
A professora recitava Frederick Douglass na escola. Os poemas denunciavam a escravatura e reclamavam a liberdade. A turma ouvia e retinha os versos escritos por alguém que quis ser mais do que o tom de pele. Jabari Parker desenvolveu esse mesmo desejo sentado na secretária. As rimas tê-lo-ão inspirado a, mais tarde, estar na linha da frente dos protestos que se seguiram à morte de George Floyd vestindo uma t-shirt com letras garrafais: “Why?”
Só mais tarde é que Jabari percebeu que os manuais escolares que o ensinavam estavam desatualizados. O seu mundo era o bairro em que vivia, no sul de Chicago, e os vizinhos de sempre: os gangues, os tiros, o tráfico de droga e a violência. Era também o que a professora dizia sobre o mundo lá fora. Quando começou a jogar basquetebol, alguns dos colegas de equipa moravam em quarteirões mais abastados da cidade e organizavam festas de pijama para as quais era convidado. Na casa dos amigos via livros de História novos, enquanto os seus tinham sido herdados, sem capa, de algum dos nomes que delineavam uma árvore genealógica de proprietários na primeira página.
“Não há muitas crianças do gueto que se vejam como o próximo Steve Jobs”, escreveu no The Players' Tribune em 2016. “Fiquei farto de usar livros velhos. Fiquei farto do barulho todo. Fiquei farto dos helicópteros a voarem por cima da minha casa às duas da manhã. Fiquei farto das sirenes. Fiquei farto de toxicodependentes no beco debaixo da janela do meu quarto. Fiquei farto da polícia com holofotes gigantes por cima das cabines telefónicas para tentar afastar os traficantes de drogas.”
Jabari Parker é atualmente jogador do Barcelona. Durante a semana atua na EuroLiga e ao fim de semana joga no reputado campeonato espanhol. Os catalães não estão a ser particularmente dominantes em nenhuma das competições, mas o extremo acabou de anotar 34 pontos, em 21 minutos, frente ao BC Andorra, a marcação mais elevada de um jogador culé nos últimos 11 anos na Liga ACB. Deixou a NBA em 2022 quando foi dispensado pelos Boston Celtics. Falhar pode ser muitas coisas, só talvez não seja aquilo que aconteceu com ele, como disse aos canais oficiais do emblema blaugrana: “Tenho uma vida maravilhosa, estou a jogar na EuroLiga aos 30 anos, numa cidade e num clube incríveis.”
Trata-se de uma questão de expectativa. Em 2012, a “Sports Illustrated” fotografou-o em Chicago numa das margens do rio homónimo. A imagem fez capa da revista onde se lia: “O melhor jogador do ensino secundário desde LeBron James é... Jabari Parker.” É um rótulo difícil de descolar. Jahlil Okafor, que também chegou à NBA, contou no podcast Run Your Race que, a partir daquele momento, as pessoas começaram a tratar o amigo como “uma estrela de cinema”.
Após um ano em Duke, a universidade que produziu mais primeiras escolhas do Draft ao longo da história (Kyrie Irving, Zion Williamson e Paolo Banchero, as mais recentes), Jabari Parker rumou à NBA. Tinha apenas 19 anos quando os Milwaukee Bucks o selecionaram na segunda posição do evento anual que distribui os jovens talentos pelas equipas da liga norte-americana. Trata-se de uma cerimónia em contraciclo com as outras, ou seja, o melhor nunca fica guardado para o fim.
Os Bucks já tinham Giannis Antetokounmpo. Juntar um dos maiores talentos dos Estados Unidos significava passar a ter uma base sólida para o futuro. A notícias da altura dizem que a relação de Jabari Parker com a equipa (e com o treinador, Jason Kidd) não era a melhor, chegando a ser excluído dos titulares por falar publicamente sobre uma reunião privada entre os elementos do balneário.
O mais ruinoso para a carreira na NBA foram mesmo as lesões. Logo na época de estreia, rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo. Repetiu a façanha em 2017 quando estava a realizar a melhor época da carreira, somando 20,1 pontos de média por jogo. Quando recuperou, afundou-se em descrédito e passou a ser usado meramente como moeda de troca em negócios que o fizeram passar, sem relevo, por cinco equipas em quatro épocas. A parti daí, ninguém na NBA continuou a atender as chamadas do seu agente.
Hoje em dia não acompanha o que se passa no basquetebol dos Estados Unidos. Não vê jogos e regressar à NBA deixou de ser um objetivo pelo qual esteja obcecado. "Quantas pessoas conseguiram voltar a jogar com as lesões que tive? Não tinha a garantia de que iria conseguir voltar a andar normalmente. Às vezes, esqueço-me de que fui operado.” Na entrevista que deu aos órgãos do Barcelona, confidencia que, depois de tudo o que passou, está num “ótimo lugar”.
“As pessoas dizem que tenho uma história trágica. O que há de trágico em mim? Ganhei milhões de dólares, alimentei a minha família e tirei a minha família do gueto.”
“The soul that is within me no man can degrade” - Frederick Douglass