
14 de maio de 2000. Vidal Pinheiro. 34ª jornada da Liga. Sporting líder, com 74 pontos. Mais um do que o FC Porto. Jogo decisivo para os leões na casa do Salgueiros para quebrar um jejum de 18 anos sem ser campeão nacional. Foi a última vez que o Sporting se sagrou campeão na última jornada. Augusto Inácio era o treinador e 25 anos depois há coisas que não se esquecem.
«Foi inesquecível! Muitos nervos pelo peso de 18 anos sem conseguirmos ganhar. Muitos nervos de toda a gente. Nossos, staff, clube, jogadores, adeptos... Na rua, nos restaurantes, em todo o lado que encontrava adeptos só me diziam: 'por favor mister não podemos estar sem ganhar, temos de ganhar desta vez'», diz-nos de pronto Augusto Inácio mal atende a chamada que lhe fazemos para falar precisamente da conquista de há 25 anos.
Nesta conversa com A BOLA, Augusto Inácio assume que agora pode assumir o que na altura não podia: «O pensamento de ser campeão estava na minha cabeça em todos os momentos. No treino, no almoço, quando estava em família. Estava sempre a pensar nisso. Era a prioridade das prioridades. Andei muito nervoso. Só dependíamos de nós para sermos campeões, mas o Salgueiros era treinado pelo Vítor Manuel e precisava de pontuar para ficar na Liga. Depois acabou por não descer pela conjugação de resultados, mas isso foi depois do jogo. Antes a pressão era de duas equipas que precisavam de pontos. Foi uma semana... Nunca envelheci tanto como naquela semana. 25 anos depois posso assumir isso. Na altura como treinador tive de ser frio e esconder o meu estado de ansiedade dos jogadores, mas passado este tempo todo tenho de te assumir que os treinadores nem sempre demonstram o que sentem.»
Na equipa Augusto Inácio tinha Peter Schmeichel, Saber, Quiroga, André Cruz, Rui Jorge, Aldo Duscher, Luís Vidigal, Pedro Barbosa, De Franceschi, Beto Acosta e Ayew. «Eu acreditava muito em nós e o importante era mantermos a calma, pois a confiança era muito grande. Para mim o jogo que decidiu esse campeonato foi o Sporting-FC Porto, um mês antes, em Alvalade, que vencemos por 2-0. Mas eu não celebrei muito esses golos, pois quis passar para dentro do grupo a ideia que era normal o Sporting vencer jogos como aquele. Eu sabia que não era normal, e que seria determinante, mas consegui esconder o que sentia dos jogadores, por ser melhor para eles. Mas, quando estava sozinho sofria muito. Reagia de outra forma, nem ligava ao que a minha mulher e os meus filhos me diziam. Só pensava no jogo. Refugiei-me muito em casa nessa altura... A pressão era enorme e precisava gerir o que sentia», confessa o antigo treinador dos leões.
Comida e bebidas controladas, segurança no corredor dos quartos
Mesmo disfarçando o que sentia nos dias que antecederam o jogo de Vidal Pinheiro, Augusto Inácio recorda que o estado de ansiedade era generalizado nos jogadores: «A semana de trabalhos que antecedeu o jogo foi fora do normal... Fomos para um hotel no Porto, como íamos sempre, e houve quem dissesse que não devíamos ir porque podíamos não controlar o que os jogadores comiam e bebiam, e podíamos ser perturbados. Mas decidimos não mudar nada. Levámos o nosso cozinheiro para fazer as nossas refeições. Só bebíamos bebidas de garrafas que abríamos nós próprios para garantir que não estavam alteradas. Alugámos um piso do hotel e colocámos pessoas no corredor à noite para que ninguém pudesse perturbar o descanso dos jogadores e o hotel estava proibido a passar chamadas para os quartos.»
As chamadas medidas de prevenção na tentativa de que nada falhasse. Até o jogo começar. «Na primeira parte estávamos nervosos e isso notou-se. Precisávamos de um golo para nos soltarmos e não conseguimos marcar na primeira parte. Ao intervalo foi preciso manter a calma e não entrei em stress. Deixei os jogadores estarem uns com os outros, e só falei três minutos. Foi uma palestra curta em que apelei à calma e passei confiança ao grupo, pois acreditava neles.»
O primeiro golo que desbloqueou o Vidal Pinheiro foi marcado por André Cruz, aos 47 minutos. «Nesse momento a equipa soltou-se. Logo a seguir o Ayew fez o 2-0, depois o Duscher o 3-0 e o André Cruz marcou o quarto. Foi a euforia total», recorda Inácio.
O treinador que quebrou um jejum de 18 anos acredita que agora, também na última jornada do campeonato, o Sporting vai conseguir ser novamente campeão. «A pressão em Alvalade vai ser grande, mas acredito muito que o Sporting vai ser campeão. Fiquei admirado com o jogo na Luz, mas contente e orgulhoso pela forma como a equipa entrou em campo. Se o Sporting não conseguir marcar nos primeiros minutos frente ao Vitória vai ter muita dificuldade pois não vai ter o maestro Hjulmand, mas tem de ter calma e acreditar. É bom sinal haver ansiedade e nervosismo. É porque estão a lutar por coisas importantes. Faz parte da vida de jogadores que estão em grandes clubes e eles estão preparados para isso.»
Com a confiança em alta, Augusto Inácio deseja celebrar, agora como adepto, mais um título de campeão. «Estou convicto de que, com maior ou menor dificuldade, o Sporting vai ganhar e ser campeão», palavra de campeão.