
Todos os apaixonados por futebol apreciam uma bela história de determinação, resiliência e superação, principalmente quando envolve um outsider a singrar contra todas as expectativas. Uma dessas cativantes narrativas prende-se com a inesquecível temporada do Bodo/Glimt, já que o conjunto norueguês vive, atualmente, um verdadeiro conto de fadas nórdico.
Apenas três triunfos separam a destemida embarcação comandada por Kjetil Knutsen de rubricar um marco histórico - e inédito - no futebol europeu. Confuso, caro leitor? Ora, nós explicamos.
O emblema que representa a modesta cidade de Bodø estreia-se, esta quinta-feira, nas meias-finais da Liga Europa, frente ao Tottenham, com o objetivo de alcançar, pela primeira vez, uma final europeia.
Caso este cenário se confirme, o Bodo fica apenas a um triunfo de firmar um marco insólito, tornando-se a primeira equipa a disputar nove(!) fases antes de conquistar um título europeu. Três importantes disputas separam o campeão norueguês de escrever um dos mais belos capítulos da sua história, podendo eternizar também este ato nos respeitados pergaminhos das competições europeias.
A poucas horas do embate em solo londrino, embarque nesta viagem aos números que pautam a longa e surpreendente epopeia nórdica, desde as adversidades fora de portas até à fortaleza - Aspmyra Stadion - como amuleto da sorte.
Da queda em Belgrado ao sonho em Bilbau
Como nem todas as grandes histórias de sucesso precisam de ser perfeitas, este possível conto de fadas começou justamente com um percalço milionário.
Milionário, sim, visto que o percurso europeu do Glimt teve início nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões, face à conquista do campeonato norueguês na época antecedente. O imponente registo caseiro - com goleadas frente ao Rigas FS e Jagiellonia Bialystok - foi condição suficiente para avançar tranquilamente até ao playoff de acesso à fase de liga da Champions.
A ambição de jogar com os melhores dos melhores na prova milionária era grande, mas seria necessário derrubar o experiente Estrela Vermelha. No Aspmyra Stadion, o desfecho foi positivo (2-1), mas a remontada sérvia na segunda mão (2-0) gelou as aspirações do Bodø e atirou os noruegueses para a Liga Europa.
Este balde de água gelada não impediu a formação orientada por Kjetil Knutsen de querer continuar a sonhar e demonstrar competitividade nos palcos europeus. Assim, e com um estilo de jogo assente na coesão defensiva e em transições ofensivas venenosas, o Bodo/Glimt conseguiu surpreender os mais incautos - que o digam FC Porto e SC Braga -, conquistando um lugar na fase seguinte do torneio, ao terminar no nono posto da equilibrada tabela.
Seguiu-se o dramático embate com o FC Twente, a contar para o playoff de acesso aos oitavos da prova, onde a emoção reinou até ao final. Os nórdicos arregaçaram as mangas e conseguiram levar o jogo da segunda mão para prolongamento - após uma desvantagem de dois golos -, garantindo a passagem aos oitavos-de-final já na reta final do segundo tempo adicional. Um verdadeiro exemplo de perseverança.
As restantes eliminatórias foram pautadas por algumas dificuldades fora de portas, colmatadas, posteriormente, pela garra e ambição demonstradas na condição de visitado. Com triunfos suados frente a Olympiacos, nos oitavos, e Lazio, nos quartos, o Bodo/Glimt disputa, agora, a sua oitava fase europeia diante do Tottenham. Em caso de desfecho positivo, fica, depois, a 90 minutos de escrever um inédito capítulo no futebol europeu.

'Vamos fazer o que ainda não foi feito'
Como referido anteriormente, caso o conjunto norueguês derrube os fragilizados Spurs - que ocupam, à data, a 16.ª posição da Premier League -, o Glimt alcança a final da Liga Europa e disputa, consequentemente, a nona fase de uma prova europeia esta temporada.
Se a formação amarela e preta for bafejada pela sorte dos deuses do futebol e sair vitoriosa no derradeiro embate - contra Athletic Bilbao ou Manchester United -, este cenário adquire contornos inéditos, uma vez que nenhuma equipa vencedora de uma prova europeia percorreu um percurso tão longo antes de levantar o troféu.
Existem alguns casos, no passado, que se assemelham a esta narrativa, mas nenhum dos emblemas disputou tantas fases até à conquista da prova. No total, foram cinco os conjuntos que precisaram de avançar oito rondas antes de conquistar o tão desejado 'ouro' europeu.

O primeiro caso remonta à longínqua temporada 2004/05, quando o CSKA Moskva disputou três etapas da Champions (qualificação + fase de grupos), caiu para a Taça UEFA e ultrapassou cinco eliminatórias até à final, sagrando-se, depois, campeão da prova com um triunfo diante do Sporting.
Três épocas depois, outro emblema russo - desta vez o Zenit - protagonizou o mesmo feito. A formação orientada por Dick Advocaat iniciou a longa travessia na ronda de qualificação para a Taça UEFA, frente ao Zlaté Moravce, e também superou oito fases antes de levantar o caneco, com uma vitória frente ao Rangers.
Existem ainda dois casos marcados pelas conquistas de dois clubes espanhóis. O Atlético de Madrid teve de superar oito eliminatórias para conquistar o troféu da Liga Europa, na temporada 2011/12, feito igualado pelo Sevilla na época 2013/14.
O exemplo mais recente, por sua vez, prende-se com a prestação europeia do Olympiacos em 2023/24. Os pupilos de José Luis Mendilibar sagraram-se campeões da Conference League, com uma vitória frente à Fiorentina na final, e participaram em oito etapas europeias pelo caminho.

A 270 minutos de um sucesso intemporal
Estes exemplos de longas - e por vezes inesperadas - travessias até às grandes conquistas podem agora ser superadas por uma época dourada por parte do Bodo/Glimt. Após tantas adversidades superadas, apenas três encontros - sensivelmente 270 minutos - separam os nórdicos do tão desejado sucesso intemporal.
A primeira batalha é já travada esta quinta-feira, pelas 20 horas, em Londres, mais concretamente no Tottenham Hotspur Stadium, onde um resultado positivo pode alimentar uma esperança além fronteiras.
Conseguirá o Bodo/Glimt desafiar as probabilidades e vincar, em San Mamés, uma marca inédita e memorável? Ou será que o destino reserva outros planos para a combativa formação da Noruega?