É nestas alturas que tem piada olhar para números. Leandro Barreiro é um médio centro, mais habituado à metade defensiva do campo do que a grandes expedições atacantes. Em 61 jogos pela seleção do Luxemburgo, onde empresta um nível futebolístico que muitos poucos jogadores do grão-ducado poderão oferecer, tem dois golos. Nas duas últimas épocas no Mainz, marcou quatro golos em cada uma delas. Apenas menos um, portanto, que os três que marcou esta sexta-feira, no jogo que abriu a 2.ª volta do campeonato, onde se tornou também, de acordo com os nossos amigos do zerozero, no primeiro médio centro a marcar três golos num só jogo pelo Benfica em 25 anos, imitando o que Maniche fez em 2000 frente ao Farense.
Aconteceu, portanto, uma espécie de óvni futebolístico na Luz. E daí talvez não. Com Florentino mais estático e Kökçu dedicado à criação, o médio de origem angolana foi uma espécie de vagabundo no corredor central encarnado, com liberdade para aparecer na frente, baralhando as referências defensivas de um Famalicão muito pálido, quase não competitivo e que aumentou para nove os jogos sem vencer. A vitória por 4-0 fez-se sem particular pé no acelerador: o Benfica foi superior, muito superior, e juntou-se assim ao Sporting no topo da tabela da I Liga. À condição, claro está.
Contou-se bem cedo a história do jogo. O Benfica, sem Di María, entrou mandão e a permitir zero ao Famalicão, atirando-se à pressão alta e à recuperação rápida da bola. Aos dez minutos, já Schjelderup brincava com o seu talento, o golo esteve nos seus pés por duas vezes e segundos depois o Benfica abria o marcador com naturalidade: Otamendi lançou bem a entrada de Pavlidis pela esquerda, com o grego a trabalhar bem sobre o adversário, aproveitando o aparecimento de rompante de Barreiro na área, quase como um segundo avançado. Um toque de classe fez o resto.
O Famalicão, por ora, era uma equipa ausente, sem qualquer voz no jogo. O Benfica jogava, errava, falhava, criava muito. Aos 17’, Rodrigo Pinheiro roubou no momento certo o golo a Schjelderup e aos 25 minutos Trubin tocou pela primeira vez na bola. Não para defender, mas sim para dar um passe para um companheiro e iniciar mais um ataque encarnado.
Já nos últimos minutos da 1.ª parte, Schjelderup, cuja missão para este jogo, provou-se, seria desta vez mais altruísta do que de ator principal, fletiu para o centro e cheirou a diagonal de Leandro Barreiro, lesto a aparecer nas costas da defesa do Famalicão para fazer o 2-0. A ponte para o Barreiro tornava bem mais rápido o caminho para o regresso às vitórias do Benfica para o campeonato.
A 2.ª parte não trouxe um Famalicão de atitude renovada, a equipa de Hugo Oliveira foi sempre uma espécie de alma penada passando casualmente pela Luz e nos poucos espaços dados pelo Benfica não conseguiu aproveitar. Arrastava-se o jogo para o que soava a 45 minutos de controlo encarnado, mas sem grandes acelerações, quando Sorriso rematou ao lado sem qualquer oposição, depois de um erro na saída de Otamendi.
A possibilidade de sofrer um inesperado golo, abrindo o jogo, abanou o Benfica que decidiu, a partir daí, esfolar. E o resultado só não chegou a números aviltantes porque Pavlidis, que foi um dos melhores em campo, continua de costas voltadas com aquilo que lhe deu fama: o golo. Aos 61’, rematou ao lado após belo serviço de Kökçu, outro dos melhores do Benfica. E minutos depois tentou um belo chapéu, que iria à barra. A jogada não contaria, por fora de jogo do grego, mas o lance, quase perfeito em tudo, menos na pontaria, é paradigmático do momento do avançado, que suou que se fartou pela equipa, arrastando marcações, servindo de pivô, assistindo para golo.
Mas o 3-0 não demoraria. Schjelderup tentou a sua jogada registrada, navegando da esquerda para o meio, mas o que pareceu uma tentativa de remate transformou-se numa extraordinária assistência para Barreiro, que surgiu sem marcação, mais uma vez, ao 2.º poste. O 4-0 seria obra de uma arrancada pela direita de João Rego, aposta de Lage para os últimos minutos, tal como o albanês Bajrami, em estreia na I Liga. O passe atrasado do jovem português encontrou Aktürkoğlu (mais uma vez bem apagado), que com o calcanhar lançou Kökçu, que à entrada da área rematou colocado para o 4-0.
Depois da vitória na Taça da Liga, o Benfica arranca a 2.ª volta com uma das exibições mais concludentes da era Lage. O adversário, passivo, ajudou a uma festa que teve um protagonista inesperado, o goleador Leandro Barreiro.