Quem foi criança no início dos anos 90 terá aprendido uma coisa ou outra de geografia com os Jogos Sem Fronteiras. Ter-se-á dado conta, por exemplo, que a Europa tinha uns quantos micro-estados como Malta ou San Marino, que, naquele programa de animadas provas, eram irremediavelmente enxovalhados por nações infinitamente maiores.

No futebol, a história não é muito diferente. San Marino é uma seleção reconhecida pela FIFA e UEFA apenas desde 1988 e daí para cá os seus feitos mais impressionantes passam maioritariamente por derrotas curtas, alguns empates e um ou outro golo mítico, como aquele marcado por Davide Gualtieri a Inglaterra em 1993, aos 8.3 segundos, que foi durante muito tempo o golo mais rápido de uma fase de qualificação para um Mundial - San Marino perderia esse jogo por 7-1.

De resto, não é incomum encontrar derrotas de San Marino por dois dígitos, como os 13-0 com a Alemanha em 2006, ainda hoje a pior sova que a última seleção do ranking da FIFA, no 210.º posto da lista, já sofreu.

Vitórias é que não há muitas para contar. Em abril de 2004, depois de mais de 70 jogos internacionais, a equipa do enclave rodeado por províncias italianas, com pouco mais de 60 quilómetros quadrados e 33 mil habitantes, conseguiu finalmente o primeiro triunfo, frente 1-0 ao Liechtenstein, num amigável. Dez anos depois, após um nulo com a Estónia, San Marino somou o seu primeiro ponto numa fase de qualificação para um Euro, acabando aí também uma série de 61 derrotas consecutivas. O resultado foi de tal maneira importante que o selecionador sanmarinense da altura, Pierangelo Manzaroli, comparou o que sentia ao dia do nascimento da filha. “As pessoas nos outros países não percebem o que isto é”, confessou ao “New York Times”.

Não percebem, não, até porque só há uma seleção no último lugar no ranking da FIFA.

Em finais de 2022, talvez numa tentativa desesperada de voltar às vitórias, a federação local marcou amigáveis com as Seicheles, neste momento 201.º no ranking, e dois jogos frente a Santa Lúcia (170.º): o périplo acabou com dois empates e uma derrota.

Acontece que os horizontes desta equipa constituída, historicamente, por amadores - Gualtieri, o herói de 1993, tem uma loja de computadores, por exemplo - abriram-se um pouco mais, da cor do céu azul das suas camisolas, com a criação da Liga das Nações.

Bem cimentados na Liga D desta competição da UEFA, destinada às equipas mais modestas do nosso continente, San Marino está nesta edição no Grupo 1 com Gibraltar e Liechtenstein, seleções também habituadas a enxovalhos vários. Mas, entre elas, o nível é equilibrado, numa espécie de liga dos últimos europeia. E é neste contexto que, finalmente, vinte anos depois da primeira e única vitória, o povo de San Marino voltou a festejar um triunfo, também frente ao Liechtenstein, também por 1-0, agora com o lacinho no topo do presente de ser a primeira vitória numa prova oficial, a somar pontos.

Final agónico antes da festa

O golo de Nicko Sensoli aos 53 minutos, no Estádio Olímpico de Serravalle, marcou o final de uma inacreditável série de 140 jogos sem ganhar. Quando a 28 de abril de 2004 San Marino bateu o Liechtenstein, Sensoli nem sequer era nascido.

Após o apito final, que se seguiu a sete agónicos minutos de descontos, jogadores caíram de joelhos no chão, abraçaram-se, choraram lágrimas de alegria, partilhada com os cerca de 900 adeptos nas bancadas. Alguns deles pertencem à Brigata Mai 1 Gioia, grupo organizado de adeptos cujo nome, numa tradução livre, se verte em português para qualquer coisa como “Brigada sem uma Alegria”. Talvez agora precisem mudar de nome.

O histórico triunfo surge numa fase de mudança geracional na equipa de San Marino, com a chamada de vários jovens ainda em idade júnior. Históricos como Matteo Vitaioli, designer gráfico de dia, capitão da seleção à noite, ou Filippo Berardi não estiveram na equipa que conseguiu a mais importante vitória do futebol de San Marino.