
Num país como o Portugal, o futebol e a política são duas paixões que mobilizam diversas multidões. Mas a verdade, é que foram poucas as vezes que partilham o palco no mesmo dia. Desde 25 de abril de 1975 até 17 de maio de 2025, em apenas cinco das 18 eleições legislativas (este domingo será a 19.ª) existiram jogos da Liga Portuguesa ou da Taça de Portugal a decorrer no mesmo dia.
Quando tal acontece, existem curiosidades interessantes nos dados resultantes desses dias e até inesperadas. Quais clubes entram mais em campo quando o país vai às urnas? Quem vence mais em dia de decisões políticas? E qual será o verdadeiro campeão das legislativas?
Desde as primeiras eleições em 1975 (primeiras para a Assembleia Constituinte, legislativas a partir daí), realizaram-se 18 atos eleitorais nacionais. Mas apesar da tradição portuguesa pelo voto como a paixão pela bola a um domingo, os dois esféricos raramente coincidem no mesmo. Na verdade, em 51 anos de regime democrático, só em cinco ocasiões houve futebol jogado em simultâneo com legislativas: 1979, 1995, 2015, 2022 e 2024. A tendência tem sido clara ao longo dos anos. Tanto a FPF como a Liga, muitas vezes evitam que os clubes entrem em campo no mesmo dia em que os cidadãos vão às cabines de voto para decidir acerca do seu futuro.
Olhando para as datas em que o futebol e a política coincidiram, o caso mais excecional foi o de 1979. No dia em que a Aliança Democrática (do PSD de Francisco Sá Carneiro, do CDS de Diogo Freitas do Amaral e do PPM de Gonçalo Ribeiro Telles) obteve a sua primeira maioria absoluta de deputados para a Assembleia da República e consequente governo, disputaram-se nada menos do que 59 jogos a contar para os 64 avos de final da Taça de Portugal.
Desde então, a coincidência de dia entre o futebol profissional e os atos eleitorais passou a ser mais episódica e apenas em jogos para a Liga Portuguesa. Em 1995, por exemplo, disputaram-se cinco jogos da Liga nesse dia. No mesmo dia em que o PS de António Guterres vencia de forma clara (ficou apenas a quatro deputados da maioria absoluta) e voltava ao poder após dez anos de cavaquismo, defrontaram-se para o campeonato: Leça FC e SC Braga (0-1); Gil Vicente e Farense (2-2); Belenenses e União de Leiria (3-1); Chaves e Campomaiorense (4-1) e Tirsense com Felgueiras (0-0). Em 2015, 2022 e 2024, o futebol surgiu em paralelo com o dia das urnas, mas de forma discreta, com duas a quatro partidas por jornada e maioritariamente em horários que não colidiam (muito) com o período de tempo para exercer o direito de voto.
Indo aos números dos clubes em dia de festa da democracia, os números algo que surpreendem. Se os três clubes grandes do futebol português (Sporting, Benfica e FC Porto) pouco jogaram no mesmo dia que atos eleitorais, existe um clube que foge à regra: o Sporting Clube de Braga.
Os arsenalistas entraram para dentro das quatro linhas em quatro domingos eleitorais, mais do que qualquer outro clube. A 2 de dezembro de 1979 e treinados por Fernando Caiado, eliminaram (1-0 em Oliveira de Azeméis, golo de Chico Gordo) o Oliveirense da Taça de Portugal. A 1 de outubro de 1995 e orientados por Manuel Cajuda, derrotaram o Leça (1-0 em Leça da Palmeira, golo de Bruno) para a Liga. A 4 de outubro de 2015 e com Paulo Fonseca no comando, empatam em casa (0-0) com o Arouca de Lito Vidigal. Por fim, receberam e venceram o Moreirense (2-0, marcaram Al Musrati e Ricardo Horta de grande penalidade), a 30 de janeiro de 2022 e comandados por Carlos Carvalhal. Ao todo, os guerreiros do Minho somaram três vitórias e um empate (75% de eficácia), sem nunca perder em dia de legislativas.

Os restantes grandes apresentam registos (algo) mais contidos, uns no aproveitamento e outros na comparência. O Sporting e o FC Porto empatam no número de jogos. Ambos entraram em campo em dia de eleições legislativas por três vezes, mas têm aproveitamento diferente.
Os azuis e brancos jogaram e venceram as três vezes. A 2 de dezembro de 1979 e às ordens de José Maria Pedroto, receberam e eliminaram o Lusitânia dos Açores (2-0, bis do capitão Fernando Gomes, com o segundo de grande penalidade) da prova rainha.
Quase 36 anos mais tarde, a 4 de outubro de 2015 e comandados por Julen Lopetegui, os dragões receberam e golearam o Belenenses (4-0, marcaram Corona, Brahimi, Osvaldo e Marcano) para manterem a liderança da Liga (partilhada com o Sporting de Jorge Jesus). Seis anos depois, a 30 de janeiro de 2022 e já orientados por Sérgio Conceição, os portistas voltaram a receber e a vencer, desta vez o Marítimo (2-1, marcaram Evanilson, Pepê e Edgar Costa).
Esta terceira com as particularidades de terem sido a única equipa grande a jogar neste dia (Sporting e Benfica jogaram na véspera a final da Taça da Liga, em Leiria, ganha pelos leões com 2-1 no marcador) e terem entrado em campo já se sabendo que o PS de António Costa (provavelmente, como se veio a verificar) iria obter a maioria absoluta de lugares no Parlamento. 100% de aproveitamento para os dragões em dia de eleições legislativas.

