A ligação entre política e desporto não é uma coisa recente. A utilização do desporto como veículo de valores e ideologias remonta ao tempo da Grécia Antiga, quando os Jogos Olímpicos prestavam homenagem a Zeus. Homens de todos as Cidades-Estado rumavam a Olímpia para cerimónias religiosas e competições de índole diversa.
Também na época do Império Romano, o desporto era utilizado como forma de fomentar uma boa reputação e aumentar o poder político. Era de certa forma, um exemplo de “Sportswashing” (termo que só surge em 2015), em que, segundo a Encyclopedia Brittanica, um indivíduo, governo, empresa ou outro grupo organizam um evento desportivo com vista a melhorar a respetiva imagem.
Sinceramente, os casos são inúmeros, desde os Jogos Olímpicos de Berlim de 1936 que visavam incentivar a comunidade internacional a aceitar a Alemanha Nazi ao Campeonato do Mundo do Catar, existem tantos exemplos deste tipo de ocorrência que comprovam como a política e o desporto possuem uma ligação muito forte.
Nem é preciso olhar só para ditaduras ou pseudodemocracias para testemunhar essa ligação. Nem sequer é necessário olhar para fora de Portugal. Ao fim e ao cabo, a manifestação mais básica da relação entre desporto e política é a organização de um grande evento desportivo, nomeadamente uma final da Champions League ou as primeiras três etapas da Volta a Espanha. Estas ocasiões têm tendência para beneficiar a imagem de um governo nacional e/ou autárquico, seja de forma direta através da simpatia do público que pode desfrutar destes eventos ou das consequências económicas positivas que estes últimos podem ter, nomeadamente através do turismo e da construção de infraestruturas.
Outro aspeto que reflete a relação política-desporto é a manifestação de posições políticas e sociais em eventos desportivos. E tal como o “Sportswashing”, este fenómeno também gera muita controvérsia. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando no âmbito de uma campanha (realizada desde 2019), contra a homofobia, foi pedido aos capitães e os treinadores das equipas do campeonato francês de futebol que utilizassem uma braçadeira arco-íris. A campanha não correu bem, com várias figuras a rejeitar usar o equipamento de apoio à comunidade LGBTQI +.
Ocorreu uma situação semelhante no Mundial do Catar, um país onde a homossexualidade é crime. Como tal, várias seleções, como a Inglaterra e a Alemanha, manifestaram o desejo de usar uma braçadeira com um coração multicolor a mensagem “One Love” em oposição a qualquer tipo de discriminação, seja com base na etnia, género, orientação sexual, etc. Tal acabou por não acontecer.
Porquê? Bem, segundo as federações das seleções que iam participar nesta iniciativa, a FIFA terá ameaçado atribuir um cartão amarelo a qualquer jogador que usasse a braçadeira. Tal postura estaria sustentada pelos regulamentos do organismo que tutela o futebol mundial, pois aí está estipulado que não é permitido colocar slogans políticos, religiosos ou qualquer afirmação pessoal no equipamento. Apesar de tudo, a federação alemã de futebol garantiu que usar a braçadeira não tinha uma finalidade política:
«Não se tratava de fazer uma declaração política – os direitos humanos não são negociáveis. Isso deveria ser garantido, mas ainda não é o caso. É por isso que esta mensagem é tão importante para nós», pode ler-se num comunicado emitido a 23 de novembro de 2022
Os alemães acabaram por contornar esta ameaça, com o 11 inicial da primeira partida (frente ao Japão) a tapar a boca na fotografia que é tirada ao grupo de jogadores que vai começar o jogo por cada seleção. A postura gerou reações polares, com muita gente a apreciar a persistência da Alemanha e outros a condenar os jogadores alemães por não se focarem no jogo e não respeitarem a cultura do país em que se encontravam.
A Alemanha foi eliminada na fase de grupos, o que levou muitos destes opositores a afirmar que a eliminação precoce da “Mannschaft” se deveu à sua preocupação em tomar uma posição dita política em vez de jogar futebol. Porque, obviamente, combinar um gesto antes de um jogo consome muito tempo e espaço mental. Compromete a preparação física dos jogadores e claramente, não basta uma mensagem num grupo de Whatsapp para combinar isso em 5 minutos.
Mas este é um argumento comummente utilizado por quem defende que o desporto não deve assumir posições políticas ou sociais. Parece que a pior coisa do mundo é a comunidade desportiva tomar uma posição perante determinados assuntos sociais (muitos nem políticos são, como é o caso do apoio à comunidade LGBTQI +).
Mas é sequer possível separar o desporto e a política? Não parece. Tanto o desporto como a política ajudam a disseminar mensagens e impulsionam a mudança social. O desporto tem a capacidade de reforçar o sentimento de união entre a população de um território, apelando a ideais patriotas.
Basta ver o sentimento de esperança que existiu quando a Coreia do Norte e a Coreia do Sul marcharam sob a mesma bandeira na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de inverno, em 2018. Ou então o efeito que o Campeonato do Mundo de Rugby de 1995 teve numa África do Sul muito dividida, depois de Nelson Mandela se tornar no primeiro Presidente negro do país. São situações que demonstram o poder apaziguador que o desporto tem, como é capaz de limar as divergências entre as pessoas.
Dizem muitas vezes para “sermos a mudança que queremos ver no Mundo” e o desporto proporciona essa possibilidade. O próprio Mandela reconheceu este poder do desporto:
«O desporto tem o poder de mudar o mundo. Tem o poder de inspirar. Tem o poder de unir as pessoas de uma forma que pouco mais tem. Fala aos jovens numa linguagem que eles compreendem. O desporto pode criar esperança onde só havia desespero», citado pelo Fórum Económico Mundial
Portanto a ideia de que política e desporto não se misturam é totalmente errada e, honestamente, utópica. O desporto reflete os valores da sociedade em que se insere e se tenta assumir uma postura neutra, na verdade está a assumir uma bem clara. Basta ver no caso da invasão da Ucrânia. Se os palcos desportivos não fossem usados para demonstrar união no apoio ao povo ucraniano, isso não seria também uma tomada de posição, uma de passividade perante o conflito?
É verdade que a relação entre política e desporto pode nem sempre correr da melhor forma. No fim do dia, talvez seja tão boa como aqueles que se aproveitam dela. Mas é uma ligação que faz parte daquilo que o desporto é e que se deve orgulhar de ser. Não apenas mais uns fulanos a correr atrás de uma bola ou a andar de bicicleta, mas algo capaz de unir a comunidade. O desporto é o motor da mudança que a política consagra.