São 12 minutos, mais coisa menos coisa. Mas é o mais próximo do conceito de “entrevista” que Ruben Amorim terá concedido nos últimos anos. Em Inglaterra, a aversão do treinador português ao formato de conversa um para um será testado: há obrigações para com quase toda a gente, desde a Premier League, aos canais que transmitem os jogos, aos clubes. A primeira entrevista desde que chegou à Premier League foi dada, claro está, aos canais oficiais do Manchester United, em pleno relvado de Old Trafford.

Os últimos dias de Ruben Amorim não têm sido de trabalho de campo - agradeçam ao Brexit. Ainda sem visto de trabalho, o treinador português tem sido “obrigado”, por assim dizer, a conhecer os cantos à casa, produzindo conteúdo rápido atrás de conteúdo rápido para o site e redes sociais do clube, seja numa visita ao museu do United ou encontros mais fortuitos, ou menos, com adeptos, jogadores e trabalhadores do clube, etc. É o que é possível, de momento, é o que se exige num clube gigante, mas na próxima semana já é de esperar que Amorim possa fazer aquilo para que, verdadeiramente, foi contratado: dirigir homens em campo, com o seu fato de treino.

Não se pode dizer que as primeiras palavras de Ruben Amorim tenham ido muito para lá da circunstância. Falou de Omar Berrada (diretor executivo), Dan Ashworth (diretor desportivo) e Jason Wilcox (diretor técnico) como peças fundamentais para a sua contratação, de gostar de gostar das pessoas com quem trabalha e dessa “ligação” que sentiu “com as pessoas do Manchester United”. Falou da história do clube, claro está, dos adeptos também, “daquele” ambiente. De sentir que Old Trafford é o lugar onde sempre quis estar. Frases mais ou menos essenciais, o bê-á-bá das primeiras impressões num novo emprego. Mas, não tendo soltado um sucedâneo de “e se corre bem?”, já foi possível aos adeptos do United recolherem também pedaços do tal carisma do técnico português.

Ash Donelon

Terá sido menos indisfarçável quando lhe perguntaram o que vai ser possível ver já no primeiro jogo que, já agora, será no próximo dia 24, frente ao Ipswich, fora de portas. “Vão ver uma ideia. Podem gostar ou não, mas vão ver uma ideia”, atirou, curta e fortemente, assim são as melhores frases. “Eu sei que precisamos de tempo, mas temos de ganhar esse tempo. E ganha-se tempo ganhando jogos”, havia explicado imediatamente antes.

O mais importante para si, sublinha, “é a identidade” e Amorim promete identidade “desde o primeiro dia”. As palavras caíram bem nos adeptos mancunianos, agora estranhamente habituados ao marasmo de uma equipa que perdeu o hábito de ganhar desde a saída de Alex Ferguson, em 2013.

A equipa e as palavras de Ronaldo

Serão poucos os treinos que Ruben Amorim terá com toda a equipa para preparar a estreia e talvez por isso caminhe por entre a entrevista como quem coloca cuidadosamente o pé nas pedras mais seguras para atravessar um riacho. Amorim pede “carácter”, mais do que mostrar já já o que pode valer a equipa, ainda que as vitórias sejam essenciais para que os adeptos comecem a acreditar. “O mais importante para mim neste momento é criar princípios, a identidade e a personalidade que tínhamos no passado”, explicou, envolvendo-se já dentro da sua nova casa, e dando-se depois a conhecer com uma rápida viagem ao passado.

“Era um futebolista que jogava em qualquer posição, lateral direito, lateral esquerdo, defesa central, médio, extremo. Só não joguei a guarda-redes e avançado. Era um jogador de equipa e como jogador de equipa sabia que às vezes tinha de ir para o banco. Por isso sei o que é que todos os meus jogadores sentem”, sublinhou

Manchester United

As memórias de Old Trafford é que “não muito boas”, nas duas vezes que pisou aquele relvado como jogador não ganhou e Amorim gosta de ganhar. “É importante para mim divertir-me, mas a ganhar”, coisa que não tem acontecido muito por aqueles lados.

Alcunha é que poderá já estar cunhada. O jornalista pergunta a Ruben sobre um suposto apodo que Cristiano Ronaldo lhe colocou nos tempos em que os dois partilhavam os balneários da seleção nacional. É verdade que Cristiano o tratava por “poeta”? Pelos vistos sim: “É uma coisa engraçada. Porque quando falo, falo com o coração e acho que as pessoas sentem isso”.

E há muito que os adeptos do Manchester United precisam de alguém que lhes fale ao coração. Para início de conversa, Ruben Amorim já lhes deu uns docinhos. Falou da visita ao clube e da necessidade de conhecer a história dos red devils, dos bons momentos aos piores, como foi o desastre de Munique, que o treinador fez questão de referir. O clube, diz, foi a sua “única escolha” e agora é tempo de “fazer tudo” pela equipa. “Vou defender os meus jogadores contra toda a gente, é um ponto de honra para mim”, atirou também o homem que parece não se intimidar com algumas das arquibancadas mais famosas do futebol mundial.

“Talvez porque não estamos em dia de jogo, porque em dia de jogo sou um tipo diferente, mas não sinto mesmo o peso. Estou muito entusiasmado, muito relaxado. Estou onde eu sinto que era suposto estar. É esse o sentimento”.