O Sporting também jogou três vezes, mas com duas vitórias e um empate. O dia que não venceram, foi o mesmo da primeira maioria absoluta da Aliança Democrática. A 2 de dezembro de 1979, os leões empataram em Amarante (1-1, marcou Rui Jordão pelos leões) e tiveram de jogar mais uma vez com a equipa nortenha, três dias depois em Alvalade (golearam por 4-0), para desfazer a eliminatória da Taça de Portugal. As duas vitórias ocorreram em 2015 e 2024.
Na primeira, os leões de Jorge Jesus entraram em campo já se sabendo que a coligação Portugal À Frente (PSD-CDS, liderados por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas) tinha vencido as eleições legislativas (mas que depois seria a “Geringonça” de esquerda a ir para o poder com António Costa ao leme) e golearam o Vitória de Guimarães (5-1, com hat-trick de Slimani, bis de Téo Gutiérrez, Adrien Silva e Josué Sá) que tinha um novo treinador, um tal de… Sérgio Conceição.
Na segunda, os leões de Rúben Amorim deslocaram-se a Arouca e venceram por 3-0 (faturaram nesse dia Viktor Gyokeres, Geny Catamo e Morten Hjulmand). Mantendo assim uma liderança de quatro pontos para o Benfica e fundamental para conquistar o vigésimo campeonato dois meses depois. Com a particularidade de os leões terem abandonado as quatro linhas pela mesma altura que se soube que Luís Montenegro e a “sua” AD, tinha ganho as eleições e deixado o PS de Pedro Nuno Santos a pouco mais de 50 mil votos de distância. Uma taxa de 66,7% no aproveitamento dos leões em dias de eleições legislativas.

Já o Benfica foi o que entrou menos vezes em campo nos dias de eleições legislativas. Os encarnados só jogaram por duas vezes, mas também conseguindo um pleno: duas vitórias limpas. A primeira foi no dia em que os rivais também jogaram os 64 avos de final da Taça de Portugal, recebendo e vencendo o Quimigal (3-0, bis de Humberto Coelho e autogolo de Oliveira). A segunda foi a 10 de março de 2024, tendo entrado em campo já se sabendo da vitória da AD sobre o PS e de uns espantosos 18% do CHEGA de André Ventura. As águias de Roger Schmidt receberam e venceram o Estoril-Praia (3-1, marcaram Kokçu, Rodrigo Gomes, Marcos Leonardo e Tiago Gouveia), mantendo uma perseguição à liderança ocupada pelo Sporting, que acabaria por não ser alcançada.
No entanto, o registo de jogos das águias em dia de eleições legislativas podia ser igual ao de dragões e leões, não fosse… a meteorologia. No dia 4 de outubro de 2015, tal como os rivais, o Benfica de Rui Vitória tinha encontro marcado para a Madeira frente ao União. O jogo foi adiado pelas más condições do tempo e apenas se jogara dois meses depois, terminando num empate a zero. Apenas por esta circunstância, o Benfica é o clube (dos três grandes) que menos entrou em campo em dia de legislativas e nunca se saberá se manteria o aproveitamento de 100% já obtido.

Este “campeonato das legislativas” mostra um padrão interessante: nenhum dos quatro clubes citados que jogaram em dia de eleições legislativas, alguma vez perdeu. Talvez uma coincidência, talvez reflexo da prudência do calendário ou dos adversários sorteados para aquele dia. Mas não deixa de ser um dado curioso.
A Seleção Nacional A? Nunca entrou em campo num domingo de eleições legislativas. No entanto, por duas vezes jogou na véspera das eleições (9 de outubro de 1999, recebeu e venceu a Hungria por 3-0 e 4 de junho de 2011, recebeu e venceu a Noruega por 1-0), uma vez no dia seguinte (26 de abril de 1975, ganhou em França por 2-0) e outras duas, dois dias mais tarde (7 de outubro de 1980, empate a um golo, no Restelo com os EUA e 27 de abril de 1983, goleada sofrida na URSS por 0-5).
A coincidência de ocorrer jogos de futebol e eleições no mesmo dia, levanta a questão mais profunda: será que o futebol em dia de voto pode desmobilizar o eleitorado? Ou será que não tem qualquer efeito prático na participação? Não existem respostas conclusivas.
A última jornada da época 2024/25 vai seguir a linha da maioria do histórico, ou seja, não existirá jogos no dia das eleições legislativas. Terá de se esperar pelas próximas, para se verificar se haverá novamente disputa dentro das quatro linhas em simultâneo com o ato eleitoral e para se verificar se haverá alterações no “campeonato das legislativas”.