem em universos exigentes, mascaram-se de bons samaritanos, quais justiceiros sem capa, batendo em tudo o que mexe.
Nas suas mentes, tudo é leviano e arquitetado, tudo é fruto de esquemas maliciosos, compadrios e manipulações obscuras. Tudo tem interesses subjacentes. Tudo menos eles.
Gente com este perfil passa parte do seu tempo a lançar suspeitas e a especular conspirações que raramente consegue provar. A maioria do que ‘denunciam’ resulta apenas da forma como percecionam o mundo e os outros.
No fundo, são vendedores de opacidades, construtores de narrativas efabuladas, com um objetivo muito claro: a autopromoção, a atenção dos outros, o elogio à ‘sua’ propalada independência, seriedade e coragem.
Precisam desse combustível como do ar para respirar.
Como acontece com qualquer outra pessoa, com qualquer um de nós, os paladinos da verdade são fáceis de decifrar.
Um dos seus traços mais comuns é a ideia de que moram numa realidade moral inatingível, convencidos que conduzem - e conduziram - as suas vidas pessoais e profissionais de forma moralmente perfeita. Ora ninguém é infalível e muitos deles são até conhecidos por percursos cheios de atropelos a terceiros, alguns ao ponto de suscitarem ódios irreversíveis.
Esse moralismo extremo serve apenas para mascarar inseguranças pessoais, mais do que para promover a verdadeira mudança social, como tanto apregoam.
Outra característica comum é a pressa no julgamento. Se é notícia, se é falado, se está em voga, atiram logo a matar. Que se lixem a complexidade da situação, os contornos do desconhecido, as peças que faltam encaixar. O timing é tudo, não vá a novidade ser dada por outros. O ego exige intervenção imediata, de preferência, criando suspense.
Tudo escudado, claro está, no tal discurso puritano e pseudo-frontal, imagem de marca da sua ‘superioridade’. Não percebem que há uma grande diferença entre procurar a verdade e achar-se dono dela.
Regra geral, quem quer apurar factos concretos, é humilde nesse caminho. Genuinamente humilde. Os paladinos da verdade fingem humildade, mas não a têm. Procuram autoafirmação, de preferência com tiradas “em primeira mão”, que só eles sabem, só eles tiveram acesso, só eles anteciparam que iria aconteceria.
Enquanto seres humanos, não somos iguais, não somos perfeitos, não somos infalíveis nem temos mais autoridade moral do que ninguém. Já errámos e falhámos muito e continuaremos a errar e a falhar muito. Todo nós.
A diferença é que uns sabem disso.
Outros não.